A data de 18 de Maio – Dia da Luta Antimanicomial – é uma data muito importante para a Psicologia. Longe de ser um apenas um marco festivo, a data marca a importância deste movimento para a população brasileira, por trazer o direito à liberdade e ao cuidado para milhares de sujeitos que tinham o manicômio como sua prisão perpétua.
Durante séculos, pessoas em sofrimento psíquico foram vítimas das mais diversas atrocidades dissimuladas em atendimento. No Brasil, a história recente do Hospital Colônia de Barbacena/MG – em que as estimativas apontam mais de 60 mil vítimas de maus-tratos – comprova o descaso com as vidas de quem tem o estigma da doença mental. Esse conceito sempre esteve atrelado ao de “normalidade”, sendo assim, milhares de pessoas que iam contra as normas sociais vigentes – sem que houvesse diagnósticos psiquiátricos ou necessidade de cuidados em saúde mental, como opositores políticos, crianças vítimas de abusos sexuais que precisavam ser escondidas, pessoas com deficiência, mulheres que reivindicavam seu direito à igualdade – também eram trancadas em manicômios e submetidas às mais diversas práticas degradantes. Frequente em território brasileiro, essa realidade também se apresentou por séculos nos mais diferentes países e nas mais diferentes culturas, configurando, assim, o manicômio como a personificação da exclusão e da marginalização dos sujeitos perante a sociedade.
Em 7 de agosto de 1992 foi homologada, no Rio Grande do Sul, a Lei n° 9.716, da Reforma Psiquiátrica. No dia 6 de abril de 2001 foi homologada a Lei n° 10.216/2001, da Reforma Psiquiátrica Brasileira, trazendo novos horizontes para o cuidado em saúde mental, pautando o sujeito como um ser integral e complexo que necessita não apenas de um único espaço de atenção, mas de toda uma rede intersetorial que possa intervir em diferentes áreas de sua vida.
A partir de meados dos anos 2000, a pauta álcool e outras drogas passou a ser um desafio para rede intersetorial, demandando cuidados específicos para a questão.
Atualmente, observa-se a atualização do modelo que visa o isolamento e o afastamento de indivíduos da sociedade, baseado em práticas religiosas e de cunho moralista, afastado da pesquisa científica e do cuidado em saúde.
A questão de álcool e outras drogas deve ser entendida como um fenômeno da condição humana, já que estudos demonstram que há robustas evidências de uso de substâncias psicoativas e práticas de alteração de consciência em todas as sociedades humanas conhecidas. Simplificar – por meio da individualização – esse fenômeno, o compreendendo como desvio de caráter, psicopatologia e desordem psíquica ou possessão demoníaca é uma postura antiética que destoa dos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o.
Entre os anos de 2017 e 2019, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul acompanhou com muita preocupação as mudanças nas diretrizes e concepções das legislações vigentes sobre a temática.
Com relação ao Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019, considera-se deveras preocupante a retirada completa da diretriz da Redução de Danos, não sendo essa citada em nenhum momento, privilegiando as abordagens teóricas que determinam que a abstinência total deve ser a exigência do tratamento.
As estratégias de Redução de Danos – diretriz recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem sua eficácia amplamente comprovada – possibilitam ofertar cuidado em liberdade e promover saúde para as populações. Essas estratégias contemplam a abstinência, mas a coloca como caminho a ser trilhado e não como uma exigência para o próprio tratamento, priorizando os processos de autocuidado e promoção de saúde.
Além disso, o CRPRS vê com muita preocupação a tramitação do Projeto de Lei nº 7663/2010, por este projeto retomar medidas há muito ultrapassadas no Brasil e no cenário internacional, como o aumento de penas para consumo próprio e tráfico. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, em 20 anos a população carcerária brasileira aumento 450%, tendo como um dos motivos as políticas repressivas contra drogas, sem que se tenha de fato gerado aumento na segurança, diminuição da oferta e consumo de drogas e cuidado aos usuários de álcool e outras drogas. Esse cenário agrava-se com o fato de que o PL não prevê de forma objetiva a diferenciação entre usuário de drogas e traficante de drogas.
Esse PL também prevê a priorização das internações involuntárias para usuários de álcool e outras drogas nas medidas de tratamento. Essa prática já demonstrou, não apenas sua ineficácia, mas que também traz prejuízos ao cuidado deste sujeito. Países como Canadá, Portugal e Uruguai demonstram que políticas públicas de atenção a usuários de álcool e outras drogas baseadas na Redução de Danos – que não priorizam internações involuntárias – possuem taxas de eficácia maiores a um custo menor aos cofres públicos. Assim como prevê a exclusão do usuário dos programas de reinserção caso haja suspeita de uso de drogas, medida essa que não encontra respaldo na realidade apresentada, já que em sua imensa maioria usuários de álcool e outras drogas apresentam grande vulnerabilidade social e carecem de programas de reinserção social e profissional.
Desta forma, neste ano em que comemoramos 27 anos da aprovação da Lei Estadual da Reforma Psiquiátrica e 18 anos da Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul manifesta-se com grande preocupação frente as modificações apresentadas e convida toda a sua categoria a debater a temática, bem como a posicionar-se na defesa da Luta Antimanicomial e da Redução de Danos.
► Confira o vídeo do live no Facebook realizado em 14/05/2019, com o tema "Orientação: Redução de Danos e a Luta Antimanicomial"