PSICOLOGIA E PESQUISA

Resiliência Comunitária e suas contribuições ao campo de atuação com emergências e desastres

Eventos adversos, tais como enchentes, tsunamis, terremotos, incêndios, pandemias e chacinas, têm feito parte do nosso cotidiano. A nossa vivência pessoal, assim como o acesso às mídias diariamente, mostram o quão frequentes têm sido esses eventos.

Em linhas gerais, são eventos que causam não somente a perda de vidas, mas atentam contra a integridade física das pessoas, causam danos materiais e perdas econômicas, além de um profundo impacto emocional nas pessoas, comunidades e equipes de primeiros socorros, consequências que podem durar muito tempo e interferir na posterior reconstrução da comunidade afetada (Alamo, 2007).

Olhar para esses eventos pela lente da Resiliência Comunitária, conceito pouco conhecido por psicólogas/ os, implica entender os processos pelos quais uma comunidade, com todas as suas forças e vulnerabilidades, lida com o impacto de uma situação adversa coletiva, sendo capaz de se transformar a partir dela (Ojeda, 2005).

Ou seja, trata-se de um ampliação de olhar, que busca ver os efeitos dos eventos adversos não apenas da perspectiva individual, mas da perspectiva comunitária; e não apenas pela lógica das vulnerabilidades ou consequências negativas destes eventos, mas valorizando as estratégias de organização comunitária no sentido de mobilizar recursos e capacidades para promover transformações físicas e sociais na comunidade.

Importante salientar que a Resiliência Comunitária é um fenômeno que pode ser promovido, considerando a responsabilidade tanto da comunidade em si, vista em toda sua complexidade e potencialidade para transformação, quanto dos agentes externos (profissionais, governo e terceiro setor), responsáveis por oferecer recursos físicos, econômicos e sociais que tornem as comunidades mais hábeis para enfrentar as adversidades.

O potencial de uma comunidade de se recuperar de uma adversidade dramática, sustentar sua adaptação e apoiar um novo crescimento que integra as lições aprendidas com a crise depende de três fatores: 1) forças comunitárias nutridas antes do evento estressor; 2) recursos significativos disponíveis para a comunidade, oferecidos pelo governo e ONGs; e 3) capacidade comunitária para usá-los em benefício comum. Percebam que se trata de uma visão abrangente, que considera a interface da comunidade com sistemas mais amplos (governo, sociedade civil, etc.) e que, de forma alguma, coloca apenas no nível comunitário e nos seus recursos internos a responsabilidade pelo enfrentamento das adversidades.

Em um importante artigo de revisão integrativa da literatura nacional e internacional, Oliveira e Morais (2018) buscaram descrever os conceitos de Resiliência Comunitária trabalhados nos artigos, as principais adversidades citadas e os fatores relacionados a esse fenômeno. As autoras verificaram que duas tradições no estudo do fenômeno se destacam: a norte-americana e a latino-americana. Buscando fazer uma síntese de tais tradições, propuseram a sistematização de três fatores que estão relacionados à resiliência comunitária. São eles: Capital social: formado pelas redes de suporte social que o indivíduo pode acessar, sejam redes informais (amigos, vizinhos e familiares) ou estruturas formais de apoio social, como equipamentos sociais e ONGs.

Infraestrutura: acesso a transporte público, espaços de lazer, saúde, educação e suporte social de qualidade. Laços culturais: diz respeito à valorização e vivência de costumes, crenças e normas locais, orgulho étnico, práticas e rituais tradicionais.

A tradição de estudos em resiliência comunitária no contexto brasileiro é incipiente. No entanto, vale mencionar a iniciativa de produções importantes que podem se configurar como uma inspiração para quem deseja conhecer e/ou aprofundar os estudos nesse campo. Menciono aqui o capítulo escrito por Zappe, Yunes, e Dell´Aglio (2015) sobre o incêndio da boate Kiss; o capítulo de Morais, Figueiredo, Rodrigues e Santos (2015) sobre o contexto da seca no Nordeste brasileiro; e o artigo de Oliveira e Morais (2019) sobre uma comunidade de Fortaleza, no Ceará, que teve origem em uma ocupação urbana e se caracteriza por baixos indicadores sociais.

Em todas as produções mencionadas, as autoras sublinham o grande potencial de contribuição teórica e prática desse conceito para a superação de adversidades comuns ao contexto comunitário brasileiro, como a seca, violência urbana, desigualdade social, etc., que são tradicionalmente menos enfatizados nos estudos internacionais. Estes, habitualmente, estão mais focados em outros desastres, como enchentes, tornados, furacões, tempestades, etc.

Fica o convite e o desafio para que possamos nos aproximar cada vez mais do conceito de Resiliência Comunitária e para que possamos basear nossas intervenções em seus pressupostos.

 

Referências

Alamo, S. V. (2007). Psicologia em emergências y desastres: uma nueva especialidad. Disponível em: http://www. monografias.com/trabajos10/emde/emde.shtml

Morais, N., Figueiredo, D., Rodrigues, T., & Santos, R. (2015). “Mandacaru quando fulora na seca”: Um estudo sobre processos de resiliência vividos por moradores do sertão cearense. In R. Coimbra & N. Morais (Eds.), A resiliência em questão: Perspectivas teóricas, pesquisa e intervenção (pp. 195-214). Porto Alegre, RS: Artmed.

Ojeda, E. (2005). Uma concepção latino-americana: A resiliência comunitária. In A. Melillo & E. Ojeda (Eds.), Resiliência: Descobrindo as próprias fortalezas (pp. 47-57). Porto Alegre, RS: Artmed.

Oliveira, A. T. C. & Morais, N. A. (2019). Community resilience: a case study of a community of Fortaleza, CE. Temas em Psicologia, 27(3), 779-793. http://dx.doi.org/10.9788/TP2019.

Oliveira, A. T. C., & Morais, N. A. (2018). Resiliência comunitária: um estudo de revisão integrativa da literatura. Temas em Psicologia, 26(4), 1731-1745. https://dx.doi. org/10.9788/TP2018.4-02Pt

Zappe, J. G.; Yunes, M. A. M. ; & Dell’Aglio, D. D. (2015). Psicologia dos desastres e resiliência comunitária: reflexões sobre o incêndio da boate Kiss em Santa Maria. In R. Coimbra & N. Morais (Eds.), A resiliência em questão: Perspectivas teóricas, pesquisa e intervenção (pp. 215-229). Porto Alegre, RS: Artmed.

 

Normanda Araújo de Morais | CRP 11/07022
Psicóloga formada pela UFRN. Mestre e Doutora em Psicologia pela UFRGS.
Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UNIFOR. Coordenadora do Laboratório de Estudos dos Sistemas Complexos: casais, famílias e comunidades (LESPLEXOS).
Email: normandaaraujo@gmail.com