PSICOLOGIA E PESQUISA
Este artigo tem como objetivo analisar e problematizar os sentidos atribuídos
por profissionais e usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) de Porto Alegre/RS às
práticas de acolhimento. Inscrito em um regime de alteridade, o acolhimento se transforma
em um encontro dialógico, sempre polifásico e marcado por tensões.
Este artigo tem como objetivo analisar e problematizar os sentidos atribuídos
por profissionais e usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) de Porto Alegre/RS às
práticas de acolhimento. Inscrito em um regime de alteridade, o acolhimento se transforma
em um encontro dialógico, sempre polifásico e marcado por tensões.
por profissionais e usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) de Porto Alegre/RS às
práticas de acolhimento. Inscrito em um regime de alteridade, o acolhimento se transforma
em um encontro dialógico, sempre polifásico e marcado por tensões.
"Eu Queria Mudar"
a psicanálise face à adolescência pobre e sem lugar
O texto traz o relato da escuta do jovem Acerola, 12 anos, que vivia numa instituição de medida socioeducativa de internação. Ameaçado pelo conflito do tráfico, não tinha a possibilidade de atividade externa. O atendimento ocorria, portanto, na sala de revistas. Nas sessões, cantava a música “Eu queria mudar”, do Grupo Pacificadores. Essa música narra o que julgamos importante tomar como hestória: neologismo que evidencia um ponto de encontro entre a trama ficcional e a realidade dos fatos.
O artigo parte de uma breve problematização das políticas públicas direcionadas aos adolescentes, pluralizando a noção de infância em duas grandes construções narrativas sobre o tema: “crianças e adolescentes” (filhos de família) e os menores (filhos do governo). Em condições desiguais e sem o amparo de políticas que garantam a igualdade, as crianças livres brincam nas ruas, pedem esmola e cometem pequenos furtos. Produz-se, aqui, uma cisão entre os “filhos de família”, os bem-nascidos, e esses “órfãos de pais vivos”, “menores abandonados”, “futuros criminosos”. Trata-se de uma “identificação afetiva” que legitima, inconscientemente, o privilégio do nascimento de quem nasce em contextos de classe média e alta em relação a quem nasce nas classes desfavorecidas, por exemplo, na “ralé”.
O artigo parte de uma breve problematização das políticas públicas direcionadas aos adolescentes, pluralizando a noção de infância em duas grandes construções narrativas sobre o tema: “crianças e adolescentes” (filhos de família) e os menores (filhos do governo). Em condições desiguais e sem o amparo de políticas que garantam a igualdade, as crianças livres brincam nas ruas, pedem esmola e cometem pequenos furtos. Produz-se, aqui, uma cisão entre os “filhos de família”, os bem-nascidos, e esses “órfãos de pais vivos”, “menores abandonados”, “futuros criminosos”. Trata-se de uma “identificação afetiva” que legitima, inconscientemente, o privilégio do nascimento de quem nasce em contextos de classe média e alta em relação a quem nasce nas classes desfavorecidas, por exemplo, na “ralé”.
É nesse campo de tensões e contradições que se faz necessária uma passagem na vivência das políticas, leis e estatutos, da ênfase no “conflito com a lei” à ênfase na adolescência. Para isso, a particularidade de cada adolescente, sua narrativa, seus sonhos e suas esperanças deverão ser consideradas. Na trilha do que faz de cada adolescente um adolescente “em conflito com a lei”, recorremos à psicanálise.
Assim, desdobramos, ao modo de estudo clínico, questões e proposições sobre a adolescência e seus contextos, bem como as possibilidades de intervenção no cenário da socioeducação. Discutindo o caso, apontamos como direção de trabalho, nessa situação de adolescência sem lugar, a construção de ancoragens possíveis para a sustentação do sujeito e seu desejo em sua relação com o Outro.
A experiência clínica com jovens inseridos no caminho dos atos infracionais, dos quais Acerola é um dos representantes, tem nos ensinado que esses jovens precisam realizar sua passagem adolescente contando muitas vezes com um Outro que não oferece dúvidas. Não havendo dúvidas, não há espaço para que eles possam ali inscrever seu desejo.
Acompanhamos Acerola na sua busca de ancoragens entre as possibilidades extremas: é possível mudar ou o sofrimento será eterno? Com o tempo, emergem outros significantes nos atendimentos que parecem ampliar as suas rotas de navegação. Questiona-se se poderia fazer justiça por outra via. Dessa vez, ao invés de réu, ficaria do outro lado do tribunal, como advogado. Assim, ajudaria amigos, família e, principalmente, sua mãe, que ainda responde processo judicial. Entretanto, considerando-se burro e incapaz, muito embora fosse evidente sua inteligência, acredita não ter condições para tornar seu devaneio realidade. “Onde já se viu preto, pobre e favelado se tornar advogado?”. É neste ponto de inflexão que a escuta psicanalítica precisa incidir, não somente com o adolescente, mas com todos os sujeitos que compõem a rede constitutiva do Outro. Ser acompanhante da sua travessia, questionando e pontuando suas repetições, é necessário, mas não suficiente. Romper com a imagem alienante que o Outro, historicamente, lhe devolve e produzir rupturas nos significantes do superego é também trabalho do analista.
É uma aposta para que Acerola retorne de sua odisseia como sujeito de desejo, e para produzir desvios nas aprendizagens invisíveis das adolescências produzidas no contexto da “ralé”. Desvios esses que as conduzam para a criação de condições de possibilidade do exercício de cidadania.
SANDRA TOROSSIAN
MARIA D. DE ARAUJO RIBEIRO
THIAGO PEREIRA DA SILVA
MARCOS RAFAEL DE O. BARBOSA
Artigo original publicado na revista Saúde debate, volume 41, número 113, abril – junho de 2017.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i3.5575