Uma audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul na quarta-feira (16) para comemorar os 25 anos da lei da reforma psiquiátrica no Estado serviu também para alertar aos profissionais da área da saúde mental sobre os riscos de retrocesso na legislação, que entre outras coisas impediu as internações compulsórias e determinou a substituição gradativa do atendimento em hospitais para uma rede integrada de assistência, além do fim dos manicômios.
A reunião, realizada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente, reuniu especialistas na área, entre eles o professor argentino Rubén Oscar Ferro, da Universidade Nacional de Córdoba. Em sua intervenção, o psiquiatra referiu-se ao clássico “O Alienista”, de Machado de Assis, publicado em 1882, para alertar sobre o caráter subjetivo do conceito de normalidade. E advertiu aos presentes que é necessário “reorganizar a luta” em defesa da lei.
“Todos sabem que há muitos ataques contra a lei, que continua sendo defendida pelas pessoas que saíram às ruas, pelos movimentos sociais. A lei não se sustenta sozinha, mas somente pela luta”, conclamou Ferro. Para o psiquiatra, a prevalência de hospitais psiquiátricos atende apenas aos interesses capitalistas da indústria farmacêutica. “Um manicômio nunca é um lugar de produção de saúde, mas sim de adoecimento”, disse.
O autor do projeto da lei 9.716/1992, ex-deputado Marcos Rolim, também fez uma defesa incondicional da legislação que, segundo ele, protege a todos das “arbitrariedades” das internações compulsórias. E salientou também que o tratamento de transtornos mentais em hospitais gerais, não especializados, garante a integridade física dos doentes. “Em geral, pessoas com sofrimento mental tem outros agravos de saúde, que podem ser melhor tratados em unidades interdisciplinares”, justificou.
Também fizeram intervenções na audiência pública a psicóloga Sandra Fagundes, ex-secretária de Saúde do Rio Grande do Sul, e o usuário Paulo Michelon, como representantes do Fórum Gaúcho de Saúde Mental (FGSM). Ambos destacaram o caráter de liberdade da lei, em oposição às teses de que representaria o abandono das pessoas com transtornos mentais, e reforçaram a ideia de que é necessário lutar pela sua manutenção. “Houve, e ainda há, muita pressão para que a lei seja desmontada. Os interesses contrários a ela estão bem vivos”, disse Michelon.
A audiência teve também homenagens a profissionais que lutaram pela integridade e pelos direitos das pessoas com transtornos mentais, entre elas as ex-conselheiras do CRPRS Loiva de Boni Santos e Cristina Carvalho. O Conselho esteve representado na audiência pela conselheira Fernanda Fioravanzo e pelo psicólogo Bruno Graebin de Farias.
Fernanda lembrou que a lei, pioneira no Brasil, significou um avanço grande na área da saúde mental e uma quebra de paradigma cultural em relação aos direitos das pessoas com distúrbios. Mas, por outro lado, salientou que é preciso garantir a efetiva aplicação da lei, especialmente em um momento de retirada gradativa de direitos sociais históricos.
“O atendimento demandado pela lei tem se tornado mais e mais difícil, na medida em que faltam profissionais habilitados nos centros de saúde e também faltam recursos de investimentos para universalizar sua aplicação. E ainda há registros de clínicas que funcionam na lógica manicomial, o que nos faz temer um retrocesso”, alertou.
No final, o encontro teve uma apresentação do grupo teatral Nau da Liberdade, coletivo de desinstitucionalização formado por estudantes, trabalhadores e usuários do serviço de saúde mental que inclui ex-moradores do Hospital Psiquiátrico São Pedro.