O Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul manifesta preocupação e se posiciona publicamente em contrariedade ao Projeto de Lei Complementar Nº 245 de 2016 protocolado em 22 de novembro do corrente ano pelo Poder Executivo Estadual do Rio Grande do Sul junto à Assembleia Legislativa. A proposta, que pretende alterar a Lei Complementar Nº 13.259, de 20 de outubro de 2009, que dispõe sobre o Quadro Especial de Servidores Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul, da Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE), é uma das vinte e duas medidas que compõem o chamado “Pacote do Governo Estadual” e está disponível em publicação de 23 de novembro de 2016 do Diário Oficial da Assembleia Legislativa e em divulgação da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Atualmente, no Artigo 2º da Lei Complementar Nº 13.259, de 20 de outubro de 2009, estão previstos os cargos de Agente Penitenciário Administrativo, Agente Penitenciário, Técnico Superior Penitenciário e Quadro de Cargos em Extinção que integram o provimento efetivo de servidores da SUSEPE. No PLC 245/2016 é apresentada a unificação dos quadros das categorias funcionais constantes no caput para Guardas Prisionais submetidos ao regime de Dedicação Exclusiva. Neste sentido, conforme justificativa da proposição de alteração legislativa assinada pelo Poder Executivo Estadual, há previsão de porte de arma para toda a categoria de acordo com a Lei Nº 12.993, de 17 de junho de 2014, que altera o Estatuto do Desarmamento, para permitir que agentes e guardas prisionais tenham porte de arma de fogo mesmo fora de serviço.
De acordo com a descrição do cargo de Técnico Superior Penitenciário – quadro composto por profissionais com bacharelado em Psicologia, Serviço Social, Direito, Enfermagem, Odontologia, Nutrição e Farmácia – a SUSEPE prevê que os servidores desempenhem atividade de nível superior, de alta complexidade, envolvendo atendimento, assistência e orientação a pessoas em reclusão nos estabelecimentos prisionais na execução das penas privativas de liberdade, das medidas de segurança e restritivas de direitos, operacionalizando sua avaliação e o acompanhamento dos processos de socialização. Estas atribuições são fundamentalmente alicerçadas na concepção de “direitos humanos” preconizada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento constitutivo da Organização das Nações Unidas e ratificado pela Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948. Este preceito embasa todo o ordenamento jurídico brasileiro, sendo que o princípio norteador da interpretação e da aplicação da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como da atuação dos poderes públicos, é a dignidade da pessoa humana, mencionada já no Título I – Dos Princípios Fundamentais, Art. 1º, Inciso III.
A Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal, é anterior à Constituição de 1988. Contudo, enquanto signatário de pactos internacionais obrigatórios – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) – e dos tratados internacionais que os ampararam, o Brasil assumiu compromisso internacional na garantia de direitos e na promoção de políticas públicas para a população transversalmente. Estes documentos internacionais são supremos no propósito de proteger as populações vulnerabilizadas pelo reconhecimento de sua suscetibilidade à violência, à exploração, ao abuso, à discriminação e à repressão, sendo que as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos adotadas a partir do Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955, estão entre eles. Elas dão suporte à execução da pena e à efetivação do tratamento penal junto às pessoas em privação de liberdade no sistema prisional.
Cabe destacar que os agentes ou guardas prisionais são os profissionais responsáveis pela tutela, vigilância e escolta dos custodiados das unidades prisionais, além de outras atividades relacionadas às rotinas e procedimentos da execução penal. Os técnicos superiores penitenciários, por sua vez, são promotores de políticas públicas, cuja atuação deve ser focada na garantia de direitos e na construção de autonomia junto aos sujeitos. A unificação do quadro funcional dá margem para que os técnicos passem a ser exigidos a desempenhar funções que não serão voltadas unicamente à promoção de justiça social, ocasionando a distorção do objetivo principal da sua atividade profissional pela indução da prática de custódia das pessoas reclusas.
Atualmente cerca de 230 psicólogas e psicólogos respondem como técnicos superiores penitenciários no sistema prisional. No entendimento de que a habilitação ao porte de arma por parte destes servidores pressupõe a supressão da equanimidade enquanto aspecto essencial do exercício profissional, o CRP-RS se posiciona em contrariedade ao PLC 245/2016. Soma-se a isso a pressuposição de construção de outro tipo de vínculo que não o terapêutico com os usuários, uma vez que as relações passarão a implicar mais a custódia que a promoção de autonomia na direção de uma vida mais digna e justa.
Porto Alegre, 20 de Dezembro de 2016.
Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul
Núcleo do Sistema Prisional
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