PSICOLOGIA E PESQUISA

Cuidado ao Bem-Viver de Populações Indígenas em Desastres

A Natureza é viva. As intervenções nela realizadas pelos humanos, sem a devida harmonia, contribuem para a ocorrência de desastres que afetam diferentes dimensões do cotidiano e da saúde individual e coletiva (Mosurska et al., 2023). No que tange às repercussões às populações indígenas, deve-se reconhecer que, afora os efeitos imediatos dos desastres, tais populações vivem em um contexto prévio de constantes vulnerabilidades e ameaças aos aspectos que sustentam seu Bem-Viver (Noal et al., 2024).
 
Dentre os desastres recentes que afetaram povos originários no Brasil, destacam-se as inundações intensas nas regiões Sul, Extremo Sul e Sudoeste da Bahia, de dezembro de 2021 a janeiro de 2022 (Fundação Oswaldo Cruz, 2022). Foram atingidas 88 aldeias, com aproximadamente 19 mil pessoas. Houve prejuízos a edificações, plantações e estradas, com impactos psicossociais, econômicos e territoriais de grandes proporções. Com o intuito de mitigar parte desses impactos, formou-se uma força-tarefa entre governos federal, estadual e municipais, além de órgãos de ajuda humanitária, para atenção às demandas de saúde emergentes.
 
Noal et al. (2024) abordaram o processo de construção de linhas de cuidado ao Bem-Viver dos povos originários afetados pelas enchentes na Bahia, por meio do trabalho colaborativo entre etnias indígenas e equipes locais de saúde, com a assessoria de especialistas em desastres e emergências em saúde pública. Os autores analisaram registros de reuniões, um curso para profissionais de saúde indígenas e três documentos de referência produzidos pela equipe interdisciplinar que se formou, na perspectiva da integralidade na assistência à saúde. Foram apresentadas recomendações a profissionais e gestores da Rede de Atenção Psicossocial, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), buscando contribuir na formulação de políticas públicas consoantes às particularidades sócio-histórico-culturais de cada etnia. 
 
Vale pontuar que o estudo de Noal et al. (2024) foi publicado no mesmo período em que o Rio Grande do Sul enfrentava o pior desastre já registrado na história do estado, em decorrência de fortes chuvas entre abril e maio de 2024. Aproximadamente 96% dos municípios foram atingidos, com 2,4 milhões de pessoas afetadas, incluindo 34 desaparecidas e 179 que foram a óbito (Defesa Civil do Rio Grande do Sul, 2024). Com relação aos povos indígenas, quase 17 mil pessoas foram impactadas, em 84 comunidades (Ministério dos Povos Indígenas, 2024). A Força Nacional do SUS organizou missões com voluntários para apoiar a fase de resposta ao desastre no Rio Grande do Sul, sendo que três das autoras do presente artigo integraram a equipe de Saúde Mental e Atenção Psicossocial.  
 
Diante do aumento de eventos extremos em todo o mundo e considerando que as populações indígenas tendem a estar mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas e ao risco de desastres socioambientais, devido ao legado de exclusão e desigualdade, Noal et al. (2024) salientaram aspectos a serem considerados na construção linhas de cuidado ao Bem-Viver dos povos originários. São exemplos: escuta e comunicação sensível, intercultural e contextualizada; noção de Corpo-Território; identidade coletiva e, por conseguinte, elaboração coletiva dos eventos extremos e suas repercussões; centralidade da espiritualidade; respeito à organização social, à ciência e à medicina própria das populações indígenas. O estudo em questão reforça a importância das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação a eventos extremos, com proteção das especificidades e garantia do protagonismo dos povos originários.
 

Acesse artigo na íntegra publicado na revista “Estudos de Psicologia”, publicação do programa de Pós-Graduação em Psicologia do Centro de Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica de Campinas: https://x.gd/tsLue.

 
Luiz Felipe Barboza Lacerda | CRP 07/15.280
Beatriz Schmidt | CRP 07/20972
Camila Pinheiro Medeiros
Debora da Silva Noal
Franciane Pereira Fardin
Kwarahy Tenetehar
Lara Gonçalves Coelho
Míriam Dantas de Almeida (Tembé)
 
 
Referências:
Defesa Civil do Rio Grande do Sul (2024). Defesa Civil atualiza balanço das enchentes no RS – 27/6, 17h: https://estado.rs.gov.br/defesa-civil-atualiza-balanco-das-enchentes-no-rs-27-6-17h
Fundação Oswaldo Cruz. (2022). Recomendações em Saúde Mental e Atenção Psicossocial/Bem-Viver para Povos Indígenas Afetados pelas Inundações na Bahia. Ministério dos Povos Indígenas (2024). Relatório da SESAI indica que mais de 16 mil indígenas foram impactados pelas enchentes no Rio Grande do Sul: https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2024/05/relatorio-da-sesai-indica-que-mais-de-16-mil-indigenas-foram-impactados-pelas-enchentes-no-rio-grande-do-sul
Mosurska, A., Clark-Ginsberg, A., Sallu, S., & Ford, J. (2023). Disasters and indigenous peoples: A critical discourse analysis of the expert news media. Environment and Planning E: Nature and Space, 6(1), 178-201: https://doi.org/10.1177/25148486221096371
Noal, D. S., Lacerda, L. F. B., Medeiros, C. P., Santos, R. A., Cardoso, Y. C., Coelho, L. G., & Schmidt, B. (2024). Psicologias indígenas em desastres: Construção de linhas de cuidado ao Bem-Viver de povos originários. Estudos de Psicologia (Campinas), 41, e230096: https://doi.org/10.1590/1982-0275202441e230096pt