ORIENTAÇÃO

O exercício profissional da Psicologia no contexto das

Comunidades Terapêuticas

 

Uma das previsões legais do Conselho Regional de Psicologia (CRP) é fiscalizar e orientar o exercício profissional, onde quer que ele ocorra. O CRP pode, até mesmo, não recomendar que esse exercício aconteça quando há situações que possam violar direitos humanos ou quando há interferência ou imposição aos procedimentos técnicos e teóricos, levando em conta a autonomia da/o profissional.
No que se refere ao tratamento para pessoas com problemas decorrentes do uso de alcool e outras drogas, assistimos, nos últimos anos, o desinvestimento de equipamentos como os Centros de Atenção Psicossocial para Usuários de Alcool e Outras Drogas (CAPSad) e a proliferação das chamadas Comunidades Terapêuticas (CTs) em diversas regiões do estado e do país. Os serviços ofertados pelas CTs não obedecem a um padrão, incluindo tratamentos baseados em posições religiosas, do senso comum e até pretensos modelos de internação clínica. Ao mesmo tempo, constatamos a contratação de profissionais psicólogas/os, para atuarem junto às CTs, como responsáveis técnicos pela mesma e/ou pelos serviços de Psicologia.
 
As CTs que ofertam serviços de Psicologia, devem fazê-lo em conformidade com a Resolução CFP nº 16/2019, que determina que toda Pessoa Jurídica que presta serviços de Psicologia, em razão de sua atividade secundária, está obrigada a proceder ao cadastramento no Conselho Regional de Psicologia. No cadastramento, a mesma deverá destacar uma/um responsável técnica/o psicóloga/o. O CRPRS fiscaliza, quando desse pedido de cadastramento, o CRPRS procede à vistoria do local, como fiscalização de rotina.
 
A responsabilidade técnica pelos serviços psicológicos realizados é exigida pelo CRPRS, destacando uma/um profissional regularmente inscrita/o. Atualmente, muitas CTs têm solicitado que a/o psicóloga/o assuma, juntamente com sua responsabilidade técnica dos serviços psicólogos, a responsabilidade técnica pela  Comunidade perante a vigilância sanitária. Não recomendamos isso, pois extrapola em muito as atividades e limites da profissão, requerendo maior disponibilidade, carga horária ampliada e conhecimentos específicos, e pode inclusive configurar em “conflito de interesses”. Ao assumir a responsabilidade pelos serviços psicológicos, a/o psicóloga/o deverá garantir que estes sejam oferecidos conforme preconiza a profissão. Não podemos permitir interferências de outros ou a imposição de referenciais ideológicos, religiosos ou do senso comum, zelando pela autonomia dos procedimentos técnicos. 
 
O Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o no Art. 1º diz que são deveres fundamentais das/os psicólogas/os: c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional; e no Art. 2º explicita que à/ao psicóloga/o é vedado: a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão; b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais. Ainda, o Art. 3º determina que a/o psicóloga/o, para ingressar, associar-se ou permanecer em uma organização, considerará a missão, a filosofia, as políticas, as normas e as práticas nela vigentes e sua compatibilidade com os princípios e regras deste Código. “Parágrafo único: Existindo incompatibilidade, cabe ao psicólogo recusar-se a prestar serviços e, se pertinente, apresentar denúncia ao órgão competente”.
 
Os atendimentos deverão ser registrados, em conformidade com a Resolução CFP nº 01/2019, que dispõe sobre a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos. Da mesma forma, é exigida a guarda e a confidencialidade desse material, não podendo ser disponibilizado a outro que não de direto. Uma vez que nas CTS, além dos diferentes profissionais da saúde, o atendimento aos usuários é feito por colaboradores, funcionários e mesmo internos em remissão que não têm nenhuma formação específica, exige-se um cuidado expresso quanto ao acesso a informações protegidas por sigilo profissional. O não atendimento dessas questões fundamentais, como sigilo e privacidade no atendimento, resultará na impossibilidade de realização de atividades naquela CT. Assim determina o Código de Ética, em seu Art. 9º: é dever da/o psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações a que tenha acesso no exercício profissional.
 
Alertamos que a/o profissional, ao estar lotada/o nessas instituições, deverá certificar-se de que não existe privação de liberdade, como trancas e/ou grades, e restrições no acesso a meios de comunicação, correspondência ou telefone. Além disso, deve ser garantida a liberdade religiosa e de culto e deve haver o respeito à diversidade sexual. Além da impossibilidade inadmissível de castigos, punições, isolamento e indícios de tortura.
 
Destacamos, por fim, a necessidade de atenção à internação de adolescentes, que deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público da localidade de referência da CT. O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 3.088/2011, determina que comunidades terapêuticas só podem acolher adultos.
 
Caberá à/ao psicóloga/o verificar se poderá ou não prestar seus serviços para a CT. A prestação desses serviços somente será aceitável sob a garantia do amplo e livre exercício profissional com base no Código de Ética e na regulamentação da profissão, a qual deve estar declarada no contrato de trabalho entre as partes, e a partir dos considerandos acima – éticos, técnicos, conforme aos direitos humanos e à liberdade de tratamento.
 
ÁREA TÉCNICA DO CRPRS
Coordenação Técnica: Lucio Fernando Garcia
Psicólogas Fiscais: Adriana Dal Orsoletta Gastal, 
Flávia Cardozo de Mattos e Letícia Giannechini
orientec@crprs.org.br