A presença feminina nos presídios brasileiros cresceu oito vezes neste século 21, passando das 5.601 mulheres presas em 2000 para as atuais 44.729 – das quais a maioria são jovens (até 29 anos), responsáveis diretas pela família (80%) e não-brancas (duas em cada três). Dessas mulheres encarceradas, cerca de 20 mil sequer têm pena para cumprir. No Presídio Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, das mil mulheres que deram entrada no sistema penitenciário em 2016 apenas 11 tinham sentença condenatória.
Foi esse quadro de impacto – não só nas vítimas do sistema, mas também em suas famílias – que motivou a inclusão das mulheres do Madre Pelletier como um dos territórios de atuação do segundo ciclo do Projeto Redes – Articulação Intersetorial de Políticas sobre Drogas no Rio Grande do Sul. O projeto, articulado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em conjunto com o Ministério da Justiça e Cidadania, tem como objetivo central dar visibilidade às populações mais vulneráveis do sistema.
Os dados foram apresentados no “Colóquio sobre Saúde Mental no Sistema Prisional”, realizado na quarta-feira (22) no Auditório do CRPRS em Porto Alegre. “As mulheres encarceradas, cuja maioria está presa por envolvimento com tráfico de drogas, estão em alta vulnerabilidade porque cometem uma tripla transgressão: primeiro em relação à lei, depois por invadirem o território masculino e, em último lugar, por desafiarem a ordem moral familiar”, explicou a coordenadora do Redes no Rio Grande do Sul, Carmen Oliveira.
Doutora em Psicologia Clínica, Oliveira destacou que o crescimento exponencial do encarceramento feminino tem deixado marcas psíquicas profundas não só nas mulheres, mas também em seus filhos, pais e mães. Segundo ela, a política de drogas do país está “completamente equivocada” porque a guerra ao tráfico tem como alvo apenas as populações mais vulneráveis da cadeia de distribuição e consumo – justamente as mulheres jovens, pobres e negras. Cerca de 70% do pequeno tráfico, de acordo com os dados apresentados por Oliveira, é operado por mulheres.
“Esse tráfico varejista, que tem sido severamente punido pela nova lei de drogas, está por trás da explosão penitenciária de mulheres. O tráfico é altamente inclusivo, pois gera renda e prestígio social. Em troca, o que estamos oferecendo a essa juventude feminina?”, questionou a pesquisadora.
O colóquio, que teve parceria do Conselho Estadual de Saúde, teve a presença também do coordenador da Divisão de Saúde do Departamento de Tratamento Penal da Susepe, Júlio Pereira, da responsável pela Unidade Materno-infantil do Presídio Madre Pelletier, Sandra Corrêa, e da assistente social da Secretaria Municipal da Saúde, Sara Jane dos Santos.
Corrêa salientou a situação de “sofrimento psíquico” das detentas do Madre Pelletier e avaliou que o sistema penitenciário virou uma alternativa de segregação das populações vulneráveis, especialmente com a derrocada das políticas públicas de atenção. “Das quase 7 mil audiências de custódia realizadas nos últimos dois anos no âmbito das mulheres presas, apenas 1% resultaram em encaminhamento das detentas ao serviço social. Isso é fonte de mais estresse emocional”, disse.
Pereira, por sua vez, lembrou que uma portaria interministerial de 2014 instituiu uma política nacional de atenção integral à saúde das pessoas privadas de liberdade (PNAISP) no âmbito do SUS – o que, infelizmente, disse o coordenador, é desconhecido até pelo judiciário. “As prefeituras, de modo geral, se negam a criar unidades básicas de saúde dentro de presídios porque isso não dá voto. É mais fácil adotar a máxima popular de bandido bom é bandido morto. Falta vontade política”, criticou.
Mas o servidor da Susepe lembrou que a recuperação dos apenados, homens ou mulheres, é responsabilidade de toda a sociedade, não apenas do poder Executivo. “Nem o judiciário conhece as políticas públicas voltadas à saúde da população carcerária do país. Infelizmente, ignorar a atenção básica para essas pessoas não resolve o problema da violência no país. Pelo contrário, potencializa”, afirmou.
A assistente social Sara Jane dos Santos reforçou os argumentos de Pereira lembrando que a decisão pelos investimentos em saúde é seletiva, excluindo a população carcerária que é majoritariamente negra e pobre. “O investimento é sempre uma escolha política, voltada para pessoas de um determinado segmento social. Mas, nesse caso, o impetivo ético da vida vai embora porque aquela população tem uma tarja de crime que o acompanha e discrimina. É preciso sensibilizar os gestores para mudar esse quadro”, apelou.
O colóquio foi promovido pela Comissão de Políticas Públicas e pelo Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS, em parceria com o Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES/RS). A coordenação dos debates esteve a cargo da conselheira do CRPRS Fernanda Fioravanzo e da representante do CES/RS Károl Veiga Cabral.