DICAS CULTURAIS

O Parque das Irmãs Magníficas
 
O Parque das Irmãs Magníficas é um romance escrito por Camila Sosa Villada, nascida em 1982 na Argentina em uma cidadezinha chamada La Falda. A autora é formada em Comunicação Social e Teatro pela Universidade Nacional de Córdoba. É conhecida por seu trabalho como atriz tanto no teatro, TV e cinema e em meio a esses espaços forjou seu lugar também como escritora. Possui romances, ensaios e um livro de poemas já lançados e alguns traduzidos em diferentes línguas vista o sucesso que eles fizeram.
 
Em O Parque das Irmãs Magníficas, escrita em que Camila corporifica sua vivência enquanto mulher travesti, a autora ficcionaliza então passagens do seu tempo quando chega a Córdoba para cursar o ensino superior. Camila conta que ainda criança conheceu pela TV Cris Miró, primeira vedete travesti, que fez muito sucesso na Argentina, tendo também trabalhos como bailarina e atriz. A própria Camila diz o quanto que era aquilo tudo que gostaria de ser e ter.
 
Assim como Camila, seu livro é complexo, traz todos os sabores da experiência da vida de uma travesti no final dos anos 90, além de cenas de sua infância e juventude. Primordialmente é entendido como romance, porém possui elementos fantasiosos e mágicos. Artifícios esses, que a autora utiliza para potencializar os afetos e emoções experienciados por ela, e que disparam em seus leitores múltiplas sensações, sem fazer com que duvidemos da realidade das cenas construídas. Nele encontramos momentos de ternura, alegria e acolhimento oferecidos pela irmandade de outros corpos dissidentes de gênero e ao mesmo tempo a violência brutal e mortífera presente na vida dessa população que não se curva a cisheterenormatividade. É por esses elementos que O Parque das Irmãs Magníficas recebe o influente e respeitado prêmio Sor Juana Inés de la Cruz, pela Feira Internacional do Livro de Guadalajara.
 
Camila sabe que é uma exceção em uma sociedade que ainda não aceita corpos trans e travesti, tanto que a mesma conta que uma das frases que marcou sua existência foi quando seu pai disse que ainda bateriam na porta dele dizendo que encontraram o corpo dela em uma vala. Mas é por sua narrativa que ela nos demonstra a potência de vida e as resistências a tudo que é imposto a corpos que apenas querem existir como eles realmente sonham em ser.
 
Luís Henrique da Silva Souza
Psicólogo (CRP 07/31246), conselheiro do CRPRS
 
 

 

Gauchismo Líquido
 
“As ideias são rios e as palavras são mapas. Juntas: rotas de desvio. A inconstância dos estados d’água. Os corpos vazantes. A náusea do navegar, na cultura, o mal-estar.”
 
Assim, somos recebidas por Clarissa Ferreira, logo no início do livro Gauchismo Líquido, obra lindamente produzida, que contém alguns textos publicados no blog de mesmo nome iniciado em 2014, outros no Jornal Sul21, textos inéditos, poesias e músicas. Porém, não é apenas do livro que venho contar. Relacionados a seu estudo sobre a “cultura gaúcha”, também ganhamos um espetáculo - Líricas Sulinas - apresentado no Theatro São Pedro em Maio deste ano, um podcast no estilo programa de rádio, com entrevistas, músicas, comentários culturais e informação histórica, um canal no youtube, e um disco: La Vaca.
 
A autora, doutora em Etnomusicologia, violinista, pesquisadora e compositora do Rio Grande do Sul aborda com coragem e audácia os regionalismos do estado, a forma como as mulheres são representadas nas letras das músicas gauchescas tradicionais, a LGBTfobia, o machismo, a invisibilização e o silenciamento das pessoas negras e indígenas na construção dessa cultura.
 
Clarissa canta um Rio Grande diferente do som tantas vezes orgulhoso, estagnado, cheio de cãibras de tradições. Ela toca um estado, e não de maneira doce e sutil, que vê o pampa e espécies nativas diminuírem e taxas de feminicídio aumentarem. Questiona o papel político de quem compõe, fala da importância de repensar a letra do hino rio-grandense, a significância das práticas vistas como desviantes, invoca bell hooks quando nos lembra de que a teoria pode ser um lugar de cura e encontra, nas mãos ocupadas pelo segurar da cuia de chimarrão, um tempo para contemplar, sentir o mundo, o corpo em parada, lembrando com Krenak que “a vida não é útil”.
 

No Instagram: @clarisssaferreira
 
 
Carolina Disegna
Psicóloga (CRP 07/17295 ) e Psicanalista