As 119 pinturas, ilustrações, esculturas, instalações, poemas e artigos que deram um aspecto festivo ao mezanino da Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, entre os dias 10 e 20 de dezembro, mostraram as cores e a concretude do 1. Prêmio Cultural Claudinho Gomes, promovido pelo CRPRS. Focado em três eixos – cultura, direitos humanos e cidadania – o evento teve seu momento culminante na sexta-feira, 17 de dezembro, quando centenas de pessoas admiraram as obras expostas e foram premiados os três primeiros colocados de cada uma das categorias, escolhidos por um júri formado por artistas plásticos, escritores, jornalistas, psicólogos e acadêmicos.
Ao fundo do mezanino, ocupando grande parte da uma das paredes, chamava a atenção um mural de autoria de Claudinho Gomes – com as formas coloridas de animais criadas pela imaginação do artista, falecido precocemente em 2005. “Ele foi um louco-artista, ao modo de Artur Bispo do Rosário, que a partir da valorização de sua arte conquistou voz própria e reconhecimento social – depois de muitos anos de exclusão e preconceito, vividos atrás dos muros dos hospitais psiquiátricos”, disse a psicóloga conselheira do CRPRS Fátima Fischer, organizadora do evento.
Emoção do júri
Para a cerimônia de premiação e entrega dos troféus vieram jurados e convidados especiais do CRPRS de vários pontos do país, como o presidente do CFP, Humberto Verona, de Minas Gerais. Ele destacou que até hoje não tinha estado em Porto Alegre: “Fico feliz de ter conhecido a cidade num momento bom como este”, destacou, lembrando a importância da relação arte e loucura. Entre outras personalidades convidadas, a professora de artes plásticas, ex-vereadora e ex-secretária de Cultura de Porto Alegre, Margarete Moraes. “Foi muito difícil participar deste júri”, confessou Margarete, “pois fiquei muito emocionada. Vendo esses trabalhos, fica mais claro que cada ser humano, com as limitações que todos temos, pode alcançar a superação”.
Assim como ela, também veio de Brasília a terapeuta ocupacional gaúcha Patrícia Dornelles – que lembrou os tempos em que fez estágio na Pensão Nova Vida, nos anos 90, tornando-se amiga e incentivadora da arte de Claudinho Gomes. Ela lembrou que de início Claudinho escondia seus desenhos – “seus bichinhos” - embaixo de sua cama na Pensão. “Aos poucos fomos tirando estes bichinhos de lá, e ele foi construindo o seu legado. Considero os seus bordados o auge de sua arte. Mas a arte é trabalho e ele trabalhou”.
Importância das obras
Sobre a obra de Claudinho Gomes, o artista plástico Cavalcanti, o Cava, membro da comissão julgadora, disse que se tivesse que categorizar sua criação, colocaria Claudinho como um artista respeitável não da arte contemporânea, mas da arte moderna. A respeito dos trabalhos concorrentes, disse que o mais importante foi a valorização das obras das pessoas que participaram. “O que se nota é uma desatenção muito grande dos órgãos públicos e instituições em relação a estes artistas, que dentro de suas condições mereceriam ter muito mais espaço”.
Os Premiados
Pinturas e Ilustrações: 1. Lugar: Sandro Magalhães Azambuja – Paisagem II –Porto Alegre; 2. Lugar: Marlei Ribeiro dos Santos – O casal - Osório; 3. Lugar: Cristiane Faustinho Osório – Cesta de frutas - Osório. Esculturas e Instalações: 1. Lugar: Carlos Roberto Cardoso – Barco Azul – Caxias do Sul; 2. Lugar: Trabalho Coletivo (39 pessoas), Metamorfose, Jaguarão; 3. Lugar: Zeloni da Silva Souza, Reflexo da minha vida, Osório. Textos e Poesias: 1. Lugar: Carlos Alberto de Moraes Guarnieri – Lesma Lerda – Porto Alegre; 2. Lugar: Tony Dejean Oliveira - Veris Nigrae - Novo Hamburgo; 3. Lugar: Solange Gonçalves Luciano - Cais... - Porto Alegre. Artigos profissionais e acadêmicos: 1. Lugar: Bárbara Elisabeth Neubarth – Alienados e inacabados: fora de tempo, invisíveis no espaço – Porto Alegre; 2. Lugar: Diovana Trajano da Silva – Oficina de Arte Terapia: um recurso importante no tratamento das psicopatologias - Capão da Canoa; 3. Lugar: Loiva dos Santos Leite – Quando o cuidado do diferente produz a diferença – Porto Alegre.
Todos os premiados – três em cada uma das quatro categorias (Pinturas e ilustrações; Esculturas e Instalações; Textos e Poesias; Artigos profissionais e acadêmicos) – receberam prêmios em dinheiro, nos seguintes valores: 1º lugar, R$ 800,00; 2º lugar, R$ 500,00; 3º lugar, R$ 300,00. Também ganharam certificados de premiação, camisetas reproduzindo obras do artista homenageado e ainda estatuetas em arame e chapa metálica, criados pelo artista e oficineiro de artes plásticas Edson Márcio Queiróz. “Para criar estes troféus, me inspirei nos bichinhos que povoam as obras do Claudinho Gomes”, explicou o escultor.
Documentário
Ao final do evento, que contou as intervenções artísticas do grupo de teatro Cia. Um Pé de Dois, foi exibido ainda o documentário “Claudinho e seu muro”, realizado pelo cineasta Maurício Muniz, de Florianópolis (SC) em 1995. À época, o artista plástico vivia na Pensão Nova Vida. Com duração de 19 minutos, o trabalho relata um pouco do cotidiano de Claudinho na instituição onde morava, em Porto Alegre, e a pintura que realizou no muro em Arambaré. “Aquilo foi um símbolo da reenclusão social dele”, interpreta Maurício, que irá reeditar o trabalho, gravado originalmente em VHS.
O artista homenageado
Natural de Arambaré, filho de família humilde, foi só através do tratamento respeitoso e humanizado nos serviços de cuidados não manicomiais (originalmente na Pensão Protegida Nova Vida, de Porto Alegre) que ele pode desenvolver todo seu potencial artístico. “Claudinho, que saiu em camisa de força de Arambaré, quando voltou, anos depois, já como artista, foi na condição de convidado da Prefeitura, para pintar sua criação num muro central. Saiu marginalizado e voltou como cidadão honorário”, relatou Fátima Fischer. “Pode-se dizer que virou um símbolo do poder da arte e da luta anti-manicomial de promover a inclusão social dos portadores de sofrimento mental”, concluiu.
José Antônio Silva