Com auditório lotado, o CRPRS promoveu no sábado, 05/05, debate sobre as consequências da Reforma Trabalhista para a saúde das/os trabalhadoras/es. O evento “Reforma Trabalhista: Quais os impactos na Saúde dos/as Trabalhadores/as?” foi organizado pela Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho (CPOT) com o objetivo de discutir como a Psicologia pode atuar diante dos impactos da Reforma Trabalhista, em vigor desde novembro do ano passado.
Na abertura da atividade, a conselheira presidente do CRPRS, Silvana de Oliveira, destacou a importância da Psicologia tratar de temas que estão em evidência na sociedade.“É fundamental que tenhamos um olhar crítico sobre a sociedade, considerando o momento em que estamos vivendo, para avaliar nossa prática, o trabalho ético e técnico da/o psicóloga/o nesse contexto”, afirmou. Para Silvana, a Reforma Trabalhista é uma das mudanças em nossa sociedade que impacta diretamente na perda de direitos sociais e, consequentemente, nas condições de subjetivação das pessoas.
Cibele Vargas Machado Moro, conselheira presidente da CPOT, destacou a importância de uma atuação crítica das/os psicólogos/as. “Independentemente do campo de atuação, a/o psicóloga/o deve ter um posicionamento crítico, analisando a sociedade e as relações de poder dentro das organizações. A Reforma não pode passar em branco pela nossa profissão, é preciso pensar como nós psicólogas/os podemos atuar preventivamente”.
O evento contou com a participação do procurador do trabalho Rogério Fleschmann, representante do RS na Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho (Codemat). Rogério lembrou que a Reforma tramitou e foi aprovada pelo Congresso com base na estatística equivocada de que o Brasil seria o país campeão mundial de reclamatórias trabalhistas. “A informação que 98% de todas as ações trabalhistas do mundo seriam ajuizadas no Brasil foi amplamente divulgada e, num espaço de histeria coletiva de direita, a Reforma acabou sendo aprovada sem uma ampla discussão”.
A precarização do vínculo de emprego – principalmente com a autorização da terceirização da atividade fim e com a possibilidade de contratação como autônomo exclusivo – impactará na saúde e na segurança do trabalhador. “Se todas as empresas cumprissem com suas obrigações trabalhistas, a terceirização não teria problema. Porém, sabemos que isso não acontece”. Com a precarização, a tendência é de que tenhamos ainda menos notificações por acidente de trabalho. Segundo Rogério, estatísticas do Ministério Público do Trabalho mostram que, em 2016, 506 trabalhadores morreram em acidentes de trabalho, contudo, apenas 139 óbitos foram registrados por uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). “Psicólogos terão muito trabalho se fizermos uma revolução das notificações do adoecimento. Dos 506 mortes registrados em 2016, não há nenhum apontamento de adoecimento, o que é alarmante e preocupante”. Segundo projeção da Organização Internacional do Trabalho, para cada acidente típico há seis óbitos por adoecimento. "Se a Reforma Trabalhista não for usada com moderação há uma grande tendência de as pessoas continuarem adoecendo por conta do trabalho", destacou.
Com a Reforma, trabalhadores estão deixando de procurar a Justiça, por medo de perderem a ação e terem que pagar por uma perícia, por exemplo. “Isso fere o direito da improcedência da ação”, afirmou. “Considero essa a reforma do preconceito, pois atinge diretamente o trabalhador de baixa renda”. Além disso, o tabelamento de valores pagos em indenizações por danos extrapatrimoniais também é um caso único no Direito, principalmente por considerar o pagamento proporcional ao salário do ofendido.
Logo após a fala do procurador do trabalho, a psicóloga e professora doutora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) Carla Bottega falou sobre os possíveis impactos dessas mudanças na vida da população. Carla destacou posições importantes tomadas pelo Sistema Conselhos de Psicologia diante das mudanças que estão acontecendo no país, estado e município, principalmente nas políticas públicas. “A Reforma Trabalhista está no conjunto das transformações impostas politicamente nos últimos anos que vão contra a garantia de direitos e dispositivos constitucionais”. Notas sobre instituição do programa de cadastro especial de voluntários para a Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Porto Alegre; inclusão de hospitais psiquiátricos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS); discussão da Resolução do CFP nº 001/1999; repúdio do assassinato brutal da vereadora Marielle Franco (PSol) e do motorista Anderson Pedro Gomes; posicionamento do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco sobre a Reforma Trabalhista; demissões em massa em universidades particulares; criação de um novo Sistema de Saúde, proposta apresentada no “I Fórum Brasil - Agenda Saúde”, organizado pela Federação Brasileira de Planos de Saúde (Febraplan) foram citadas por Carla como ações do Sistema Conselhos que caracterizando o contexto em que vivemos. Como o Sistema Único de Saúde (SUS) é onde deve ser implantada a política nacional de saúde do trabalhador, Carla também vê com preocupação a Emenda Constitucional nº 95/2016, conhecida como Teto dos Gastos, que congela gastos públicos nos próximos 20 anos em Saúde e Educação. “O SUS nunca teve o financiamento previsto por lei. Agora a situação é ainda mais crítica”.
Com o aumento das formas precarizadas de contratação, a redução da judicialização,o menor número de trabalhadores com carteira assinada e o aumento do desemprego, precisamos refletir sobre o que essas medidas representam e sobre as consequências práticas na garantia de direitos já conquistados. Para Carla, as estratégias coletivas de defesa do trabalhador – que sempre foram importantes para a construção de resistências – estão perdendo espaço para o individualismo e a solidão. “Solidariedade e cooperação são aspectos necessários ao enfrentamento cotidiano no trabalho que estão desaparecendo. Há um estímulo ao individualismo exacerbado que não permite a construção de vínculos. Vivemos a patologia da solidão. As pessoas deixam de usar espaços públicos para discutir seu trabalho e seu sofrimento e sabemos que a transformação desse sofrimento passa pelo uso da palavra nesses espaços”.
Para Carla, a atual conjuntura tende a aumentar situações de violência psicológica, assédio moral e, consequentemente, sofrimento e adoecimento. "Precisamos discutir qual o sentido do trabalho? É necessário que a organização seja repensada e enfrentada para que opere centrada nas necessidades dos trabalhadores”.
Em sua apresentação, Carla citou ainda o Dossiê Reforma Trabalhista, lançado por Pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, que destaca a transformação do trabalhador em um empreendedor de si próprio, responsável por garantir e gerenciar a sua sobrevivência em um mundo de trabalho que retirará a já frágil rede de proteção existente.
Logo após as falas, as/os participantes puderam debater o tema. A Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional quer ampliar ainda mais o debate junto a psicólogas/os e outros profissionais. As reuniões da CPOT acontecem sempre na primeira segunda-feira de cada mês, na sede do CRPRS.
-> Confira gravação da transmissão do evento feita pelo facebook.