PERSPECTIVA

 

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3481, declarou inconstitucionais os dispositivos da Resolução nº 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que restringem a comercialização e o uso de manuais de testes psicológicos a profissionais inscritas/os no Conselho. Para debater sobre os efeitos dessa decisão e o impacto para a Psicologia, a EntreLinhas entrevistou as psicólogas: 

Denise Bandeira (CRP 07/04300), coordenadora do Grupo de Estudos, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica (GEAPAP) da UFRGS, e 

Katya Oliveira (CRP 06/64532 – IS196/08), conselheira do CFP e coordenadora da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica Federal.

 

Decisão do STF
sobre a comercialização
de testes psicológicos e o
impacto para a Psicologia

 

Qual o impacto da decisão do STF para a Avaliação Psicológica e para a Psicologia? 

Denise Bandeira – Acredito que agora é o momento de trabalhar para que os juízes do STF se mobilizem e entendam o que a falta de segurança para os instrumentos de Avaliação Psicológica pode causar à população. O impacto maior será nas avaliações compulsórias, como em processos de renovação de carteira de motorista ou validação para manuseio de arma de fogo. A pessoa terá o interesse de estudar e conhecer o instrumento que será usado, dificultando o trabalho da/o psicóloga/o. Na área clínica, não consigo identificar muitos impactos. De qualquer forma, precisamos, sem dúvida, mudar algumas estratégias de avaliação e, ainda, as editoras terão que investir mais em instrumentos nos quais os resultados não fiquem disponíveis para aqueles que não usem o instrumento de forma profissional (pela lei, nós temos a exclusividade da realização de Avaliação Psicológica). Então, acredito que possamos ir por esse caminho, limitar que a pessoa que terá acesso aos resultados seja aquela que usa esses instrumentos. 

Katya Oliveira – Essa decisão atinge a categoria como um todo. Somos quase 400 mil psicólogas/os que, direta ou indiretamente, podem sofrer drasticamente com seus impactos. Estamos analisando as consequências em todas as áreas que empregam testes em seus fazeres e, em muitas delas, como é o caso das Avaliações Psicológicas compulsórias, isso deve ser visto com muita cautela. No caso da Avaliação Psicológica, de uma forma geral, essa resolução atenta contra a naturação dos testes, de modo que, nesse momento, considerando que o trânsito em julgado da ADI ainda não ocorreu (em razão da ação dos Embargos de Declaração proposta pelo CFP e protocolada no dia 20/04) é importante que possamos já ficar atentas/os para possíveis exercícios ilegais da profissão por outras/ os profissionais, sendo que a prática/uso dos testes ainda continua privativa da/o psicóloga/o. Caso a/o psicóloga/o identifique algum caso ou situação dessa natureza, deve procurar o seu Conselho Regional para que se tomem as medidas cabíveis.

 

De que forma o CFP se articulou diante desta decisão? 

Katya Oliveira – Após o julgamento da decisão da ADI nº 3481, o CFP inicialmente entrou com uma medida cautelar (23/03/2021), buscando modulação da decisão, de modo que todo o Sistema Conselhos tivesse como realizar ajustes ao sistema de orientação e fiscalização e possíveis mudanças no Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos – SATEPSI. Mas com a publicação do Acórdão em 04/04/2021, o CFP entrou com a Ação dos Embargos de Declaração. Desde o início, o Plenário do CFP, por meio de sua Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP), tem se debruçado no assunto de modo a traçar caminhos técnicos que assegurem os conteúdos dos nossos instrumentais técnicos e também salvaguardem nossa prática em Avaliação Psicológica. 

 

Como garantir a validade e segurança dos testes psicológicos diante desta decisão?

Denise Bandeira – Essa é a grande questão. Para determinados tipos de uso, não é possível sustentar que não haverá distorção dos resultados, principalmente nas avaliações realizadas mais por meio de testagem, nas quais a pessoa não tem contato direto com a/o profissional. Teremos que garantir uma formação profissional adequada para fazer essas avaliações e frisar a necessidade de uma prática especializada na questão de integração dos resultados, mais do que simplesmente o resultado do instrumento, porque é isso que vai assegurar a força da/o psicóloga/o.

Katya Oliveira – Nesse momento ainda não temos respostas definitivas, pois estamos trabalhando com a CCAP, entidades da avaliação psicológica, Grupos de Trabalhos da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) da área da Avaliação Psicológica, consultoras/es especialistas, dentre outros. O objetivo é buscar caminhos que permitam garantir a segurança da nossa tecnologia profissional contida não só nos manuais, mas no conjunto de materiais dos testes.

O objetivo é buscar caminhos que permitam garantir a segurança da nossa tecnologia profissional contida não só nos manuais, mas no conjunto de materiais dos testes”.

 

Como pensar na Avaliação Psicológica para além dos instrumentos de avaliação?

A Avaliação Psicológica é mais do que simplesmente uma aplicação de um instrumento ou resultado dele, envolve o entendimento que se tem do sujeito a partir do uso de outras técnicas que a/o psicóloga/o usa, como, por exemplo, entrevistas, observações e acesso a documentos”.

Denise Bandeira – A Avaliação Psicológica é mais do que simplesmente uma aplicação de um instrumento ou resultado dele, envolve o entendimento que se tem do sujeito a partir do uso de outras técnicas que a/o psicóloga/o usa, como, por exemplo, entrevistas, observações e acesso a documentos. É necessário garantir que a/o profissional da área de Avaliação Psicológica conte com uma formação psicológica que envolva disciplinas apresentadas na sua graduação, e, especialmente, faça uma especialização. Para ter uma boa compreensão da pessoa, é importante ter um conhecimento maior sobre como trabalhar de forma conjunta com todos os possíveis resultados.

Katya Oliveira – A Avaliação Psicológica é um processo. A Resolução CFP 09/2018 em seu Art. 1 elucida que “Avaliação Psicológica édefinida como um processo estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, composto de métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover informações àtomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional, com base em demandas, condições e finalidades específicas”. Dessa forma, a avaliação como processo requer que nos debrucemos em entender que Avaliação Psicológica não pode ser reduzida a ‘testagem’. Ela tange o olhar competente da/o avaliadora/or que busca, por meio de um comportamento analítico e crítico, juntar todas as informações relevantes nesse processo. O método em si pode ser realizado com o uso ou não de testes psicológicos. Há muitas Avaliações Psicológicas que são realizadas sem se empregar testes psicológicos em seu processo. Assume importância a competência do avaliador, por isso, sentir-se competente e estar devidamente resguardada/o tecnicamente em procedimentos e técnicas reconhecidas é salutar para o bom andamento.

 

Como você avalia a evolução na realização de Avaliações Psicológicas ao longo do tempo? E como essa atuação foi impactada pela pandemia da Covid-19?

Denise Bandeira – A pandemia afetou muito o nosso trabalho, até porque não temos um número muito grande de instrumentos disponíveis para serem usados de forma remota. Percebo que a área tem se atualizado e as editoras estão investindo em adaptações para esse novo modelo de avaliação. Diante das circunstâncias da pandemia, estamos trabalhando de forma híbrida: fazemos presencialmente só o que é indispensável, como, por exemplo, em casos de aplicação de alguns testes e entrevistas com crianças que, particularmente, eu acho complicado de fazer on-line, dependendo da faixa etária. Acredito que esse modelo tenha vindo para ficar, o que vem rompendo com a resistência que a Psicologia tinha de fazer algo que não fosse presencial. Pelo que a categoria tem visto, as avaliações têm dado certo. Acredito que esse é um novo caminho para a área, por isso, é necessário muito estudo e novas pesquisas.