Na noite de terça-feira, 14/12, a Comissão de Direitos Humanos do CRPRS promoveu o debate “O que é segurança?”, evento alusivo ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro.
“O CRPRS inicia essa discussão sobre o que é segurança, a partir de diferentes olhares, tendo em vista o efeito desse conceito na produção de subjetividades. Quais são os imaginários sociais sobre segurança e periculosidade que organizam a sociedade e suas práticas institucionais e cotidianas? O que podemos discutir e desconstruir sobre os modos de operação de violências e violações de direito e de criminalização tão legitimados na cultura? Como a Psicologia se relaciona com eles em seus diferentes contextos de prática? Não pretendemos responder a todas essas perguntas hoje, nem esgotar as discussões sobre o que é e o que poderia ser segurança. Esse é apenas um início.”, afirmou a conselheira Maynar Vorga, vice-presidenta do CRPRS e integrante da Comissão de Direitos Humanos, responsável pela mediação do debate.
Maynar destacou a importância de ouvir os movimentos sociais e trabalhadoras/es da ponta, que têm muito a contribuir sobre o tema para a Psicologia e para a sociedade como um todo.
Iniciando as apresentações, Luiz Felipe de Oliveira Teixeira, comissário de Polícia Civil aposentado, coordenador Estadual do Movimento Negro Unificado – MNU/RS, integrante do Grupo de Trabalho de Combate à Violência Contra População Negra, membro convidado da Comissão sobre a Verdade da Escravidão Negra da OAB/RS e integrante do Movimento dos Policiais Antifascismo, fez uma contextualização sócio-histórica sobre a origem da polícia e como se cria essa cultura da violência.
“A história do Brasil se constrói em cima da colonização e da escravização da população negra. Para isso, foi preciso desumanizar essas pessoas e, consequentemente, abriram margem para violências. Começou, então, a ser construída uma política de estado que garantisse essa exploração e violência. O primeiro modelo de polícia surge para proteger a família real e a corte. Ou seja, foi criada para proteger a elite e seu patrimônio. E, mesmo com toda a modernização, essa segue sendo a essência até hoje”, destacou. Para Felipe, a estrutura das polícias foi sendo construída para manter a periferia no seu lugar, longe das elites, e para proteger patrimônio e perseguir pessoas vulnerabilizadas e isso em um contexto de racismo estrutural. Outro problema social apontado pelo convidado refere-se à associação da figura do policial a um herói, sem ser visto como um trabalhador, que tem suas fraquezas. “Vivemos em uma sociedade cada vez mais violenta, não é algo só do policial. Não temos a cultura de resolver conflitos com o diálogo, a mediação, seguimos uma cultura do punitivismo e da violência”.
Lisiane Pires, empreendedora Social, ativista de causas de combate à vulnerabilidades sociais e idealizadora e presidente da Frente dos Coletivos Carcerários do Rio Grande do Sul e da 1° Comissão Carcerária de Bento Gonçalves RS, falou sobre o trabalho da Frente dos Coletivos Carcerários. “É importante pararmos para pensar o quanto a nossa história influencia a naturalização de alguns padrões da sociedade e tentar mudar isso. Estamos plantando uma sementinha agora para colher frutos no futuro”, afirmou. A importância da manutenção do vínculo familiar das pessoas privadas de liberdade foi defendida por Lisiane. “No nosso Sistema Prisional as famílias pagam a pena por ter pessoas privadas de liberdade, marginalizadas da sociedade. Lutamos pela manutenção dos vínculos familiares. O Estado oferece para cumprir a ressocialização? De fato, não há uma forma efetiva de ressocialização e a única ferramenta que temos é a manutenção desses vínculos familiares”.
Wesley Carvalho, assistente social, especialista em Saúde Mental Coletiva, mestre em Educação e doutorando em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS vinculado ao Núcleo E-politcs - Estudos em Políticas e Tecnologias Contemporâneas de Subjetivação, falou sobre sua experiência atuando no Centro de Acesso à Direitos, da Secretaria de Segurança Pública de Canoas, e no acompanhamento de jovens em cumprimento de Prestação de Serviços à Comunidade e com crianças e adolescentes evadidos do sistema formal de ensino. Ele resgatou as mudanças nas últimas décadas nas políticas pensadas para as juventudes, como as de medidas socioeducativas, que tratam da ressocialização de jovens em conflito com lei. “Muitas práticas de encarceramento são utilizadas como forma de punição, numa tentativa de fazer operar a justiça social e garantir a segurança pública, na perspectiva de proteção integral. Contudo, persiste um mal-estar e um silenciamento sobre situações e sujeitos que interrogam nossa capacidade de compartilhar e de estar junto. Vivemos em uma crise desses direitos fundamentais e de sucessivos ataques aos avanços de justiça. O discurso ultra neoliberal e conservador ganha força em uma sociedade desigual, marcada pelo preconceito contra vidas jovens, sobretudo pretas, pobres e periféricas”. Wesley apresentou índices que mostram essa realidade e acredita na necessidade de se trabalhar a segurança, de forma ampla, incluindo aspectos econômicos – com a garantia de trabalho produtivo e remunerado –, alimentar, acesso a políticas públicas, a benefícios assistenciais, saneamento e segurança contra violências físicas e psíquicas.
Maynar encerrou o evento ressaltando que outra forma de fazer segurança é possível, mas que, para isso, é preciso uma mudança de toda a sociedade e anunciou que será organizado um próximo encontro, para dar seguimento a essas reflexões.
Assista ao webinário “O que é segurança?” na íntegra: