O conceito de Clínica Ampliada e a sua prática em diferentes espaços de atuação foram os temas motivadores do debate “Psicoterapia no Contexto da Clínica Ampliada”, realizado pelo GT da Psicoterapia do CRPRS na noite de 03/12, no Auditório do Conselho Regional de Psicologia. À mesa, coordenada pela conselheira vice-presidente do CRPRS, Clarice Moreira, estiveram as psicólogas Sandra D. Torrosian e Carla Guimarães da Silva. Especialista em Psicologia Clínica e com formação em Psicoterapia de Grupo, Carla abriu o evento relatando os desafios internos que teve que enfrentar ao começar a trabalhar em CAPS, 13 anos atrás.
“Eu e outras colegas precisamos nos adaptar a uma outra realidade, fora dos consultórios. Tivemos de pesquisar psicoterapias breves, nos aprofundar e entender mais o SUS. Percebemos que eram tão grandes as carências dos pacientes, sua falta completa de estrutura, que eventualmente deixávamos a neutralidade de lado e até dizíamos ao paciente com todas as letras o que ele precisava fazer, ao invés de esperar por algum insight dele”, relatou Carla Guimarães da Silva. Mais ainda: “Na saúde pública, talvez fique mais enfatizado o que é clínica ampliada”.
Limites da saúde bio-médica
A doutora em Psicologia e professora da UFRGS, Sandra Torrosian, por sua vez, lembrou que foi se constituindo como psicóloga já no “contexto ampliado da Comunidade Terapêutica da Cruz Vermelha, que funcionava ao estilo de um CAPS, em Porto Alegre, com convivência de usuários de drogas pesadas. Este conceito faz mais sentido quando se trabalha em saúde coletiva”. Conforme Sandra, a clínica ampliada “é uma alternativa à saúde bio-médica, pois soma outros fatores, num contexto social mais amplo, não enfatizando só o que não funciona”. Para ela, o processo ajuda a entender que o campo da biomedicina não é suficiente para entender o sujeito – especialmente o sujeito em relação, em relação uns com os outros e com seus contextos.
“Se num caso de dependência de drogas, por exemplo, considerarmos outras perspectivas como positivas – como a redução de danos, e não só a abstinência –, muda tudo. Evoluímos para a luta anti-manicomial porque aquela linha dos hospitais psiquiátricos não dava conta da realidade. Isso é uma linha política, e não podemos deixar de considerar estes aspectos”.
Superando oposições
Clarice Moreira afirmou que a riqueza das colocações foi positiva por ajudar a superar oposições: “O que fica claro é que tem que haver a ampliação da escuta, não só do lugar onde isso se dá, seja no consultório particular seja no serviço público. O embasamento teórico pode ser o mesmo, a escuta é a mesma, a diferença está na técnica empregada. Um psicólogo, independente do local de trabalho, precisa estar atento ao desamparo de seu cliente/paciente”.
Da plateia, também vieram contribuições ao debate. Uma das psicólogas presentes desafiou: “Temos que ler os grandes teóricos da psicologia com mais profundidade. Se fizermos isso seremos mais transgressores. Não podemos ficar presos em dogmas”.
Carla Guimarães da Silva disse que a clínica ampliada – em especial na saúde pública, com todas as carências que ainda apresenta – incentiva esta “transgressão”, na medida em que grande número das pessoas atendidas sequer têm consciência de sua cidadania, de seus direitos básicos, etc. “Damos o suporte para que a pessoa, a partir dali, possa avançar um pouco com suas próprias pernas”, sustentou. Ela também frisou a necessidade de todos se auto-questionarem sobre o que vêm fazendo.
Durante o evento, levantou-se a necessidade dos colegas que atuam com clínica ampliada, nos diferentes contextos, poderem contribuir com a produção de conhecimento, escrevendo e publicando suas experiências, possibilitando valorizar a prática da psicoterapia no contexto da clínica ampliada, bem como dos demais dispositivos praticados, como grupos, oficinas, acompanhamento terapêutico.
Clarice Moreira, no encerramento, defendeu: “Os psicólogos devem se autorizar e valorizar a prática da psicoterapia que também é feita nos CAPS, onde também estão embasados em teoria, método e ética.”
O debate se insere na série de encontros preparatórios ao VII Congresso Nacional de Psicologia.