O Conselho Regional de Psicologia participou do I Encontro Nacional de Redes de Atenção Psicossocial do SUS realizado em dezembro na cidade de Pinhais/PR. As conselheiras Cristiane Bens Pegoraro e Michele dos Santos R. Lewis e o conselheiro Marcelo Bastos da Silva Martins representaram o CRPRS na atividade.
O Encontro foi promovido pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Departamento de Atenção Especializada e Temática/Secretaria de Atenção à Saúde/Ministério da Saúde, com a colaboração da Coordenação Municipal de Saúde Mental da SMS de Curitiba, e o apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, da Prefeitura de Curitiba e da Secretaria de Saúde do Paraná.
Confira a carta produzida pelos participantes do evento.
Carta do I Encontro Nacional da RAPS
Nós, trabalhadores, usuários e familiares, participantes do Encontro Nacional das Redes de Atenção Psicossocial, exercendo o protagonismo político que nos cumpre, vimos manifestar nossa preocupação face ao atual momento da Reforma Psiquiátrica trazendo algumas reflexões necessárias ao seu enfrentamento.
Na presente conjuntura, constatamos a grave ameaça de retrocesso representada pela política governamental para a atenção às pessoas em uso prejudicial de álcool e outras drogas. O financiamento das comunidades terapêuticas por verbas públicas, o número sempre crescente de internações compulsórias e as medidas higienistas em geral revelam a admissão implícita, por parte do poder público, do discurso moralizante da famigerada guerra às drogas, reeditando perigosamente a estrutura e as concepções do manicômio.
Tal política se coloca em clara contradição com nossa valiosa prática do cuidado em liberdade, ferindo, ademais, a garantia constitucional da saúde como direito e dever do Estado.
Reivindicamos, pois, ao poder público, e, muito especialmente ao Ministério da Saúde, a adoção de uma política decidida e coerente no âmbito do uso prejudicial de álcool e outras drogas, segundo os princípios da Reforma Psiquiátrica e do SUS, que vimos tão arduamente sustentando no cotidiano das nossas redes.
Ademais, há vários outros pontos ainda frágeis na consolidação da Reforma Psiquiátrica brasileira. Dentre eles, aqui elencamos alguns.
A precariedade da atenção à crise nas Redes de Atenção Psicossocial, impedindo o indispensável fechamento dos mais de 30 mil leitos em hospitais psiquiátricos ainda existentes no país, torna inadiável o investimento nos CAPS IIII.
As dificuldades na montagem de RAPS efetivamente territorializadas e descentralizadas requer o compromisso efetivo do Ministério da Saúde, assegurando, acompanhando e fiscalizando a sua implantação.
O grande descompasso entre a formação oferecida pela universidade e aquela requerida para os trabalhadores das redes mostra a necessidade de radicalizar o ensino e a transmissão nas RAPS, fazendo florescer seu vigoroso potencial formador.
É preciso valorizar e difundir equipamentos tipo Centros de Convivência, inventivos e inovadores, voltados para a produção de arte, cultura e lazer, com a garantia de seu financiamento pelo Ministério da Saúde e Secretarias de estado.
Urge, ainda, opormo-nos firmemente a todas as formas de privatização da Saúde e precarização dos vínculos de trabalho, tais como aquelas promovidas pelas OS e outras modalidades de terceirização do SUS.
Desejamos louvar o empenho e o zelo da equipe da Coordenação Nacional de Saúde Mental, ao realizar este primeiro Encontro Nacional das RAPS, cumprindo a importante função de acolher generosamente os 3.000 participantes dispostos a lutar por seu trabalho e pelos princípios que o regem.
Que venha logo o segundo encontro, construído de forma coletiva com os trabalhadores, usuários, familiares, movimentos sociais, ainda mais participativo, democrático e desinstitucionalizado, propiciando também, cada vez mais, a politização do debate, a formulação precisa das questões e a deliberação conjunta de estratégias para o seu enfrentamento.
Concluindo, enfim, ressaltamos o nosso desejo de atuar como parceiros e interlocutores desta Equipe para modificar as complexas relações políticas em jogo na construção da Reforma, buscando torná-las favoráveis ao nosso belo e apaixonado projeto de uma sociedade sem manicômios.
RECOMENDAÇÕES AO MINISTÉRIO DA SAÚDE
1) Recomendação sobre a Política de Álcool e Outras Drogas:
Vimos reafirmar a necessidade de efetiva implementação dos serviços públicos previstos na Portaria nº 3088/2011.
Reafirmamos a necessidade da retirada das Comunidades Terapêuticas como serviços da RAPS e de todas as formas de financiamento público das mesmas, uma vez que ferem princípios fundamentais da Reforma Psiquiátrica e do SUS.
Instaurar ação interministerial para Alinhamento das Políticas da SENAD segundo as diretrizes da Reforma Psiquiátrica e do SUS.
Reafirmamos a necessidade de o poder executivo respeitar o Controle Social na formulação, implementação e avaliação das políticas de saúde desta área.
Reforçarmos a Redução de Danos como estratégia para cuidado de pessoas em sofrimento mental decorrente do uso nocivo de álcool e outras drogas.
2) Recomendação sobre aos equipamentos de resposta à Crise:
Garantir investimentos efetivos para os serviços substitutivos independente do quantitativo populacional dos municípios, promovendo consórcios entre municípios, priorizando o atendimento às crises nas Redes de Atenção Psicossocial de forma a descartar definitivamente as internações em Hospitais Psiquiátricos e possibilitando o fechamento dos leitos ainda existentes.
3) Recomendações quanto à formação em saúde:
. Articulação entre instituições de ensino (IES/MEC e Rede SUS/MS de forma a favorecer a formação dos profissionais inseridos na rede e em formação, pautadas nos princípios da Reforma Psiquiátrica.
. Formação universitária, para todos os cursos da área da saúde, que contemple as necessidades da rede, pautadas nos princípios da saúde pública.
. Ampliação do número de programas para capacitação profissional através de Residências Médicas e Multiprofissionais em Psiquiatria – Saúde Mental, na rede substitutiva e pública, baseada nos princípios do SUS.
. Garantia dos espaços de formação e educação permanente/continuada para os trabalhadores, de maneira a utilizar o espaço de trabalho como ambiente de formação.
4) Recomendações quanto aos centros de convivência e cultura:
Regulamentação em nova portaria ministerial, com previsão de infra-estrutura e recursos humanos adequados, instituindo formas de incentivo e fontes de financiamento para sua implantação e manutenção.
5) Recomendações quanto à rede de atenção psicossocial:
Reafirmar o funcionamento em rede, potencializando a assistência através do cuidado compartilhado como lógica norteadora da assistência no território, de forma efetivamente descentralizada, priorizando o atendimento à crise nos CAPS, fortalecendo e estruturando a Atenção Básica e os demais pontos da rede pública especificados na RAPS.
Documento aprovado por aclamação na plenária de encerramento (MEGA ÁGORA) do I ENCONTRO NACIONAL DA RAPS Pinhais (PR), 6 de dezembro de 2013.