RELATO DE EXPERIÊNCIA


Atendimento a famílias
doadoras de órgãos

 

Sou psicóloga da Secretaria Estadual da Saúde e atuo na Central de Transplantes desde o ano 2000, quando implantei o Serviço de Atendimento Psicológico às Famílias dos Doadores de Órgãos e Tecidos.
 
O nosso contato com esses familiares, após 20 dias da doação, objetiva a melhor assimilação da perda e informa sobre os órgãos e tecidos aproveitados para transplantes e sobre dados como idade e sexo dos receptores beneficiados. O foco primordial é o atendimento psicológico individualizado aos familiares que autorizaram a doação e a outros membros deste núcleo que necessitem, elucidando dúvidas surgidas em decorrência desse processo. As famílias recebem carta de agradecimento pelo gesto de solidariedade manifestado pelo ato da doação. Há a preocupação em dar atenção especial neste momento de extrema dor, propiciando acolhimento e escuta ativa, e oportunizar aos familiares a expressão dos sentimentos frente à dor e à morte, diante da perda ocorrida de forma geralmente trágica  e repentina, amparando-os e fornecendo-lhes subsídios psicológicos para o enfrentamento dessa situação e da continuidade da vida. 
 
O serviço é oferecido em Porto Alegre, tendo como sede a Central de Transplantes. Com o intuito de promover um atendimento mais humanizado, estamos implantando a descentralização desses atendimentos pelo RS. Os familiares diagnosticados com estresse pós-traumático exarcebado são referenciados à comunidade de sua origem para melhor elaboração do luto complicado, sendo utilizados os serviços já existentes de psicologia nas instituições hospitalares e Centros de Atenção Psicossocial. Nesses atendimentos, os familiares indicam os motivos da doação, que são fazer a vontade do falecido, perpetuá-lo em outra pessoa ou mesmo como o propósito de sua vida.
 
Apesar do conhecimento da intenção em vida de ser doador, constatamos que existe inicialmente na família uma carga acentuada de culpa, ansiedade, desamparo e angústia. No final das entrevistas observa-se alívio, diminuição do sentimento de culpa e gratificação pelo ato da doação, pois os transplantes dos órgãos de seu ente querido darão vida ou qualidade de vida a muitas pessoas que estavam em lista de espera, ajudando a justificar essa morte, tantas vezes precoce, trágica e inesperada, amenizando a dor e o vazio afetivo.

O atendimento psicológico auxilia a ressignificação do luto e o reposicionamento positivo diante da perda, instrumentalizando a família na sua reestruturação emocional e social, tornando a experiência da doação de órgãos mais humanizada e, consequentemente, multiplicadora da nobre atitude perante à sociedade.
 
 

NAIDA TERESINHA GUTERRES MACHADO (CRP 07-1997)
Psicóloga
Graduada pela Universidade Católica de Pelotas
 
 
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