PSICOLOGIA E PESQUISA

Síndrome de Burnout e o desempenho de estudantes com surdez em aulas remotas em tempos de pandemia

Carlos Pereira de Carvalho Júnior | CRp 07/24798
Psicólogo, mestrando no PPG em Educação em Ciências da UFRGS.

Meu objetivo no artigo “Síndrome de Burnout e o desempenho de estudantes com surdez em aulas remotas em tempos de pandemia” é propor reflexões e discutir sobre o mundo e as emoções no aprendizado de alunos com surdez, em aulas remotas sem acessibilidade visual para a leitura labial. O contexto configura um quadro de sentimentos e reações que se denomina Síndrome de Burnout. O sentimento de solidão diante da falta de comunicação em tempos de pandemia produz nas pessoas com surdez sensações de incapacidade, insegurança e distanciamento dos demais, o que dificulta significativamente o seu aprendizado.

Caracterizada como um distúrbio psíquico causado por altos níveis de estresse e pelo estado emocional desequilibrado, desenvolvidos a partir de condições de estafa e esgotamento emocional, a Síndrome de Burnout pode atingir qualquer profissional, docente e estudante em qualquer idade e também todas as classes sociais. A síndrome resulta de um período de trabalho excessivo, um estado de exaustão em que a pessoa que a desenvolve passa a apresentar sintomas físicos e emocionais.

As pessoas surdas, ao longo da história, enfrentaram e enfrentam inúmeras situações e barreiras para conseguir se inserir e permanecer na educação escolar, e com isso buscam o reconhecimento e a inclusão. Em geral, a sociedade fica receosa e apreensiva por não saber como se relacionar com as pessoas surdas, que em algumas situações são tratadas de forma assistencialista, como “coitadinhas”, ou como se tivessem uma “doença contagiosa”, de forma preconceituosa. Todos estereótipos construídos pela falta de conhecimento.

Muitas/os defensoras/es da Língua Brasileira de Sinais (Libras) afirmam que ela é considerada “natural”, adquirida em qualquer idade, e que a partir dela a pessoa com surdez constituirá uma identidade surda, já que ela não é ouvinte. A maioria dos estudos tem como base a ideia de que a identidade surda se define pelo uso da língua. Ou seja, o uso ou não de Libras seria o que definiria basicamente a identidade, que só seria desenvolvida em contato com outra pessoa com surdez.

Não existe, entretanto, um fator único de identidade. Esta é construída pelo exercício de diferentes papéis sociais (ser surdo, rico, heterossexual, branco, professor, pai, por exemplo) e também pela língua comum que constrói nossa subjetividade.

De acordo com as minhas experiências como deficiente auditivo, em relação ao contato com o público surdo, percebo que a ausência de comunicação entre surdos e ouvintes causa barreiras entre eles, e isso afeta muito o sujeito surdo. E é bastante perceptível que as falhas de comunicação começam em casa, continuam na escola e, depois, permanecem na vida cotidiana do sujeito surdo, acompanhando-o nas esferas sociais.

A comunicação não chega aos surdos como chega para os ouvintes. Importa dizer aqui que na maioria das vezes é a mãe e os irmãos que repassam as informações das aulas para o surdo, porque ele não consegue compreender o que está sendo falado. Existe um distanciamento também nessa parte, daí os sentimentos de solidão, incapacidade e exaustão, surgindo a Síndrome de Burnout, com sentimentos de irritabilidade, pouca vontade de estudar – desistência em muitos casos –, além do constrangimento diante dos familiares e dos demais por não conseguir participar ativamente das aulas online.

É importante reconhecer que existem diversos graus de surdez, o que impacta na forma de comunicação. Sendo assim, algumas pessoas têm dificuldade apenas para entender conversas em locais muito barulhentos, enquanto outras praticamente não captam som algum. Há, ainda, indivíduos que usam aparelhos auditivos e conseguem escutar com plenitude, outros que fazem leitura labial. Também existem aqueles que utilizam a Libras.

A Libras é especialmente importante dentro da comunidade surda e seu uso deve ser difundido para que tenhamos uma comunicação acessível. Nem toda pessoa com perda auditiva, contudo, utiliza essa linguagem, fazendo uso tradicional do Português. Nesse caso, a legenda é um recurso essencial para ajudar na comunicação entre pessoas surdas e ouvintes.

O mais importante é que cada uma dessas pessoas é um indivíduo com plena capacidade cognitiva e que busca interação social. Por isso, a comunicação entre pessoas surdas e ouvintes é algo necessário. É por meio dela que se combate o preconceito e diminui-se o isolamento que atinge muitos indivíduos com perda auditiva.

A pandemia de Covid-19 provocou uma crise sem precedentes, sem previsibilidade, sem fronteiras, com reflexos humanitários, sociais, econômicos e culturais significativos. Diante de um cenário tão desafiador e das medidas de restrição de circulação para conter o avanço do novo coronavírus, o trabalho remoto ganhou uma nova dimensão.

Estudos mostram que os sentimentos de solidão e o comprometimento emocional dos estudantes se modificam conforme sua graduação, mas há um dado significativo com relação à Síndrome de Burnout: ela afeta tanto estudantes com notas acima como aquelas/aqueles com notas abaixo da média. Isso indica que a implantação de atividades remotas no fechamento das escolas e universidades não impediu o desencadeamento dessa síndrome, afetando o rendimento acadêmico e, ainda, suas relações.

As pessoas com surdez se sentem isoladas em várias esferas sociais, incluindo as aulas remotas, os encontros virtuais e a falta de materiais visuais. O maior impasse entre todas as situações é a falta de comunicação, que engloba todo e qualquer distanciamento. Espera-se

que surjam mudanças que possam ampliar a oferta de serviços para inclusão e apoio a essas pessoas. Não basta ter intérprete, precisamos de qualificação para todos em qualquer contexto social.

Vale lembrar que, para uma educação ser de fato para todas as pessoas, ela tem que ter um ambiente virtual adequado, com plataformas permanentes de acessibilidade, e não somente em lives. Em toda e qualquer situação que envolva a comunicação, deve haver a troca e o respeito com aquelas pessoas que apresentam alguma necessidade de acessibilidade diferenciada para participar, aprender e contribuir na construção do aprendizado.

Artigo originalmente publicado no Jornal da Universidade - Secretaria de Comunicação Social/UFRGS em 22/10/2020.