O Núcleo de Gênero, Raça e Sexualidade da Subsede Sul do CRPRS, em Pelotas, propôs, na última quarta-feira, 16/12, um debate virtual sobre a questão do suicídio como realidade do racismo, sexismo, homofobia, transfobia e todas as outras formas de opressões, presentes na sociedade.
Hoje, a cada 23 horas, uma pessoa LGBT+ é assassinada ou se suicida no Brasil, segundo um relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB). E, ainda, de acordo com uma pesquisa do Ministério da Saúde, feita entre 2012 e 2016, as chances de uma pessoa negra, na faixa de 10 a 29 anos, suicidar-se é 45% maior do que as de uma pessoa branca.
Para entender esta situação, Catiane Pinheiro Morales (CRP 07 29710), coordenadora do Núcleo e, na ocasião, mediadora da atividade, convidou o psicólogo Diego Soares (CRP 05/60983) para participar da discussão.
Diego - que é mestrando em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e estuda o fenômeno banzo e os processos de subjetivação das pessoas negras a partir do diálogo entre literatura, religião e Psicologia - acredita que o suicídio não deve ser visto como um problema individual, mas, sim, social. “Essa perspectiva da depressão como a principal motivação para o suicídio, permite que a gente singularize essa historia, e acabe não percebendo que esse é um problema social, assim como o racismo, o machismo, a transfobia, a homofobia e etc.”, explicou.
O fenômeno banzo – chamado, também, de desgosto do cativeiro – apresentado por Diego, explica a ideia de melancolia do povo negro, diante das atrocidades sofridas desde o período colonial brasileiro até os dias de hoje, como, por exemplo, com a violência policial. O psicólogo relaciona o fenômeno com o suicídio e faz o seguinte questionamento: por que os corpos negros e suas histórias não aparecem nos discursos científicos da suicidologia?
Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece fatores de risco ao suicídio, sendo eles: doenças mentais, principalmente depressão e abuso/dependência de álcool e drogas, ausência de apoio social, histórico de suicídio na família, forte intenção suicida, eventos estressantes e características sociodemográficas (idade, gênero, orientação sexual, raça/etinia, pobreza, desemprego, baixo nível educacional).
Mas, para Diego, ainda há uma subnotificação dos casos. O que facilita a invisibilidade do sofrimento da pessoa negra e LGBT+, nos casos de suicídio. “Muitas vezes, por exemplo, as/os profissionais de saúde não preenchem a categoria “raça/etnia” do prontuário médico, por uma percepção senso comum de que esse não é um dado relevante ao suicida.”, destaca o psicólogo ao lembrar que, desde 2017, o preenchimento desse quesito no prontuário é lei, pela Portaria n° 344/2017 do Ministério da Saúde.
A discussão contou, também, com a participação da conselheira do CRPRS Míriam Cristiane Alves (CRP 07/24471), mestre e doutora em Psicologia pela PUCRS, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas ÉLÉÉKO - Agenciamentos Epistêmicos Antirracistas De(s)coloniais - e professora do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“O maior risco de suicídio na população negra está relacionado ao racismo estrutural, que vai causar maior sofrimento e adoecimento entre jovens e adolescentes negros e negras quando comparadas com os brancos da mesma faixa etária.”, explicou a convidada.
Míriam trouxe para debate o tema necropolítica, que se refere às políticas do Estado que ditam quem pode viver e quem deve morrer. Segundo ela, essa prática é evidente nas políticas de segurança pública, do país, onde a população negra está sendo morta, diariamente, vítima de ações da polícia.
Ainda sobre as subnotificações, a psicóloga comentou que o suicídio entre jovens trans também não está em evidência nas estatísticas, mas que acontece frequentemente. Com isso, ausentes das contabilizações, não são levados em conta, o que dificulta a chegada de ajuda do governo (políticas públicas em prol desses grupos). “Eu tenho a narrativa de um aluno meu - homem, negro e trans - que está extremamente preocupado com isso.”
“Não dá para falar em suicídio sem citar, também, os retrocessos em saúde mental que o Brasil vem enfrentando há, pelo menos, quatro anos, mas que se intensificaram com o governo Bolsonaro.”, destaca Miriam ao falar sobre os atuais cortes em programas de saúde mental e a volta de ideias manicomiais. “A reforma psiquiátrica brasileira se constitui em meio a uma disputa politica, ética e epistemológica no campo da saúde mental, disputa essa que não considera questões de raça, gênero e sexualidade.”, lamentou.
A vulnerabilidade produzida pelo estado acentua-se ao risco do suicídio ou da pessoa ser ‘suicidada’, como interpreta Miriam. “Assim como o Diego disse, o suicídio não é algo individual, a/o sujeito foi suicidada/o pelo estado necropolitico: através da falta de acesso a tudo, do silenciamento e do não pertencimento.”, completou.
O debate, que aconteceu via Google Meet, abriu espaço para que todas/os as/os presentes pudessem tirar suas dúvidas sobre o assunto com as/os convidadas/os.