REPORTAGEM
O ano de 2018 foi marcado por importantes discussões acerca da formação
profissional da/o psicóloga/o. A revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais, a proposição
de cursos de graduação em Psicologia que funcionem 100% a distância e a nova classificação
dos cursos de Psicologia proposta pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira foram alguns temas polêmicos colocados em pauta.
Mudanças na formação
profissional em discussão
Durante o ano passado, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e a Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi) promoveram o Ano da Formação. Tratou-se de uma iniciativa motivada pela solicitação do Conselho Nacional de Saúde para atualização e revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de todos os cursos da área da Saúde, dentre eles o de Psicologia.
Para a Comissão de Formação do CRPRS, o processo de discussão das novas DCNs foi demasiadamente acelerado, sem o devido envolvimento da categoria e, principalmente, do âmbito acadêmico. “A revisão das diretrizes deve passar por processos de reflexão, diálogos, trocas entre diferentes atores e instituições, apropriação de estudos acerca da formação em Psicologia no Brasil e no mundo, dados que tenham avaliado a nossa formação dos últimos anos etc. Isto não ocorreu. Seria um processo que levaria, de fato, mais tempo, com um ‘ir e vir’ para que consensos pudessem ser feitos entre as comunidades acadêmicas e profissional, ambas diversas e plurais como é a ciência psicológica”, afirma a conselheira Mayte Raya Amazarray, presidente da Comissão de Formação.
As novas DCNs apresentam algumas questões mais explícitas, como a das políticas públicas e a inserção da/o psicólogo/a neste contexto. Também há uma definição mais clara de alguns pontos, como o conceito de ênfases curriculares. Por outro lado, as ênfases curriculares propriamente ditas, nas novas DCNs, são em grande número e carecem de uma conceituação ou de critérios que auxiliem os cursos de graduação a fazerem suas escolhas, no momento de elaboração dos Projetos Pedagógicos.
Apesar de não modificarem radicalmente as Diretrizes atualmente em vigor, há pontos que divergem quanto aos que vêm sendo adotados internacionalmente. “Uma das principais mudanças é a troca da nomenclatura de ‘habilidades e competências’ por ‘saberes e práticas’. Isso vai na contramão das DCNs dos demais cursos da Saúde, que permanecem utilizando o modelo de competências”, explica Mayte.
Para Thiago Gomes de Castro, professor da UFRGS, a maneira como essa nomenclatura é apresentada representa uma alteração importante em relação ao que se espera de um profissional formado em Psicologia. “Quando se amplia essa denominação para ‘saberes e práticas’ – buscando contemplar a diversidade epistemológica e teórica da Psicologia – se retiram aspectos importantes da formação do psicólogo, que está muito associada à prestação de serviços em diferentes áreas e que demandam habilidades e competências específicas”.
Nos últimos cinco anos, diversas organizações internacionais publicaram documentos relacionados às diretrizes para a formação da/o psicóloga/o em que a questão das competências é tratada como eixo central na reflexão sobre a formação da Psicologia.“Falar em habilidades e competências não é excluir a história diversa da Psicologia ou a pluralidade de campos de conhecimento e áreas de atuação. É falar de aspectos que realmente são importantes e que se esperam dos profissionais no final dos cinco anos de formação. A modificação proposta significa, portanto, uma argumentação contrária ao que vem sendo feito mundialmente, de enfatizar cada vez mais questões relacionadas a habilidades e competências. Ao criar habilidades e competências por área de atuação pode-se qualificar cada vez mais o trabalho do psicólogo nos diferentes campos”, explica Thiago.
A Colômbia, por exemplo, organizou núcleos específicos para o desenvolvimento de cartilhas de competências e habilidades esperadas para profissionais de áreas específicas. “Esse é um caminho que não temos como fugir. A formação básica em Psicologia não pode lutar contra isso e criar algo excessivamente generalista que não permita nem falar em competências e habilidades específicas”, conclui.
As novas diretrizes apresentam alguns avanços importantes que aproximam formação em Psicologia e exercício profissional, como a exigência de que orientadoras/es de estágio sejam docentes psicólogas/os com registro profissional ativo. Esse aspecto é importante, no sentido da responsabilização ética e técnica pela prática profissional conduzida pelas/os acadêmicas/os.
Outro ponto positivo refere-se a condições de trabalho para professoras/es orientadoras/es de estágio, pois limita um teto para orientação máxima de alunos a partir da relação aluno/professor e carga horária. Além disso, existe, na redação das novas DCNs, a previsão de um espaço físico próprio nas instituições de ensino superior para a implantação dos Serviços-Escola em Psicologia.
A minuta das DCNs foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em setembro de 2018. As novas diretrizes curriculares serão debatidas, agora, no Conselho Nacional de Educação (CNE) e no Ministério da Educação (MEC).
Na redação das novas DCNs, apontou-se restrição de que determinadas atividades de formação ocorram na modalidade de Ensino a Distância (EaD). Conforme o Art. 16º, § 3º, não devem ser ministrados na modalidade de ensino EaD conteúdos da formação profissional específica, atividade de orientação e supervisão de estágio, disciplinas que subsidiem as áreas de aplicação técnica, atividades em laboratório, orientação do TCC, de pesquisa e de práticas de extensão, visto a importância da mediação presencial para a consecução dos objetivos dessas atividades.
Em dezembro, o CRPRS manifestou-se contrário à criação de cursos de graduação em Psicologia que funcionem 100% a distância. Para o Conselho, a graduação em Saúde requer acompanhamento presencial, tendo em vista que se trata de uma formação técnica que visa ao desenvolvimento de habilidades e competências profissionais específicas. A/O profissional da Psicologia deve estar capacitada/o para trabalhar presencialmente com aspectos da subjetividade dos indivíduos e instituições com as quais atuará. Para tanto, a formação presencial oferece a possibilidade do diálogo e da mediação, o que, ao nosso ver, não se dá de igual forma no ensino 100% a distância.
Para além da apropriação de teorias e técnicas, a profissão demanda uma compreensão da complexidade humana, inclusive da/o própria/o profissional – o que somente se sustenta a partir das inter-relações vividas ao longo da formação. Ademais, a formação profissional representa mais do que absorção de conteúdos e aprendizagem de técnicas; implica na construção da identidade profissional, que se realiza no encontro, nas trocas, nos debates e nas construções teóricas nas experiências coletivas.
Nova classificação dos cursos de Psicologia
Uma proposta do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) insere a Psicologia na Área de Ciências Sociais, Jornalismo e Informação, subárea Ciências Sociais e Comportamentais. A nova classificação dos Cursos de Graduação e Sequenciais brasileiros proposta pelo Inep toma como referência a classificação internacional. Essa classificação, resultante de trabalho organizado pelo Inep, envolveu a Diretoria de Estatísticas Educacionais, a Diretoria de Avaliação da Educação Superior, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
Em nota a ABEP, o CFP e a Fenapsi manifestaram-se considerando inadequada a nova classificação. O CRPRS e coordenadores dos cursos de Psicologia tem apoiado majoritariamente o posicionamento das entidades.
Para as entidades, a proposta desconsidera a Resolução 218/97 do MS/CNS, que reconhece a Psicologia entre as áreas vinculadas à Saúde e a Portaria Interministerial 880/97 – MEC/MS, que cria a Comissão Interministerial para definir e propor parâmetros para autorização de cursos de graduação em Medicina, Odontologia e Psicologia e o posicionamento da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que reconhece a relação saúde/doença como decorrente das condições de vida e trabalho e a perspectiva da integralidade e interdisciplinaridade no campo da saúde, nela inserindo a Psicologia.
A sugestão é que a Psicologia seja enquadrada na área Saúde e Bem-estar, subárea Bem-estar.
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