RELATO DE EXPERIÊNCIA
Pequenas revoluções em direção ao comum
consulta compartilhada
Meu percurso profissional sempre foi movido pela inquietação acerca da função social do psicólogo na transformação da realidade em que se insere. Atualmente, trago-a para meu fazer num Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).
Atuar na Atenção Básica do SUS como apoiadora de equipes requer olhar atento para não seduzir-me pela escuta psicológica individual como carro-chefe resolutivo para os sofrimentos que se apresentam nos territórios. Realizá-la, nesse âmbito, pode trazer conforto a todos – o usuário e o profissional de referência demandam isso, e nós, forjados em uma clínica individual, sabemos fazê-lo bem, e sabemos que é eficaz. A questão é: será que essa deve ser a nossa principal oferta nesse contexto? Ainda, como apoio matricial, o quão danoso é não tensionar o compartilhamento do cuidado nas equipes, no sentido de incidir qualificadamente na relação entre adoecimento e as determinações sociais em saúde – justamente o pano de fundo da criação do SUS?
Os desmontes que vêm se dando nas políticas públicas e legislações trabalhistas vinculam a lógica produtivista à resolutividade, fragilizam o processo reflexivo e dificultam o estabelecimento de ações conjuntas de base territorial. Como consequência, temos constatado uma escuta superficial e a priorização do atendimento individual, focado no sintoma clínico. Partindo de tal análise, decidimos reposicionar a Consulta Compartilhada entre NASF e profissionais de referência como carro-chefe; arrisco-me a dizer que é uma pequena revolução.
Pela via da construção de comuns, provocando a contramão dentro desse espaço possível (às vezes, o único), que é a consulta individual, temos vivido experiências ricas ao longo do percurso. Damo-nos conta, cada vez mais, que a ação solitária pouco produz num contexto complexo. Não é uma constatação nova, mas fundamental de se fazer no atual momento.Trazer para a consulta os determinantes econômicos, sociais, culturais etc dos sujeitos e de suas comunidades, estabelecendo ligações entre passado-presente-futuro, tendo como mote principal o compartilhamento (entre todos, principalmente o usuário), só é possível pela composição de olhares. Isolados, nos vemos debilitados: trabalhadores cada vez mais soterrados pela perda da possibilidade de condução autônoma, crítica e inventiva do trabalho; e usuários, por sua vez, com sintomas diversos relacionados à fragilização de laços sociais, perda de direitos, precarização de políticas públicas e condições materiais de existência, em uma lógica que insiste em patologizar e psicologizar, atribuindo soluções simplistas e individuais para questões sociais complexas. Apostar nos espaços comuns, em que seja possível forjarmos saídas conjuntas, ressignificando causas e caminhos, pode ser uma via para uma luta mais justa no cenário árduo que se apresenta.
LARA MONTEIRO SCHUCK
(CRP 07/22665)
Psicóloga
s.mlara@hotmail.com
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