Com o objetivo de discutir e qualificar o fazer da Psicologia no âmbito da Justiça, o CRPRS promoveu o evento #meufazerpsi – Entre a ética e a liberdade. A atividade debateu sobre avaliação psicológica e relações com a justiça contou com a participação de Adriana Eiko Matsumoto, doutora em Psicologia Social, professora na UFF/SP e conselheira do CRPSP, e Ana Luiza de Souza Castro, mestre em Psicologia Social, psicóloga do Tribunal de Justiça do RS. O evento foi mediado pela conselheira Luciane Engel.
Adriana Eiko Matsumoto iniciou sua fala contextualizando o processo histórico de construção da profissão, que foi marcado por muitos embates que ajudam a entender desafios colocados à profissão em nossa atualidade. “Há 53 anos, quando a profissão foi regulamentada, identificamos produções teóricas e fazeres da Psicologia que buscavam legitimar a desigualdade social. Percebemos que isso ainda está presente em nossa prática nos dias de hoje. A relação da Psicologia com a Justiça é eivada de contradições e pode ser considerada uma história espiral dialética. Ou seja, é nos embates e nós críticos dessa relação que podemos compreender os avanços e desafios de nossa prática”.
Adriana relacionou o processo de implantação do Estado de Bem-Estar Social no país à ampliação da prática dos/as psicólogos/as. Ao ingressar nas políticas públicas, a Psicologia precisou ser reinventada para atender uma nova realidade do país. “Quando Psicologia começou a encontrar outros espaços de atuação, saindo do contexto de sua prática tradicional, encontra desafios que são comuns à sociedade brasileira democrática”, afirmou.
Um dos maiores embates atuais para a Psicologia é o exame criminológico, presente no contexto do sistema prisional. Para compreender essas questões, Adriana apresentou elementos que devem ser problematizados na prática do/a psicólogo/a, relacionados a conceitos de pena, como o imaginário social foi sendo desenvolvido com relação a isso, a diferença entre função declarada da pena e função real da pena; ideologia da defesa social, seletividade penal e periculosidade.
Para Adriana a política de encarceramento pode ser considerada uma estratégia de neutralização de forças políticas, necessária para contenção dos que não farão parte da política dos trabalhadores. “Não é por acaso que são alguns os selecionados para entrar no sistema prisional. Há uma orquestração de forças e agentes que vão operando a seletividade penal”, destacou.
Todas essas questões devem ser consideradas na relação da Psicologia com a Justiça, refletindo sobre os objetivos de nossas práticas. “Nas políticas sociais, por exemplo, nosso fazer deveria ser outro e não de avaliação psicológica para ofertar ao poder judiciário, para produzir classificação do sujeito sem estar vinculado a uma intervenção que transforme aquela realidade”.
Ana Luiza de Souza Castro, que é psicóloga do Tribunal de Justiça do RS, apresentou exemplos práticos de como a avaliação psicológica está presente em sua trajetória profissional, contribuindo para a reflexão sobre essa relação da Psicologia com a Justiça.
“Devemos refletir sobre o tipo de intervenção que é solicitada ao psicólogo/a e, muitas vezes, exigida. Nos pedem práticas simplesmente avaliativas, em que nosso trabalho possa servir de exclusão, estigma, preconceito, discriminação. É preciso lembrar que não nos cabe inquirir testemunhas ou partes, ouvimos pessoas, somos psicólogas, não somos delegados ou juízes. Escutamos as falas usando nosso instrumental para ouvir verdades. Não revelamos, e nem nos cabe fazer isso, a autoria de um fato, mas sim a história subjetiva de seu suposto agente”, afirmou Ana Luiza.
Ana analisou o contexto social em que vivemos, que dissemina a depressão e a agressividade, convencendo a todos que esse é o único caminho autorizado, e a cultura do medo. “Cidadania e práticas inclusivas estão em baixa, direitos humanos violados. Percebemos o aumento de penas, advogadas até mesmo por militantes das causas sociais, criminalizando as condutas das quais divergimos”, destacou.
Nesse contexto, psicólogos/as são chamados/as a desempenhar práticas discutíveis, na contramão até mesmo do Código de Ética.
“Somos convocados a colocar o nosso saber e a nossa prática a serviço de intervenções que legitimam e possibilitam saídas penalizadoras para os conflitos e a violação de direitos humanos. e Há uma crescente tendência de transformar a relação das pessoas, os conflitos e, até mesmo, a vida em processos judiciais e passiveis de serem supostamente resolvidos por meio de sanções, castigos e advertências”, explicou.
Ana Luiza concluiu sua fala destacado a necessidade da qualificação da avaliação psicológica na difícil interface com a Justiça permanece fundamental, baseada nos parâmetros da ética do sujeito. “Precisamos pensa na Psicologia para quem precisa de cuidado, respeito, inclusão, cidadania e escuta”.
O evento encerrou com a participação do público compartilhando dúvidas e experiências nessa relação da Psicologia com a Justiça.
Roda de Conversa com o Núcleo do Sistema Prisional
Na tarde de quarta-feira, 26/08, Adriana Eiko Matsumoto participou de roda de conversa com o Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS.
Os participantes trabalharam na conclusão de Nota Técnica sobre os modos de atuação dos/as psicólogos/as no sistema prisional a partir das demandas judiciais de avaliações psicológicas. O documento será divulgado em breve.