DICAS CULTURAIS

Crise climática e o atravessamento em nossos corpos territórios

 
Nossos kofás (velhos sábios) têm uma visão direta e intensa do que está acontecendo com a humanidade: eles sabem por que há tanta violência, brutalidade, indiferença um com o outro e falta de fraternidade. As pessoas mais velhas afirmam que o ser humano se afastou do próprio coração!
 
A civilização seguiu um caminho errado, do ego, da competição, da hierarquia e não da compaixão, forçando as pessoas a se afastar, cada vez mais, da natureza e do próprio coração. As pessoas perderam sua identidade fundamental como resultado dessa distância. Muitas vezes, quando olhamos para uma floresta, o que podemos ver são os galhos entrelaçados, as folhas e os troncos superficiais. No entanto, devemos prestar atenção a um mundo complexo e interconectado que se esconde por trás dessa aparente simplicidade.
 
O colapso climático está aí e estamos lutando por nossas vidas. A pandemia mostrou o desequilíbrio total em nossas vidas. As demarcações de terras são a saída para barrar a crise climática; as populações tradicionais são essenciais para deter a mudança climática.
 
As nossas lideranças indígenas desempenham um papel extremamente importante para a preservação da nossa mãe terra, assim como todas as mulheres, crianças e velhos. Neste sentido, o livro “A Queda do Céu”, de Davi Kopenawa Yanomami e Bruce Albert, é um exemplo das várias inquietações sobre a crise climática que estamos vivendo.
 
Nós, povos indígenas, somos defensores do meio ambiente, pois nossa ligação com a terra é de respeito e harmonia. É necessário entender que o território, a terra é a extensão dos corpos indígenas, sendo um templo sagrado de vida. Essa relação entre a terra e nós, povos indígenas, diz sobre nossa vivência e sobrevivência. 
 
Existe um alerta global, um chamado para a humanidade sobre a preservação do meio ambiente. Esse aviso é feito há décadas por nós, é real e a possibilidade de o futuro não existir está diante de nós. Davi Kopenawa Yanomami, escritor, ator, xamã e importante líder político, fala do poder da linguagem, mas que o sentido dela para os povos indígenas é diferente para os brancos. Para os povos indígenas, o processo de escuta já se inicia desde cedo e esse cuidado com a nossa mãe terra é nato, corre em nossas veias, mas é importante que todas as pessoas possam estar juntas nesse cuidado com a nossa mãe terra. 
 
Nos últimos meses as crises climáticas se mostraram cada vez mais evidentes e desastrosas. Nós, povos indígenas, temos um grande compromisso com a natureza e com tudo o que existe nela, a fim de proteger nossa cultura e nossos modos de vida. Uma interpretação da cultura indígena e das diferentes situações apresentadas por Davi se associa ao nosso papel, de proteção da floresta e da natureza. Sabemos que o modelo atual de sociedade está levando à destruição social e ambiental da natureza, e os não-indígenas devem se unir a nós em defesa do meio ambiente para que o futuro possa existir.
 
A Psicologia no contexto indígena possui um papel extremamente importante neste momento. Traz a discussão sobre o bem-viver, corpo, mente e espiritualidade, sobre a importância do cuidado com o território. Um território protegido é um território-corpo sadio. Precisamos nos unir e poder ouvir as batidas do coração da nossa mãe terra. Por isso que quando nossas lanças batem no chão é para que juntos possamos caminhar na mesma sintonia. 
 
Núcleo Bem-Viver: Psicologias Indígenas e Corpos Territórios do CRPRS

 

 

Para quem quer cantar e dançar para o céu

Ailton Krenak é um grande pensador indígena, ambientalista, escritor e jornalista, que publicou vários escritos, dentre eles: Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020), O amanhã não está à venda (2020), Futuro Ancestral (2022). É autor da Carta “De Ailton Krenak para quem quer cantar e dançar para o céu” e que compõe o Projeto “As cartas dos povos indígenas ao Brasil”, que reúne cartas escritas por indígenas e dirigidas a figuras representativas no cenário político brasileiro, em diferentes períodos da história do país, assim como, mostra como é ser indígena no Brasil.
 
Insurgente em seu pensamento, contrapõe a banalização da vida e a dominância da colonização subjetiva, ecológica, social, política e histórica, não evidenciando somente os equívocos da história colonizadora, mas apresentando o modo de viver, de habitar o planeta e compor relações-relações entre humanos, espécies, diferentes territórios etc, vivenciado pelas comunidades indígenas e que podem nos ajudar a mudar o curso de nossa caminhada predatória, nos usos do planeta terra.
 
Seu pensamento nos mobiliza a pensar na produção de modos de vida coletivizantes, que viabilizam respeitar e proteger as vidas que compõem as formações coletivas; na produção de outras ecologias das subjetividades, dos afetos, das relações, das alianças sociais; e também, nesse modelo de usos do planeta que destroem as florestas, os rios, as águas, os animais, os peixes, as aves e todos os outros seres vivos, o equilíbrio da natureza, a soberania das gentes e que promove os mais diversos tipos de genocídios.
 
Uma escrita poética, feita das letras do que se vive. Fluída, tem a sonoridade da palavra falada e experimentada. É uma composição de afetos que se juntam feito convite ao Bem Viver, conduzindo-nos a transformar o pensamento, o modo de sentir e de viver.
 
Em sua Carta “Para quem quer cantar e dançar para o céu” tecida no prenúncio da primavera de 2020, nos traz a boniteza do modo de vida indígena (Bem Viver) e faz esse convite a quem acredita que cantando e dançando se pode suspender o céu, que o mundo em que vivemos é uma invenção que se dá de dentro de tudo, o tempo todo e versejando que “quando o céu criar a pressão sobre a terra, digo a você que dance, que suspenda o céu! Os filhos da terra precisam cantar e dançar para que o céu possa dar uma atmosfera vital, necessária para o retorno das flores, dos pássaros, das borboletas, das matas, enfim, para a celebração da vida, para o Bem Viver”. Enfim, mostra-nos que a natureza sempre inventa formas de se recompor e que não produz seus eventos para ensinar a nós humanos, mas sim, para devastar os incidentes que produzimos. Precisamos entender isso e “acreditar na criação de uma inteligência sutil, movente, para permitir que a vida, em sua diferença, coexista”. Eis o convite.
 
Maria Luiza Diello | CRP 07/08488
Psicóloga e conselheira tesoureira do CRPRS.