Foi concedido ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) o ingresso (na condição de amicus curiae) na Ação Civil Pública (ACP) contra a Resolução Conad nº 3/2020 – normativa do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) que regulamenta, no âmbito do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), o acolhimento de adolescentes com problemas decorrentes do uso, abuso ou dependência do álcool e outras drogas em comunidades terapêuticas.
Na condição de amicus curiae, o CFP participará de audiência na 12ª Vara Federal de Pernambuco – representado pelo psicólogo e integrante da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Filippe de Mello Lopes – no dia 14/09, a partir das 11h, que tratará com a União de questões relacionadas ao nome e local de permanência das/os 500 adolescentes que se encontram em comunidades terapêuticas (informando a data das respectivas internações); explicações sobre as medidas já implementadas para o desligamento e a integração dessas/es adolescentes na Rede de Atenção Psicossocial; e fontes e valores repassados às comunidades terapêuticas em decorrência dessas internações.
Entenda o caso
A Ação Civil Pública foi ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) e as Defensorias Públicas dos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Paraná.
No pedido de ingresso na condição de amicus curiae, a assessoria jurídica do CFP argumenta que a autarquia figura entre as instituições que apresentam expertise acerca do tema, bem como informações, dados e análises técnico-científicas relevantes que podem contribuir para a elucidação do julgamento da matéria. Além disso, o Conselho Federal de Psicologia foi membro e ocupou a presidência na última composição do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), compondo, atualmente, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) – colegiados de âmbito nacional diretamente implicados na área temática em julgamento.
“A sua condição de Conselho Profissional, atuando, portanto, também como representação em relação a uma categoria profissional diretamente implicada e atuante na temática envolvida na ação, é também o que caracteriza e qualifica a legitimidade para o ingresso na qualidade de amicus curiae“, ponderam os advogados do CFP.
O que pretende a Ação Civil Pública?
Na prática, a ACP protocolada pela Defensoria Pública da União requer:
1. A concessão de tutela de urgência para que sejam determinadas: (i) a suspensão integral da eficácia da Resolução Conad nº 3/2020; (ii) a suspensão de todos os financiamentos federais a vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas realizados com base na referida resolução até o julgamento final da ação.
2. A citação da parte ré para contestar a ação (em cumprimento ao prazo legal).
3. Que seja julgada procedente a Ação Civil Pública, a fim de que se declare a ilegalidade da Resolução Conad nº 3/2020, assim como todos os contratos, convênios e termos de parcerias realizados para o custeio de vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas com base na referida.
4. A produção de prova por todos os meios admitidos.
Qual o posicionamento do CFP acerca da questão?
O Conselho Federal de Psicologia historicamente tem atuado na defesa de um tratamento humanizado das pessoas com sofrimento psíquico causado pelo uso abusivo de drogas, rememorando que, como cidadãs/ãos, essas pessoas têm direito ao tratamento em liberdade e à convivência comunitária, bem como ao cuidado e a intervenções adequadas e eficazes de preservação de sua saúde mental.
Por esse motivo, o CFP posiciona-se de forma contrária à Resolução Conad nº 3/2020, na medida em que o instrumento ignora o contexto social em que vive grande parcela dos adolescentes brasileiros ao responsabilizá-los individualmente e puni-los privando-os de sua liberdade em nome de um tratamento que não resguarda sua participação na construção das medidas que visam a sua proteção.
Na avaliação da autarquia, a resolução do Conad implica em uma reafirmação da Doutrina da Situação Irregular do Código de Menores (1979) – paradigma que compreende crianças e adolescentes como objeto de controle e coerção do Estado, e não como sujeitos de direitos. O retorno a este paradigma, portanto, com o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas, retoma a ideia de internação com nova roupagem e revela as desigualdades sociais estruturais do país, promovendo um gerenciamento seletivo de populações específicas, com estratégias para regular, controlar e normalizar os corpos. Nesse sentido, a resolução apresenta relação direta com a proposta da redução da maioridade penal na medida em que estigmatiza, culpabiliza e criminaliza os adolescentes em situação de pobreza em nosso país.
Fonte: Conselho Federal de Psicologia
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