PSICOLOGIA E PESQUISA


Este artigo apresenta uma síntese da tese de doutorado intitulada “Coparenting Across the
Transition to Parenthood: Qualitative Evidence from South-Brazilian Families”, de autoria de
Beatriz Schmidt, vencedora do Prêmio CAPES de Tese na Área de Psicologia e do
Grande Prêmio CAPES de Tese na Área de Humanidades, conquistado pela primeira vez pela Psicologia
(edição 2019 de ambas as premiações). A autora é egressa do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sua tese foi orientada pelo
Prof. Dr. Cesar Augusto Piccinini (UFRGS), com coorientação da Prof.ª Dr.ª Giana Frizzo (UFRGS)
e da Prof.ª Dr.ª Sarah Schoppe-Sullivan (Ohio State University).

 

A coparentalidade na
transição para parentalidade
estudo qualitativo e longitudinal

com famílias no Sul do Brasil

 
Tradicionalmente, os estudos sobre a transição para a parentalidade têm privilegiado o processo de se tornar mãe e a relação da díade mãe-criança, com menor destaque ao pai. Ainda são raros os estudos sobre a relação da tríade mãe-pai-criança, embora em muitas famílias ambos os genitores compartilhem as responsabilidades de cuidado na infância. A coparentalidade emerge na transição para a parentalidade e se refere à forma como os indivíduos (com frequência a mãe e o pai, mas nem sempre) coordenam e se apoiam em seus papéis parentais. Achados da literatura internacional sugerem que a coparentalidade de boa qualidade (isto é, em que os cuidadores dividem tarefas, são cooperativos e se comunicam para estabelecer acordos sobre tópicos relativos à criança) está associada a benefícios ao desenvolvimento socioemocional e cognitivo na infância. A maioria dos estudos sobre a coparentalidade investiga famílias norte-americanas ou europeias, o que limita suas contribuições para a prática profissional e a elaboração de políticas públicas voltadas a outros países, como o Brasil.
 
A tese de doutorado em questão investigou a coparentalidade na transição para a parentalidade em famílias do Sul do Brasil, por meio de estudo de caso múltiplo, qualitativo e longitudinal. Entrevistas foram conduzidas individualmente com 12 mães e pais (seis famílias nucleares), aos 6, 12 e 18 meses após o nascimento do primeiro filho (36 entrevistas). Em duas famílias, apenas o pai tinha emprego, e a mãe cuidava da criança; em duas famílias, ambos os pais tinham emprego, e eles contrataram uma babá para cuidar da criança; e, em duas famílias, ambos os pais tinham emprego, e a criança passou a frequentar a creche ao final da licença-maternidade. Três componentes do modelo de coparentalidade de Feinberg (2003)  foram explorados: divisão de trabalho parental (como os pais dividem tarefas domésticas e de cuidado à criança, bem como sua satisfação com essa divisão); acordo/desacordo (ex., em relação às necessidades emocionais da criança e à disciplina); e apoio/depreciação (apreciação e cooperação, ou crítica e competição entre a mãe e o pai). 
 
A análise temática dedutiva revelou semelhanças e singularidades entre as famílias. Com relação à divisão de trabalho parental, identificou-se fraco compartilhamento de tarefas domésticas ao longo do tempo, bem como forte compartilhamento de cuidados à criança durante os primeiros dias após o parto, seguido por uma tendência de redução nas contribuições do pai durante os primeiros meses após o parto. Essa divisão de trabalho mais desigual permaneceu estável ao longo do tempo apenas para as famílias que optaram pelo cuidado materno, sofrendo modificações ao final da licença-maternidade para as famílias que optaram pela babá ou pela creche. O acordo parental permaneceu relativamente estável durante o primeiro ano, ao passo que os desacordos referentes à disciplina exigiram mais negociação após esse período. Apoio e depreciação coexistiram nas mesmas famílias, embora mães e pais expressassem depreciação de forma diferente. Aspectos do contexto ecológico, tais como famílias de origem, apoio social e mercado de trabalho, bem como expectativas sobre papéis de gênero prevalentes no Brasil pareceram influenciar a coparentalidade na transição para a parentalidade. Na tese foram apresentadas implicações para a prática profissional (ex., intervenções psicológicas) e para as políticas públicas (ex., arranjos de cuidado na infância e licença parental).
 
BEATRIZ SCHMIDT 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, FURG
 
CESAR AUGUSTO PICCININI  
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, UFRGS
 
GIANA FRIZZO 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, UFRGS
 
SARAH SCHOPPE-SULLIVAN
Department of Psychology, OSU


 

Tese disponibilizada no Repositório Digital da UFRGS. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/165921
Artigo derivado da tese, publicado na revista Sex Roles, volume 81, números 5-6, setembro de 2019.