De 21 a 23 de outubro, aconteceu na sede do CRPRS o curso de extensão “Assistência Social e Judicialização da Vida” promovido pelo Núcleo de Estudos em Políticas e Tecnologias Contemporâneas de Subjetivação (E-Politics) do PPGPSI – Instituto de Psicologia – UFRGS.
A atividade problematizou as relações estabelecidas entre diferentes campos do saber a partir das políticas sociais e seus efeitos no mundo em que vivemos. O público teve a oportunidade refletir sobre o exercício profissional nos serviços que compõem o Sistema Único de Assistência Social e potencializar o caráter interdisciplinar das intervenções que visam à garantia de direitos.
Na terça-feira, 21/10, a mesa de abertura teve como tema “Judicialização da Vida” contou com a participação das integrantes do Núcleo E-politics da UFRGS, Lilian Cruz, psicóloga, docente da UFRGS; Mariana Weigert, advogada, docente da UniRitter e Alessandra Miron, psicóloga, presidente do CRPRS. O tema provocou muitas inquietações entre os participantes que compartilharam conflitos que surgem no dia a dia, nessa interlocução das práticas de psicólogos, assistentes sociais e profissionais do Direito. “Nessa discussão surgiram questões relacionadas ao fato de o Direito pedir que Ciências como a Psicologia e a o Serviço Social estejam, de alguma forma, submetidas ao seu saber como se esse fosse um saber soberano”, destacou Mariana. Lilian ressaltou a necessidade de pensarmos como a judicialização atravessa nossa vida em diversas esferas, não apenas a do trabalho.
Nesse mesmo dia, à tarde, foi realizada a mesa “Diálogos sobre a produção de documentos na assistência social”. Para a advogada Francieli Zilio, do Círculo Operário Leopoldense, o diálogo é algo imprescindível para que a Psicologia se aproxime do Direito dentro do sistema de garantia de direitos. A psicóloga fiscal do CRPRS, Letícia Giannechini, falou sobre os limites na produção de documentos pelos psicólogos que atuam na Assistência Social. “Há limites nas informações que podem ser passadas em um documento e somente o profissional, tendo por base um caso concreto, pode estabelecer isso, sempre tendo em vista a proteção da criança e a necessidade de diminuir o risco ou a violência que a criança está sofrendo”. Conselheira do CRESS – 10ª região, a assistente social Bruna Machado reforçou a necessidade de os conselhos profissionais estarem próximos ao cotidiano de trabalho para que, juntos, pensem na construção de possibilidades de atuação. “Muitos profissionais não dão conta da demanda pela precarização dos serviços, pela falta de estrutura. Diante disso, precisamos ajudá-los a pensar em alternativas”.
No segundo dia do evento, o debate “Medidas socioeducativas e justiça restaurativa” iniciou com a fala da psicóloga Gislei Lazzarotto, coordenadora do Estação Psi e integrante do PIPA – UFRGS, que discutiu as políticas públicas enquanto políticas de governo, enfatizando que não cabe à Psicologia o lugar de julgamento, mas sim, de singularizar relações e reações que envolvem o adolescente e o ato infracional. A fala foi seguida pela performance da acadêmica de Psicologia Cecília Suñé e integrantes do Coletivo Fila, que compõe o Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes em Conflito com a Lei (PIPA). Eles interpretaram vivências de mães cujos filhos cumprem medidas socioeducativas. Logo após, os advogados Daniel Achutti e Raffaella Pallamolla falaram sobre justiça restaurativa e como ela pode possibilitar a ruptura da lógica punitiva de nossa sociedade, na medida em que não tiver seus mecanismos simplesmente adicionados às práticas do sistema vigente.
À tarde o filme “A Caça” foi o disparador para discutir situações que envolvem violência sexual. O debate contou com a participação da advogada dos direitos da criança e do adolescente, Alda Menini; da psicóloga do CREAS Centro/FASC, Marisa Warpechowski e do psicólogo, conselheiro do CRPRS, Anderson Comin.
Anderson destacou que muitos casos envolvendo violência sexual se concentram na criminalização, na produção da prova, deixando de lado o cuidado para a própria criança. “Ela está sofrendo, independente de o abuso ter ocorrido ou não”. Marisa enfatizou a importância de eventos como esse. “Espaços coletivos como esse são importantes para compartilhar interrogações e produções, renovando práticas, já que nosso dia a dia costuma ser muito solitário”.
Em 23/10, o “Atendimento Psicossocial no SUAS” foi o tema da primeira mesa do dia. Os participantes discutiram sobre a importância de se trabalhar interdisciplinarmente. “As pessoas se enxergaram muito nesse trabalho imperativo de produzir junto e isso é bem difícil. A política nos pede isso, mas não diz como fazer. Temos que construir uma forma de efetivar esse trabalho em equipe no campo, já que nossa própria formação não prepara para isso”, afirmou a mediadora da mesa, a conselheira do CRPRS, Caroline Martini Kraid Pereira.
André Sales, assessor técnico de políticas públicas do CRPRS, participou do debate falando sobre a estruturação do trabalho do psicólogo dentro do campo da assistência social, uma política publica que carrega em si uma dimensão intersetorial. “A dificuldade está, muitas vezes, em entender a dubiedade dessa política publica, considerando que ela não é feita de intenções únicas, é feita de várias”.
A pedagoga Patrícia Monaco destacou a intersecção que a pedagogia pode provocar dentro do SUAS, compondo um trabalho psicossocial junto a outros saberes. Além dela, o advogado Divoli Brasil Lopes Júnior, a assistente social, Paulina dos Santos Gonçalves e também participaram do debate. Divoli ressaltou que o advogado é um técnico social como os demais profissionais da área e deve participar de outras atividades e intervenções a partir dessa condição, indo além daquilo que é especificamente relacionado à Área Jurídica dentro dos CREAS.
À tarde, a psicóloga Mirela de Cintra, a assistente social Débora de Paula e a psicóloga Suzana Morais Pellegrini participaram da mesa “Diálogos sobre acolhimento institucional a partir da crônica ‘Como se fabricam crianças loucas’”. As palestrantes problematizaram os fatores que envolvem o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, as situações em que crianças e trabalhadores se encontram nas instituições de acolhimento, assim como, possibilidades de resistência dentro da dinâmica deste tipo de serviço.
Na mesa de encerramento, “A criminalização da pobreza”, a psicóloga Carmen Oliveira, assessora técnica da diretoria do Grupo Hospitalar Conceição, consultora de direitos humanos de crianças e adolescentes, apresentou a necessidade de se começar a pautar essa discussão também na formação dos profissionais. “Grandes questões nacionais como a criminalização da pobreza e o racismo, por exemplo, afetam a vida de milhões de brasileiros e, por isso, devem ser pautadas na sua trajetória da formação”. Além disso, para ela a discussão deve ser ampliada com outros interlocutores como Judiciário e a Mídia, por produzir “imaginários sociais que acabam perpetuando estratificações”. Salo de Carvalho, advogado docente da Unilasalle e UFSM, alertou para o fato de que muitas opções que são dadas como alternativas penais acabam integrando o sistema. “Na verdade não são penas alternativas à prisão, se tornam penas alternativas à liberdade, pela mentalidade inquisitória que temos no sistema de justiça e pelo punitivismo que temos na sociedade”.
O evento “Assistência Social e Judicialização da Vida” propôs a articulação entre a produção acadêmica e a produção dos trabalhadores na área da Assistência Social e, com isso, tentar diminuir as distâncias que existem entre essas áreas, potencializando os saberes desses dois lugares para qualificar o exercício profissional.
O CRPRS quer dar continuidade a esse processo de reflexão sobre a judicialização da vida e sobre os ‘tribunais’ cotidianos em que nos inserimos. “As relações que vamos estabelecendo nos nossos locais de trabalho também são pautadas por essa lógica. Precisamos ficar atentos a elas para dar conta dos efeitos que emergem daí e pensar num contra fluxo a esse movimento”, destacou a presidente do CRPRS, Alessandra Miron.
Os principais momentos desses três dias de curso estão disponíveis no canal do CRPRS no YouTube. Clique aqui e assista aos vídeos.