A palestra online “Socioeducação no RS: trajetórias, desafios e os 31 anos do ECA”, promovida pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Fundações Estaduais do RS (SEMAPI), aconteceu na última segunda-feira, 12/07, às 19h, em parceria com o CRPRS. A atividade foi marcada por discussões acerca do sistema socioeducativo no Estado do Rio Grande do Sul e contou com a fala da psicóloga e presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Carmen S. de Oliveira (CRP 07/00974).
O termo “socioeducação” ficou conhecido com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, que dispõe, entre outros direitos de proteção, da intervenção de medidas socioeducativas a adolescentes autores de atos infracionais. Em 2012, o Congresso Nacional sancionou a Lei nº 12.594, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução dessas medidas.
“A Lei do Sinase é explícita ao determinar que suas funções executivas sejam de competência da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, intitulada, hoje, como Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Há, ainda, a ideia de que a gestão estatual tivesse, também, essa mesma inserção. Ou seja, isso significa que, na época, o legislador decidiu não misturar o sistema socioeducativo com o penitenciário, entendendo que o sistema socioeducativo faz parte dos Direitos da Criança e do Adolescente”, introduziu Carmen ao frisar que, já no marco legal, existe um evidente cuidado no sentido de evitar qualquer tipo de confusão entre o sistema prisional, destinado a adultos, e o sistema socioeducativo, destinado às/aos adolescentes.
“A partir dos anos 2000, eu acompanhei de perto esses processos de fortalecimento do ECA, não só da politica socioeducativa, aprovada pelo Conanda em 2006, mas, também, do marco legal e de várias iniciativas governamentais, como, por exemplo, política de financiamento das medidas de meio aberto, construção de novos parâmetros arquitetônicos e a criação de uma comissão intersetorial, composta, na época, por 12 ministérios. Porém, atualmente, nós estamos diante de um retrocesso muito grande. Pela primeira vez, desde a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ‘menorismo’ foi transformado em politica nacional, com uma concepção de uma infância e adolescência discriminada”, contextualizou Carmen ao lembrar das políticas de opressão, estabelecidos pelo Governo Federal.
“Em nenhum programa de governo, testemunhamos o que estamos vendo hoje. Nós temos uma agenda do Séc. XVI em politicas de crianças e adolescente, que é defendida pelo próprio presidente e vários de seus ministros, como, por exemplo, a redução da maioridade penal, defesa dos castigos corporais, diminuição da idade no trabalho infantil, abstinência sexual para adolescentes, a recusa da educação sexual nas escolas, a proposta de educação domiciliar que retira a criança da convivência comunitária, a institucionalização de adolescentes usuários de drogas nas chamadas comunidades terapêuticas, entre outros”, completou.
Atualmente, há um processo de mudança do locus administrativo da Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE) do Rio Grande do Sul, onde está sendo considerada a inclusão do sistema socioeducativo na pasta responsável pela administração penitenciária. No decorrer da próxima quinta-feira, 15/07, esse assunto será tema de uma audiência pública, na Assembleia Legislativa do RS, para averiguar se o processo põe ou não em risco os princípios e os paradigmas da Lei do Sinase.
Neste caso, embora a maioria das manifestações contrárias a mudança de pasta frisam que as funções do sistema socioeducativo não podem se confundir com as do sistema prisional, a presidenta do Conanda, ao ler o relatório Panorama da Execução dos Programas Socioeducativos de Internação e Semiliberdade nos Estados Brasileiros, feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em 2019, interpreta que essa situação não é de grande preocupação, já que, segundo ela, as violações de direitos constatadas no sistema socioeducativo brasileiro, como casos de superlotação, perpassam por várias estruturas administrativas, independentemente de ser junto com a politica de segurança pública ou com à politica de educação. “O relatório reconhece que, mesmo se o sistema socioeducativo estivesse em áreas de assistência social e direitos humanos, justiça, cidadania, educação e trabalho, isso não fazia por si só os sistemas mais alinhados com os princípios e paradigmas do Sinase. Para mim, não há muita preocupação em relação a isso, porque a lei já garante, do ponto de vista legal, a especificidade do sistema socioeducativo.”
Já para o mediador do evento, Leonel Rodrigues, diretor colegiado do SEMAPI, há um medo maior de que esse processo abra caminho para outros revogaços. “O grande medo é que esse marco seguro seja revogado, infelizmente o que notamos é que esse pacto está sendo desfeito e desmanchado a cada emenda constitucional, a cada ação do Governo Federal, a cada nova proposta que tramita no Congresso. Assim foi com as áreas trabalhista e previdenciária e com conquistas que foram importantes no processo de redemocratização. O ECA e o Sinase não parecem estar isentas nesse ataque”, defendeu Leonel.
A atividade aconteceu via videochamada pelo Zoom, mediante inscrição prévia, e propôs um espaço de troca entre todas/os as/os participantes.