O CRPRS participou da 10a edição do Mental Tchê realizado no camping municipal de São Lourenço do Sul de 23 a 25 de abril. O evento, organizado pela Prefeitura do município, reúne anualmente cerca de 3 mil usuários, familiares, trabalhadores da rede e gestores, pessoas vindas de diferentes regiões do estado para reafirmar as conquistas da Reforma Psiquiátrica e reforçar a importância da manutenção do cuidado em liberdade.
Na tarde de quarta-feira, 23/04, a conselheira Tatiane Baggio integrou a ágora “Cuidando do Futuro – Medicalização e uso de drogas na infância e adolescência”. Em sua fala, Tatiane relacionou a medicalização à questão da ditadura e violência de Estado, tema que vem sendo priorizado pelo CRPRS em 2014, ano que marca os 50 anos do Golpe de 1964. “Temos que pensar até que ponto a medicalização não vem para calar, reproduzindo a lógica da ditadura e dos regimes totalitários nos dias de hoje”. A conselheira destacou o trabalho do Núcleo de Educação do CRPRS que já há alguns anos vem debatendo a normatização de comportamento imposta pela sociedade e a necessidade de se desenvolver um trabalho multidisciplinar nas redes de saúde.
A ágora sobre medicalização também contou com a participação do psiquiatra da infância e da adolescência e coordenador da Escola de Saúde Mental do Rio de Janeiro, Fernando Ramos; da psiquiatra com doutorado em saúde coletiva, Maria Gabriela Godoy; e do psicólogo que atua nos Centros de Referência em Saúde Mental de Betim, Minas Gerais, Rodrigo Chaves.
Fernando Ramos falou sobre como os aspectos da contemporaneidade interferem no próprio conceito de saúde. “Precisamos entender novos contextos e situar a medicalização como um processo social importante e que envolve diferentes atores. A sociedade não permite mais que as pessoas sofram e os medicamentos são ofertados como alternativa para combater isso”.
Para Maria Gabriela Godoy o tema da medicalização está cada vez mais incorporado à questão da saúde. “A medicaliação pode ser vista como uma proposta de intervenção médica sobre a vida das pessoas, o que reflete na perda da autonomia sobre nossa própria saúde e restringe a explicação de fenômenos presentes em nossa sociedade”, declarou Maria Gabriela que em sua apresentou e contextualizou historicamente conceitos da medicalização.
O psicólogo de Betim, Rodrigo Chaves apresentou alguns dispositivos utilizados em sua cidade como via alternativa à medicação. Como exemplo, relatou o caso de uma menina que chegou para atendimento com um pré-dagnóstico de transtorno de ansiedade. “Havia um desejo da própria família pela medicação. Neste caso, apresentamos a ginástica artística como uma alternativa e o esporte funcionou como um facilitador aliado a um acompanhamento contínuo da rede. Em muitos casos, precisamos buscar recursos fora do serviço da saúde, por isso a importância de criarmos organizações intersetorializadas para tratar da saúde mental. Temos que lutar contra a pressão da escola e família que, muitas vezes, buscam no medicamento a solução para modificar o comportamento de crianças e adolescentes que não se enquadram em um padrão estabelecido pela própria sociedade”, afirmou.
Mesa de Abertura
A mesa de abertura da 10a edição do Mental Tchê contou com a presença do Governador do Estado Tarso Genro e da Secretária Estadual da Saúde, Sandra Fagundes, além de deputados, autoridades locais, representantes do Controle Social e dos usuários.
A secretaria Sandra Fagundes reafirmou o compromisso do Governo do Estado com a ampliação dos serviços de Saúde Mental pelo cuidado em liberdade, destacando que a luta deve ser contínua, não permitindo nenhum retrocesso nos direitos já conquistados. “Fico feliz em utilizar o lugar que conquistei para reafirmar as políticas de inclusão social e cuidado em liberdade”, afirmou a secretária que é militante da luta antimanicomial.
Para o governador Tarso Genro, o Mental Tchê simboliza a inclusão e as conquistas da Reforma Psiquiátrica, fundamentais para a construção de uma sociedade democrática. “A política manicomial é, historicamente, uma política de discriminação e opressão. Ao longo da história, as políticas públicas que se desenvolveram relacionadas ao sofrimento psíquico foram arbitradas pelo poder a partir de critérios do poder. As pessoas passaram a ser excluídas e o símbolo dessa exclusão é a política manicomial. Um projeto de estado democrático moderno não estaria completo se não apoiasse as políticas públicas de inclusão social voltadas aos usuários. Como gestores públicos, temos a obrigação de desenvolver políticas públicas mais humanas”, declarou o governador.
Durante os três dias, o Mental Tchê contou com apresentações culturais e exposição de trabalhos artesanais produzidos pelos usuários.