A alteração da política de drogas brasileira foi tema do debate sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e as Condições de atenção aos usuários, realizado nesta terça-feira (10/9), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. O encontro contou a presença de psicólogos, parlamentares, representantes do governo e movimentos sociais envolvidos com o tema. Para muitos, a proposta ainda é um retrocesso.
A discussão girou em torno do Projeto de Lei 37/2013, que prevê, entre outros aspectos, aumento da pena para o tráfico, internação involuntária de usuários e benefícios para instituições privadas que acolherem dependentes químicos em recuperação. Há mais de três anos em discussão no Congresso Nacional, o projeto é marcado por uma série de dissensos. Em maio foi aprovado pela Câmara dos Deputados e agora aguarda análise dos senadores.
Para o representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), Marcus Vinícius de Oliveira, que participou da audiência, os trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Assistência Social (SUAS) estavam aguardando a retomada das discussões com objetivo de fomentar um plano necessário à sociedade brasileira. “O processo de aprovação e discussão da matéria não foi de boa qualidade”, frisou.
Segundo Oliveira, o projeto aprovado pela Câmara está melhor do que a versão original, mas ainda está na contramão das necessidades da população. “Para o CFP, o grande problema da sociedade brasileira é o amadorismo com que o tema tem sido debatido”, disse. “O principal remédio para enfrentamento da questão é informação de boa qualidade, dialogante, democrática, com diálogo aberto a todos”, completou.
A representante da Rede Nacional Internúcleos, Míriam Abou-Yd, resgatou os casos da Argentina e Portugal, que romperam com a barreira criminalizante aos usuários de drogas. “Dezessete estados americanos utilizam cannabis em tratamentos”, apontou. A expectativa, para ela, é que os debates contribuam para uma política pública que observe as melhores práticas realizadas ao redor do mundo. “Nem todo uso é prejudicial”, defendeu.
Para os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Humberto Costa (PT-PE) a política de redução de danos precisa ser levada em consideração e o texto precisa ser aprimorado. “É necessário implementar os CAPS com médicos e outros profissionais, trabalhando melhor a rede de atenção psicossocial”, sublinhou Costa. Já Suplicy acredita que as penas alternativas seriam mais eficazes e utilizou como exemplo os trabalhos prestados à comunidade.
Superlotação dos presídios
Dados do Ministério da Justiça, fornecidos em 2012, apontam que o Brasil possui a quinta maior população carcerária do mundo, com 550 mil presos e um déficit de 270 mil vagas. Do total de prisões, aproximadamente 11% correspondem a crimes relacionados às drogas.
Em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Alice de Marchi, representante da Rede Justiça Criminal, também criticou o texto. Para ela, o projeto prioriza a internação para tratar usuários e dependentes químicos, além de utilizar critérios racistas para efetuar prisões, visto que a maioria dos presos é composta por jovens, entre 18 e 29 anos, homens, negros e pobres.
Marchi falou, ainda, que o projeto precisa evitar o encarceramento. “A repressão não funciona. Todos os estabelecimentos de privação de liberdade favorecem práticas de tortura e maus tratos. As ações devem ser pautadas nos cuidados e nos direitos humanos”, enfatizou. “A reforma psiquiátrica prevê a internação como última opção”, lembrou.
De acordo com Cristiano Maronna, da Rede Pense Livre, o projeto agrava a situação do superencarceramento, com aumento de penas de cinco para oito anos para pessoas pertencentes a organizações criminosas. “Um dos maiores problemas será a ausência de distinção entre traficantes e usuários. Nessa lógica, pobres sempre serão traficantes e ricos, usuários”, considerou.
Comunidades Terapêuticas
Um dos pontos mais polêmicos do projeto diz respeito ao financiamento de Comunidades Terapêuticas (CTs) para tratamento de dependentes químicos por parte do governo. “Embora na lei a ideologia dessas instituições esteja bem descrita, elas não são capazes de fornecer o atendimento que a sociedade precisa”, disse o coordenador do Fórum Brasileiro de Gestores de Políticas de Drogas, Cloves Benevides.
Do ponto de vista da observação clínica, o professor Dartiu Xavier, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), considera que a maior eficácia é obtida por meio do modelo ambulatorial, com equipes multidisciplinares e acompanhamento nos moldes dos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (CAPS Ad). “É o melhor modelo que temos hoje, que trata o indivíduo sem tirá-lo do seu meio”, destacou , enfatizando que não existem evidências científicas que comprovem a eficácia das CTs para tratamentos de usuários de drogas.
Já o secretário Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, Vitore André Zílio, defende que o usuário não será internado sem que todos os protocolos do SUS sejam observados. “Nas vistorias feitas pela equipe do Senad, foram vistos portões abertos e tratamentos realizados de forma voluntária. Seremos absolutamente rigorosos com a qualidade da vaga ofertada”, afirmou. A estimativa é de que sejam disponibilizadas nos próximos anos 10 mil vagas em CTs. Até o momento, esse número é de 2 mil em todo Brasil.
Defesa
O autor da proposta, o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), defende que o projeto será fundamental no combate a epidemia de crack no Brasil, que explodiu em 2006. “O auxílio doença fornecido pelo INSS para usuários de crack deve atingir aproximadamente 2% da população brasileira”, projetou. “É uma doença que se multiplica geometricamente e corresponde ao triplo do auxílio utilizado para dependentes de álcool”, completou.
Zílio destacou que “há muitas paixões em jogo” no debate sobre o projeto de lei. Segundo ele, o texto aprovado pela Câmara é uma cópia literal da Lei 10.216/01, também conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que tem o apoio do governo, assegura equipamentos e ações de saúde na política de drogas.