O CRPRS realizou, na quinta-feira, 15/07, às 19h, o segundo dia do “Seminário Relações Raciais: referências técnicas para atuação de psicólogas/os – Módulo II”. Na ocasião, o tema sugerido “Psicologia e a área em foco” promoveu um espaço de reflexões acerca do papel da categoria diante do histórico brasileiro de violências contra povos indígenas e negros.
A atividade, organizada pela Comissão de Relações Étnico-Raciais do Conselho, tem duração de três dias e acontece mediante inscrição prévia. Clique aqui para conferir toda a programação e aqui para assistir o segundo dia do seminário no YouTube.
Mediada pela conselheira Roberta Gomes, a discussão se iniciou com a apresentação do documentário “História da Psicologia e as Relações Étnico Raciais”, produzido pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRPSP). O objetivo da exibição foi analisar, por meio de uma linha do tempo histórica, a prática da Psicologia brasileira no decorrer de 500 anos. “Entre o extermínio absoluto e a sutil colonização cotidiana que a gente dá, nos mais diferentes passos e olhares, a Psicologia, infelizmente, já foi e ainda é usada para estas formas de controle social”, explicou uma das fontes do documentário ao relatar que é possível observar que a categoria continuou reproduzindo, por séculos, o processo de violência estrutural que formou a identidade latino-americana e que tem como base a anulação direta e real da vontade do outro, resultando na tentativa de silenciamento do sofrimento negro e indígena.
Segundo o documentário, foi no século XVIIII que a Psicologia no Brasil passou a ter um alinhamento com teorias eugenistas, ou seja, a ideia de raça biológica, de que haveria seres humanos superiores e inferiores, chegava da Europa ao país. “As teorias raciais foram absorvidas muito rapidamente pela elite intelectual brasileira. Era um momento de fim da escravidão, mas nada foi feito para que a população negra fosse inserida à população brasileira como um todo. Boa parte desses intelectuais, da época, começaram a se apropriar das teorias raciais para justificar a não mobilidade entre as classes.”, relatou a psicanalista Lia Novaes Serra, entrevistada, também, pelo CFPSP.
Nesse período, a categoria utilizou dessas teorias para se constituir como ciência, praticando, por exemplo, testes que mediam inteligência, classificação emocional e até a chamada “Psicometria”, onde fazia a medição de crânios, justificando, por exemplo, a partir desses parâmetros, as desigualdades sociais, como se todo o sofrimento da negritude e dos povos indígenas fosse causado por eles serem, “biologicamente”, menos evoluídos que os brancos.
Entre 1930 a 1950, ocorre na Psicologia brasileira a desconstrução do determinismo biológico, mas há, ainda, uma limitação desses estudos no período, porque os intelectuais limitaram-se a descrever a ocorrência do preconceito racial operando, produzindo pouco conhecimento sobre aquilo que a categoria poderia fazer para promover a igualdade ético-racial.
Após o término da Segunda Guerra Mundial, com o mundo chocado com as atrocidades nazistas e o que o ser humano é capaz de produzir a partir desta ideia de raça, o Brasil, por ser um país miscigenado, começa a ser apontado pelos estudiosos como o “paraíso racial”, onde se tinha uma ideia de que brancos, negros e indígenas vivessem muito bem juntos. Diante disso, a Unesco de São Paulo realiza uma série de estudos sobre essas relações e, em 1955, publica os resultados da pesquisa no livro Brancos e Negros em São Paulo, onde constata que, no Brasil, não existe harmonia racial e, sim, o contrário. Na época, a surpresa desses estudos ajudou a desconstruir a falsa sensação de que aqui no país não houvesse preconceito.
Só a partir dos anos 70 que a Psicologia passou a se concentrar em um eixo intercultural e questionar a forma com que as relações entre grupos culturalmente diferentes acontecem, tentando entender os processos de violência e opressão.
Para a mediadora da atividade, Roberta Gomes, é importante reconhecer que a categoria foi influenciada pelo processo de colonização e da eugenia. “E eu fico me questionando qual seria o nosso papel, enquanto psicólogas/os, nos dias de hoje, para superar essa lógica de uma Psicologia colonizada, eugenista e eurocentrada”, indagou Roberta à convidada da noite, Clélia Rosane dos Santos Prestes (CRP 06/135410), trabalhadora do Instituto AMMA Psique e Negritude.
“É interessante pensar onde estamos, atualmente. Trago o exemplo da política de cotas nas universidades: de lá para cá, houve um aumento significativo de negros e indígenas nas faculdades. Com esse aumento, felizmente, estamos diante de um número muito maior de produções, pesquisas e, também, de tensões no meio acadêmico para que essas questões apareçam em aulas, de que as referências teóricas não sejam apenas de autores europeus, brancos e heteronormativos. Porém, negativamente, percebo que há, ainda, tensões emocionais por parte dos universitários negros, por frequentarem um meio acadêmico e encontrarem um ambiente que os recebe por conta das cotas, mas que não se preparou para incluir, efetivamente, as teorias e discussões negras e indígenas.”, trouxe Clélia. Ela destacou, ainda, que essa discussão deve ser pautada não só pelas pessoas negras e indígenas, mas por todo o resto da sociedade. “Não basta só dizer ‘sim, o racismo existe’, a gente precisa discutir todos os privilégios da branquitude, também"
Roberta, nesse momento do debate, salientou que as pessoas brancas também sofrem por conta do racismo. “Essa é uma leitura muito importante, porque nós, psicólogas/os, passamos a entender porque esses sujeitos como subjetivados por essa ideologia e não ‘maus por natureza’.”
“A construção da subjetivação de alguém que cresce achando que seu cabelo é normal em detrimento de outro que é ruim, apenas porque seu cabelo é liso, é tão problemática quanto a de alguém que acha que seu cabelo é ruim. Os processos de subjetivação para ambas as figuras ou grupos são deturpados e precisam ser considerados”, comentou Clélia.
“Temos que nos concentrar em ter diversidade de pessoas em determinados espaços de poder, nos referenciais de beleza, intelectualidade. O momento é de grande desafio, de diversificar toda essa produção na academia, de diversificar as cores das pessoas na universidades e dos assuntos que a Psicologia assume. Para algumas pessoas, fica a noção de a psicologia não deveria discutir política e sim ser neutra, mas isso é impossível. Não há neutralidade, ainda mais em um contexto de violências estruturais. Diante disso, pensando em na nossa área que se propõem a buscar saúde, não fazer nada é ser conivente com um contexto de determinação e adoecimento”, concluiu.
O segundo dia do seminário abriu espaço para que todas/os as/os participantes pudessem expressar seus questionamentos e reflexões. Para se inscrever e participar do último dia do evento, em 22/07, clique aqui.
Vem aí o 11º CNP
O “Seminário Relações Raciais: referências técnicas para atuação de psicólogas/os - Modulo II” já foi considerado um evento preparatório para as etapas que antecedem o 11º Congresso Nacional da Psicologia (CNP), instância máxima em que são discutidas e deliberadas políticas prioritárias para os próximos anos, ou seja, para as próximas gestões dos Conselhos Regionais e do Federal.
O 11º CNP será realizado pelo Conselho Federal de Psicologia de 2 a 5 de junho de 2022 e terá como tema “O Impacto Psicossocial da Pandemia: Desafios e Compromissos para a Psicologia Brasileira Frente às Desigualdades Sociais”. Para participar é preciso ter sido eleita/o delegada/o nos Congressos Regionais da Psicologia (Coreps), que serão realizados entre 18 de março e 17 de abril de 2022. Os Coreps reúnem as/os representantes que foram eleitas/os nos Pré-Congressos, que acontecem entre 30 de setembro de 2021 a 28 de janeiro de 2022.
Fiquem atentas/os à agenda dos Pré-Congressos que serão promovidos pelo CRPRS e participem!