RELATO DE EXPERIÊNCIA


Rompimento da barragem da Vale em Brumadinho:
nas entrelinhas do cuidado e da garantia dos direitos humanos

 

Nestes últimos anos tenho estudado o sofrimento social e ambiental vivenciado pelas comunidades atingidas pela construção de barragens hidrelétricas na bacia do Rio Uruguai, no sul do Brasil. Este percurso me levou à Brumadinho através do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), que realiza um importante trabalho na construção de direitos dos atingidos.
 
Cheguei na região no dia 10 de fevereiro, 17 dias após o rompimento da barragem de rejeitos da Vale - o que influenciou diretamente as demandas e as características da minha atuação. Permaneci oito dias na cidade e fui acolhida no alojamento do MAB, com outros 50 voluntários de diversas regiões do país. Neste processo quero destacar três frentes de trabalho principais que emergiram. A primeira foi a de atenção aos trabalhadores que atendiam as comunidades afetadas. Dentre eles estavam as equipes de voluntários e de diferentes políticas públicas, afinal, muitos também haviam perdido seus familiares e amigos, estavam atuando há vários dias sem descanso ou apresentavam sintomas de intoxicação em função do contato direto com os rejeitos. Os trabalhadores também precisavam que suas dores físicas e psicológicas fossem escutadas e reconhecidas. 
 
Outra frente de trabalho em conjunto com o Ministério Público foi a organização de assembleias com as comunidades que viviam às margens do rio Paraopeba. Estas regiões, por estarem afastadas geograficamente do rompimento da barragem, até então não haviam recebido atenção. Tratavam-se de agricultores e pescadores que demandavam informações sobre a contaminação do rio, auxílio no levantamento dos danos e, principalmente, acolhimento. Além disso, atuei na construção dos fluxos de encaminhamentos entre a rede de saúde, o Ministério Público e o MAB. 
 
Neste sentido, gostaria de realizar alguns apontamentos importantes para a atuação neste contexto: a) mesmo que a nossa intervenção ocorra em um período específico precisamos lançar um olhar global sobre o desastre, considerando sua construção histórica e social; b) é 
imprescindível a atuação em rede, a compreensão das relações de poder e o auxílio na organização das diversas instituições que oferecem apoio, afinal, as vítimas do desastre permanecerão no território e serão acompanhadas pelas políticas públicas do município; c) é essencial fundamentar nossa atuação no Código de Ética do Psicólogo e nas resoluções sobre emergências e desastres. Neste processo é preciso constantemente reconhecer os nossos limites – pessoais, técnicos e éticos. Afinal, partimos com a expectativa de oferecer o nosso trabalho como psicólogos, mas voltamos afetados em nossa humanidade, deslocados, em luto. De algum modo somos profundamente atingidos e convocados a problematizar o papel da Psicologia frente à violação e à garantia de direitos.
 


CARMEM REGINA GIONGO (CRP 07/18304)

Psicóloga, mestre em Psicologia, doutora e pós-doutora em Psicologia Social e Institucional, docente do curso de Psicologia da Universidade Feevale
 
 
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