PSICOLOGIA E PESQUISA

A dobra política do movimento antimanicomial: uma pesquisa cartográfica

A tese “Militando com a loucura: a dobra política do movimento antimanicomial no Rio de Janeiro” aborda a contribuição deste movimento social à transformação das relações sociais com a loucura. Em diálogo com uma literatura crítica das práticas psiquiátricas, ela propõe captar o que o movimento produz. Não se trata de suas relações com o Estado, nem de representações ou identidades, mas da dimensão afirmativa, dos processos de transformação engendrados. A noção de dobra política funciona como ferramenta conceitual permitindo analisar esses processos. 
 
Esta tese em sociologia, redigida em francês e inserida na Aliança Internacional de Pesquisa Universidades-Comunidades Saúde mental e Cidadania, propõe uma discussão sobre a articulação entre loucura e política a partir de uma pesquisa cartográfica realizada em 2012 junto ao núcleo do Rio de Janeiro do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA). Esta abordagem metodológica aposta na implicação da pesquisadora junto ao território de produção de sentido encontrado, a fim de apreender analisadores emergentes. Durante o trabalho de campo, foram realizadas observações participantes das reuniões do movimento e entrevistas com ativistas. 
 
O MNLA é um ator fundamental da Reforma Psiquiátrica brasileira, visando a construção de uma política de saúde mental pública inclusiva e antimanicomial, atualmente drasticamente ameaçada pelo governo Bolsonaro. Com o engajamento militante de usuárias e usuários de serviços de saúde mental, o movimento antimanicomial experimenta um arranjo singular entre loucura e militância. Esse fenômeno é analisado com a noção de dobra política. Em um diálogo entre conceitos propostos por Gilles Deleuze, Félix Guattari e Jacques Rancière, esta noção funciona como uma ferramenta permitindo acessar produções do núcleo do Rio de Janeiro deste movimento. 
 
Cartografamos os modos como acontece a dobra política do MNLA enquanto abalo nas linhas de separação de poder/saber que opõem de forma binária loucos/normais, excluídos/adaptados etc. Estes abalos nas linhas molares, produzidos pelo movimento, são múltiplos e nossa pesquisa cartográfica capta alguns deles. O primeiro se traduz no espaço político aberto pelo movimento, que se atualiza há cerca de quarenta anos sob a forma de rodas (assembleias deliberativas) com suas discussões, controvérsias e articulações de ações coletivas. Em 2012, as lutas contra as restrições à mobilidade na cidade, contra a internação forçada de pessoas sem-teto em comunidades terapêuticas sob o pretexto do uso de drogas, assim como pela afirmação de um ativismo legítimo de usuárias e usuários dos serviços de saúde mental, são os principais temas deste espaço político. O segundo abalo consiste na atualização de micropolíticas na roda: lateralidade, inclusão e composição com discursos disjuntivos em um estilo de ativismo onde a “interafetação” dos corpos é um componente essencial. O terceiro abalo identificamos por meio do “perspectivismo” militante: pontos de vista singulares tecendo formas de fazer sentido com o ativismo onde afetos, experiências de vida e sofrimento psíquico participam à composição coletiva de um “plano comum”. 
 
A cartografia da dobra política do MNLA no Rio de Janeiro analisa a imbricação entre loucura e política. A partir do caso brasileiro, ela questiona os modos como as sociedades contemporâneas lidam com as experiências de sofrimento psíquico. Essa pesquisa convida a aproximar debates e questionamentos de um movimento social em contínuo engendramento na sua luta contra as novas formas de aprisionamento, pelo cuidado em liberdade e por uma sociedade sem manicômios!

A tese “Militando com a loucura: a dobra política do movimento antimanicomial no Rio de Janeiro” pode ser acessada aqui http://archipel.uqam.ca/id/eprint/8679

Este trabalho ganhou o prêmio da melhor tese de ciências humanas da UQAM em 2017 e deu origem ao livro “Folie ET Politique”, publicado em 2020. Saiba mais: https://www.georg.ch/livre-folie-et-politique-brum-schaeppi.

Leia o artigo “Acesso e Compartilhamento da Experiência na Gestão Autônoma da Medicação: O Manejo Cogestivo”, publicado no volume 5 do Caderno HumanizaSUS, páginas 234-248, disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_mental_volume_5.pdf

Paula Brum Schaeppi 
Psicóloga e doutora em sociologia, pesquisadora associada do Institut des Humanités en Médecine, Université de Lausanne.