No sábado, 27/05, foi realizado em Santa Maria o evento “Da Boca do Monte à Cidade da Kiss”, uma iniciativa do GT Kiss do CRPRS em parceria com o Coletivo de Psicanálise de Santa Maria – Eixo Kiss e com a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), dando sequência às ações que marcam os dez anos do incêndio na Boate Kiss.
Com o objetivo de fazer memória, abrir espaço para os testemunhos e trabalhar na conscientização da população sobre a responsabilidade coletiva e a impunidade, a atividade aconteceu no auditório CCSH, do prédio 74C, da Universidade Federal de Santa Maria.
“Foi um evento muito importante para demarcar a memória e o enfrentamento a impunidade, trazendo o testemunho daqueles que estão transpassados pela tragédia, que ceifou 242 vidas, feriu mais de 600 e que vem refletindo na vida de tantas outras”, afirmou o conselheiro Diego Gonçalo Moraes Gomes (CRP 07/21842), que abriu o evento reconhecendo a importância do GT Kiss e o papel do Conselho, presente desde o primeiro momento da tragédia e ao longo dos anos. Em sua fala, Diego mencionou a necessidade de as/os profissionais seguirem esse debate, ampliando a discussão com a organização de um Núcleo voltado a situações de emergências e desastres, com o objetivo de organizar e informar a categoria sobre demandas de crise e sofrimento agudo.
Na sequência, o psicólogo Gabriel Rovadoschi Barros (CRP 07/29636), colaborador do GT Kiss do CRPRS e atual presidente da AVSTM, trouxe seu relato como sobrevivente, destacando todas as marcas deixadas pela impunidade e morosidade do judiciário e denunciando a violência do Estado e o silenciamento imposto pela própria cidade, o que reforça a negação e um movimento de “apagamento” desse fato. “A Kiss é o retrato do fracasso do Estado”, afirmou. A potência do evento foi salientada por Gabriel. “Todas as apresentações tiveram um alinhamento perceptível e reforçaram os mesmos pontos. Foi possível reconhecer que há uma lacuna importante na cidade que demanda um trabalho coletivo para dar conta dos danos causados pela impunidade. A exposição fotográfica do Dartanhan Baldez Figueiredo também contribui muito na busca por respostas para o desamparo da justiça e nos fornece pistas: uma forte relação de afetos baseadas na solidariedade e no compartilhamento das histórias, produzindo marcas e permitindo movimentos cada vez maiores. "Da Boca do Monte à Cidade da Kiss" denuncia uma identidade que ainda precisa ser elaborada coletivamente e o caminho talvez seja de assumirmos ser da “Cidade da Kiss”, para que, então, futuramente, possamos nos tornar algo para além disso", avaliou Gabriel.
Maíra Brum Rieck (CRP 07/14840), coordenadora e Idealizadora do Museu das Memórias (In)Possíveis da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), ressaltou, no evento, a potência dos testemunhos, como forma de elaboração, preservação da história e resistência. “Santa Maria tem potencializado essa cicatriz e a não elaboração do que aconteceu. A ‘neutralidade’ só serve para adaptar, calar e aceitar. Não serve à nossa profissão. Fica o questionamento: Por que agredimos pessoas traumatizadas? Por que a cidade se identifica mais com os criminosos e do que com as vítimas, fato tão perceptível quando Santa Maria pede aos sobreviventes e familiares para ‘esquecerem’?”.
No evento, o professor da UFSM Ricardo Ravanello apresentou o projeto "Fotografar para lembrar" que, através de uma técnica antiga de fotografia chamada colódio úmido, criada em 1850, produz retratos de pessoas afetadas pela tragédia, como familiares, sobreviventes e de pessoas que se envolveram prestando socorro ou que se engajaram na luta dos pais em prol da memória das vítimas.
Já o professor da UFSM Carlos Henrique Armani, coordenador do PPG em História da UFSM, fez uma apresentação elucidando diversos aspectos teóricos e práticos sobre o trabalho com a memória e história da tragédia de Santa Maria. Através de sua exposição, reforçou a importância da cidade acolher os testemunhos, denunciando os danos da impunidade na elaboração do trauma coletivo e sinalizando a importância da corresponsabilização das diferentes áreas do saber na construção coletiva da história da cidade.
Entre cada apresentação, durante o evento, foi realizada a intervenção do Eixo Kiss do Coletivo de Psicanálise de Santa Maria "Leitura de testemunhos", em que o público foi convidado a ler o testemunho que estava escrito em sua cadeira. Cada testemunho foi uma resposta à pergunta "Onde você estava no dia 27 de janeiro de 2013?", integrante as intervenções que o Eixo Kiss vem produzindo na cidade.