Desde 07/06, a sociedade acompanha a mobilização, em Brasília, de quase mil indígenas de mais de 40 povos de todas as regiões do país, no acampamento que ganhou o nome de Levante pela Terra. Os povos indígenas estão lutando contra a aprovação do PL 490/2007, que há muito tempo já tramitava no Congresso Nacional, mas agora ganhou força para ser votado – já foi aprovado, em 24/06, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, mesmo com diversas entidades de juristas apontando para sua inconstitucionalidade. O protesto do grupo no acampamento foi alvo de violenta repressão policial em 22/06 e tem levado a reações desdenhosas por parte de parlamentares que não reconhecem o direito constitucional dos povos indígenas às terras indígenas e tem recebido pouca repercussão na imprensa, apesar da sua importância.
O PL 490/2007 possui cerca de 13 outros projetos apensados, que em sua maioria versam sobre a alteração da legislação existente quanto ao regime jurídico constitucional e infraconstitucional de demarcação de terras indígenas. Ele prevê alterações no Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973), transferindo da União para o Congresso a competência para demarcar terras indígenas e inserindo no Estatuto a tese do Marco Temporal, que reconhece o direito à terra somente de povos que ocupavam o território até a promulgação da Constituição de 1988. A tese aguarda decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que está previsto para ocorrer nesta quarta-feira, 30/06, a parir das 14h, e poderá ser acompanhado pela TV Justiça.
O PL também veda a ampliação da terra indígena já demarcada e abre as portas desses territórios para construção de hidrelétricas, empreendimentos agropecuários, mineração, garimpo e estradas sem a consulta livre e prévia às comunidades afetadas (a consulta é prevista na Constituição Federal). Ele também coloca em risco a política indigenista de não contato com povos indígenas isolados (o isolamento é um direito de escolha dos povos) ao prever a hipótese de contato por “interesse público”, que poderia ser intermediado por “empresas públicas ou privadas” contratadas pelo Estado.
A Psicologia escolhe a vida. Isso significa que devemos desempenhar um posicionamento crítico frente às ameaças à vida e à sua diversidade revestidas de propostas de progresso. Os povos indígenas, com históricos singulares (mas marcados pela trajetória de genocídio e epistemicídio), resistem em seus territórios/terras, desenvolvendo suas práticas culturais e estratégias de sobrevivência, sempre ameaçados pelos mais diversos vetores sociais, ambientais, climáticos, políticos e industriais. Iniciativas legislativas como PL 490/2007 e a tese do Marco Temporal demonstram como a vida indígena está constantemente ameaçada. A maioria da sociedade brasileira desconhece a realidade indígena e, com isso, pouco a considera na construção social do Brasil, exceto pela via do 'folclore' e do 'exótico'. A formação educacional distorce a verdadeira história dos povos indígenas e africanos, persistindo uma narrativa hegemônica lastrada pelo olhar do colonizador. A Psicologia não foge a isso, com suas bases construídas na branquitude ocidental que patologiza e desumaniza as expressões da vida diversas dos marcos hegemônicos desenhados pela colonialidade. A Psicologia tem o desafio de desnaturalizar seu olhar sobre os povos indígenas ao desconstruir o lugar de "outro" que lhe outorgou, além de apropriar-se, em sua atuação, do compromisso com a garantia de direitos e políticas públicas relativas aos povos indígenas e suas vivências em diferentes contextos e etnias, no trabalho com saúde indígena, no apoio a ações afirmativas, assistência social, educação popular e demandas da população indígena em contexto urbano, a partir de uma perspectiva transdisciplinar que respeite os saberes tradicionais. Temos, como Psicologia e como sociedade, muito a aprender com esses povos que são 5% da população mundial mas responsáveis pela proteção de 82% da biodiversidade do planeta.
O respeito às terras indígenas deve ser compreendido como uma ação afirmativa e reparatória frente histórico de genocídio, escravização e expropriação dos povos indígenas ao longo do processo constitutivo do Brasil.
Por isso, a Gestão Frente em Defesa da Psicologia do CRPRS se posiciona contrária ao PL 490/2007, segue atenta ao julgamento no STF pela refutação da tese do Marco Temporal e chama a categoria a acompanhar essa situação e se mobilizar de forma a apoiar a luta indígena – que é a luta pelo futuro da terra, da natureza, de nossa sobrevivência como humanidade.
Saiba mais:
Parecer da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil sobre o PL 490/2007
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Crédito da foto: Marina Oliveira