O Conselho Regional de Psicologia (CRPRS) participou de audiência pública na Assembleia Legislativa (AL) na quarta-feira, 29/04, para discutir a política de saúde mental do estado. A audiência, promovida pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da AL, aconteceria no Plenarinho, mas precisou ser transferida para o teatro Dante Barone devido ao número de interessados em acompanhar a discussão. De um lado na plateia, profissionais de hospitais psiquiátricos que defendiam a manutenção da institucionalização de pessoas com doenças mentais. De outro, centenas de militantes, usuários e trabalhadores dos serviços de saúde mental que apoiam a luta antimanicomial. “É preciso ter muito cuidado quando, no atual cenário, se fala em rever a política de saúde mental. O discurso que sustenta isso, e que se pauta por um aparente tecnicismo, pode esconder outros motivos”, alertou o presidente da Comissão, deputado Valdeci Oliveira.
Representando o Fórum Gaúcho de Saúde Mental, Paulo Michelon explicou que a atual luta é entre aqueles que defendem a internação como forma de tratamento e os que desejam o cuidado em liberdade. Com relação à atual gestão da saúde mental no estado, Paulo afirmou que os direitos dos usuários estão sendo transgredidos e “nunca houve um retrocesso tão grande”. Segundo ele, a atual política se resume ao crack, “não se fala de epidemia de álcool, por exemplo, e o álcool faz mais vítimas do que o crack”.
A Secretaria Estadual da Saúde SES afirma que a política de saúde mental aprovada pelo Conselho Estadual de Saúde em 2014 será seguida. “Não há nenhuma ação que altere o que está proposto na política. Há, sim, a preocupação com a gestão pública”, declarou o secretário-adjunto da Saúde, Francisco Paz. Para o coordenador de saúde mental da SES, Luiz Carlos Coronel, a política “não é ‘anti’ ninguém, é a favor dos milhares que não têm nenhum tipo de assistência”, afirmou. Disse ainda que irá enfrentar “com todas as armas” a “epidemia de violência”, que, para ele, tem “relação direta com a epidemia das drogas”.
O Conselho Estadual da Saúde vem acompanhando as ações do Estado e, de acordo com a presidente Célia Chaves, não permitirá a aprovação de ações que sejam contrárias às aprovadas pelo CES. “Ainda em maio, vamos agendar uma nova plenária para discutir o assunto. Queremos ouvir as respostas aos questionamentos feitos na primeira plenária do ano do Conselho que teve como principal pauta a política de saúde mental. Precisamos saber qual é o posicionamento da atual gestão? Apesar da afirmação de que a política aprovada será adotada, recebemos notícias de ações contrárias”.
Como psicóloga, a deputada Miriam Marroni vê com preocupação os retrocessos que estão em discussão. “Pude ver de perto a evolução do modelo hospitalocêntrico para o modelo terapêutico de emancipação, realizado fora das prisões dos manicômicos. Pensei que não viveria mais um retrocesso como esse”. Segundo ela, há interesses econômicos por trás disso. “Hospital psiquiátrico é uma mala de dinheiro”, criticou a deputada.
Para a deputada Manuela D’Ávila, a discussão não deveria incluir apenas médicos e técnicos, mas principalmente os usuários. “Os usuários precisam ser ouvidos”. Manuela ainda ressaltou a questão social que envolve essa discussão. “Os hospícios são verdadeiras prisões e são os pobres que estão trancados lá dentro”, concluiu.
Representando a Comissão de Direitos Humanos da AL, o deputado Jeferson Fernandes classificou o discurso do coordenador de saúde mental, Luiz Carlos Coronel, como “extremamente retrógrado”. “Falar em ‘epidemia de drogas’? Epidemia a gente controla com vacina, não é isso que tem que fazer com a saúde mental. Disse que o que lhe guia é o ‘postulado canônico de que só a verdade liberta’. Mas verdade de quem?”, indagou.
A partir dessa audiência, a Comissão de Saúde e Meio Ambiente da AL vai solicitar um pedido de audiência com o governador José Ivo Sartori e com o Secretário Estadual de Saúde, João Gabbardo, para dar continuidade a essa discussão.
Manifestação do CRPRS
Quando o espaço para manifestação do público foi aberto, a conselheira do CRPRS Maria Allgayer explicou que o Conselho vem acompanhando movimentos da reforma psiquiátrica e da política de saúde mental há anos. “Defendemos um modelo de atenção e cuidado em saúde mental que promova a autonomia e a cidadania. Os serviços de saúde mental devem ser comunitários, territorializados e na perspectiva do cuidado em liberdade”. O modelo defendido pelo CRPRS é baseado em orientações da Organização Mundial de Saúde, Organização Panamericana de Saúde e diretrizes do Ministério da Saúde e foi confirmado por toda a população brasileira nas Conferências.
Mariana vê com pesar os retrocessos em discussão, como o cancelamento de contratos de casas que serviram de Residenciais Terapêuticos, emperrando o processo de desinstitucionalização do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Para o CRPRS, o Estado deve auxiliar e apoiar municípios, financeira e tecnicamente, para que possam ofertar em seus territórios o cuidado necessário aos usuários e oferecer suporte às comunidades. Sendo assim, é essencial que invista na qualificação de serviços de base comunitária e territorializada. Além disso, a Saúde Mental exige uma combinação de saberes, múltiplos e diversos, e, portanto, o processo de qualificação da atenção e do cuidado passa também pelo investimento de equipes de saúde multiprofissionais pautadas pelo cuidado integral.
“Não vamos admitir que a falta de recursos sirva de argumento para as mudanças nos investimentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que haja o sucateamento da Rede já existente e que movimentos de privatização e terceirização da Assistência ocorram no estado”, afirmou em sua fala.