No dia 26 de abril de 2007 a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, por 12 votos a favor e 10 contra, o substitutivo do senador Demóstenes Torres, que altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, nos casos de crime considerados hediondos ou a estes equiparados, como o tráfico de drogas. Segundo consta, já que não foi permitido aos movimentos sociais acompanhar a reunião, a matéria foi debatida exaustivamente pelos integrantes da CCJ. O substitutivo aprovado foi redigido a partir de 6 propostas que já tramitavam na Casa e agora será submetido ao plenário do Senado, em dois turnos, para posterior envio à Câmara dos Deputados.
Apresentaram voto em separado, pela manutenção da idade penal em 18 anos, a senadora Patrícia Saboya e o senador Aloizio Mercadante, baseando-se, dentre outros, nos seguintes argumentos:
1) a maioridade penal fixada na Constituição Federal constitui cláusula pétrea e está de acordo com padrão adotado pelos mais importantes documentos internacionais sobre o tema, ratificados ou apoiados pelo Brasil;
2) o rebaixamento da idade penal terá pouco impacto sobre os índices de criminalidade, na medida em que mais de 90% dos crimes são praticados por adultos, sendo adolescentes e jovens as maiores vítimas da violência;
3) o rebaixamento da idade penal importaria na participação definitiva de adolescentes em grupos do crime organizado existentes no sistema penitenciário, no afastamento das oportunidades de conclusão dos estudos e de profissionalização e na ausência de apoio terapêutico para reverter a conduta transgressora, contribuindo também para o aumento da população carcerária e o conseqüente agravamento da carência de vagas no sistema penitenciário brasileiro, considerado um dos piores do mundo;
5) como alternativa para combater o aumento de atos infracionais praticados por adolescentes propõem a imediata e total implantação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que prevê a formação continuada dos agentes socioeducadores; a priorização das medidas em meio aberto; a reforma das unidades de internação, mediante parâmetros pedagógicos e arquitetônicos; e a mobilização das comunidades e da imprensa para o acompanhamento e a resolução de um problema que é de toda a sociedade brasileira.
Além dos aspectos apontados pelos senadores, chamamos a atenção para um outro, que nos toca diretamente enquanto categoria profissional, que é a previsão que faz o substitutivo de uma junta técnica para decidir sobre a existência de discernimento nos menores de 18 e maiores de 16 anos: "somente serão penalmente imputáveis quando, ao tempo da ação ou omissão, tinham plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, atestada por laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz".
Vale lembrar, que nesse substitutivo, são identificadas marcas de retrocesso, pois conforme afirma Rizzini, antes mesmo do Código de Menores de 1927 existir foi criado por Decreto Lei em 1923, o Juízo de Menores, que acrescentou em seus procedimentos um estudo do "menor", enquadrando-o dentro de determinadas características morais, físicas, sociais, afetivas e intelectuais. Para tanto, iniciou a aplicação de exames pedagógicos, médico-pedagógico, médico-psicológico, "de discernimento" e de "qualificação do menor". O objetivo da avaliação era definir se a sua personalidade era normal ou patológica, procedimento que reforçou uma gama de estigmas.
Tal previsão, contida na proposta de emenda à Constituição demanda da categoria profunda reflexão e análise de implicação: aceitarão os psicólogos ocupar este lugar? Aceitar a fixação da idade penal em 18 anos é uma decisão política que em nada implica em acreditar que o adolescente saiba ou não o que está fazendo. Foi uma decisão política adotada pelos constituintes, em vista da organização dos movimentos sociais de defesa de direitos humanos das crianças e dos adolescentes, de oferecer ao adolescente a possibilidade de escolher outro projeto de vida que não a criminalidade. Para isto, o Estatudo da Criança e do Adolescente fala em medidas socio-educativas e medidas de proteção, tendo recentemente o Conselho Nacional da Criança/CONANDA formulado o SINASE – que sequer foi ainda implantado.
Na realidade, o substitutivo aprovado na CCJ suscita o debate de questões que há muito estão sendo negligenciadas e que necessitam serem vistas com urgência, qual seja: o lamentável estado das prisões brasileiras, para o qual a Campanha da CNDH/CFP tem chamado a atenção; o fato de que o Estatuto da Criança e do Adolescente não foi ainda devidamente implantado, como igualmente demonstrou a Inspeção Nacional às Unidades de Medidas Sócio-Educativas realizadas em Ação conjunta do CFP e OAB; e a legislação anti-drogas, que tipifica como traficante pessoas envolvidas no varejo da droga.
Em relação a este ponto, como sabemos, a política de combate às drogas tem elevado o número de mortes e superlotado as prisões e o sistema sócio-educativo, sem contudo reduzir o consumo. O substitutivo aprovado, ao permitir que se encaminhe ao sistema carcerário adolescentes de 16 anos tipificados como traficantes, e que sairão ainda muito jovens das prisões, poderá agravar o problema que queremos combater, na medida em que longe de exceção, o envio de adolescentes às prisões poderá se tornar a regra.
Assim, ao pender o barco para as medidas punitivas e não sócio-educativas, longe de resolver os problemas que nos afligem, o Brasil pode estar caminhando para a consolidação e o aprofundamento da histórica divisão da infância brasileira entre "crianças/adolescentes" e "menores" - divisão esta que levou os movimentos sociais a lutarem para que a Constituição Federal de 1988 adotasse a Proteção Integral para toda a infância e juventude brasileira e não apenas para uma parte dela.