PSICOLOGIA E PESQUISA

Sonhos em tempos
de pandemia

 
O projeto de pesquisa “Sonhos em tempos de Pandemia” iniciou como um trabalho conjunto de três universidades públicas brasileiras: UFRGS, UFMG e USP. No Rio Grande do Sul, a pesquisa é coordenada pelas professoras Rose Gurski e Cláudia Perrone (ambas do Instituto de Psicologia da UFRGS), na USP, pelos professores Christian Dunker e Miriam Debieux Rosa, e na UFMG pelo professor Gilson Iannini.De modo geral, os Núcleos e Laboratórios de Psicanálise, envolvidos no estudo, têm em comum a realização de trabalhos de extensão e de pesquisa implicados com a construção de modos de levar a escuta psicanalítica – tradicionalmente marcada pela experiência em clínica privada – para outros espaços da cidade, aproximando a Universidade das demandas da sociedade.
 
Nosso interesse pelos sonhos iniciou em 2019 frente ao clima de polarização crescente na sociedade e o empobrecimento do livre pensar; começamos, junto com colegas da USP, a construir a noção de oniropolítica, buscando, através do trabalho com o sonho e com o despertar, uma possibilidade de fazer furo no discurso totalitário, religioso e hermético da atualidade. Importa dizer que o trabalho que queremos construir com a oniropolítica não é relativo à dimensão terapêutica do sonho, nem tampouco à proposta de construir noções específicas de uma biografia ou mesmo da psicopatologia do sujeito. Trata-se de pensar na função coletiva do sonho e do sonhar.
 
 
Desde o início da articulação entre sonhos, psicanálise e política tivemos como inspiração o livro “Sonhos do Terceiro Reich”, da jornalista alemã Charlotte Beradt. No livro, ela narra a compilação de 300 sonhos de alemães depois da ascensão de Hitler, entre 1933 e 1939. Nas narrativas oníricas desses alemães, podemos identificar críticas ao momento social que suscitava angústia, medo e impotência. Com os relatos, também vemos que, além das questões pessoais, a opressão e as diversas transformações na vida social infiltravam-se no espaço mais íntimo dos sujeitos, o inconsciente (Iannini et al., 2020). Assim, buscamos essa inspiração na tentativa de adensar a ideia de que a psicanálise não se apresenta somente como uma clínica do sofrimento psíquico individual, mas também como uma forma crítica de pensar as questões coletivas do tempo presente. 
 
Com a chegada dos efeitos psíquicos da pandemia da Covid-19, nossas interrogações iniciais tiveram uma breve torção: “Será que narrar os sonhos construídos em meio aos medos e pânicos gerados pela pandemia, pode ajudar na economia psíquica dos sujeitos? Que estratégias psíquicas os sujeito acometidos pela angustia atual tem utilizado nos sonhos?”.
 
Ao abrirmos espaço para que os sujeitos narrem seus sonhos a um outro, seja falando ou escrevendo, estamos proporcionando um espaço para que a angústia inevitável do momento possa ser minimante elaborada e para que o non sense atual ganhe um sentido mínimo e compartilhado. Ou seja, através desta pesquisa-intervenção temos a possibilidade de alargar as bordas dos estudos sobre sonhos e, simultaneamente, tratarmos o momento histórico em que vivemos, provocando a imaginação coletiva em busca de outras interpretações para as vivências e experiências atuais. 
 
Optamos por escutar sonhadores das áreas da Saúde e da Educação por entendermos que são atividades em que as pessoas estão ainda mais fragilizadas do ponto de vista da saúde mental. Por um lado, temos profissionais da saúde trabalhando na linha de frente, expondo-se ao risco de vida e, por outro, educadores, de diferentes níveis de ensino, em função do isolamento social, vendo-se no desafio de criar novas maneiras de transmitir e ensinar à distância sem qualquer tipo de respaldo metodológico. 
 
Temos recebido muitos relatos. Na amostra do RS e SP já temos mais de 300 sonhadores e, apesar da pesquisa ainda estar em fase de coleta dos sonhos e associações, alguns materiais já estão começando a ser discutidos. Planejamos o lançamento do primeiro livro para outubro deste ano. 
 
E-mail para envio de sonhos: 
oniropolitica@gmail.com
 
ROSE GURSKI E CLAUDIA PERRONE
Professoras do Instituto de Psicologia da UFRGS