O CRPRS está acompanhando o trabalho de Apoio Psicossocial durante o julgamento dos réus pelo incêndio na boate Kiss, ocorrido em 2013. As ações são voltadas a familiares das vítimas e sobreviventes, em Porto Alegre e Santa Maria. Além disso, o Conselho doou máscaras N95, álcool em gel, luvas cirúrgicas, copos descartáveis e crachás para as equipes do acolhimento.
As equipes de atendimento contam com estudantes e profissionais vinculados a diferentes instituições, como conselhos profissionais (CRPRS e CREFITO), universidades, movimentos sociais (Fórum Gaúcho de Saúde Mental, Coletivo Sou Sus, Coletivo Gerapoa, DCE UFSM), Secretarias Municipais de Saúde (Porto Alegre, Santa Maria e Canoas), Secretaria do Desenvolvimento Social de Porto Alegre, Secretaria Estadual de Saúde e profissionais liberais.
Para o conselheiro Pedro Pacheco, que vem acompanhando o trabalho na Tenda do Cuidado, instalada na parte externa do Fórum de Porto Alegre, o julgamento representa um momento importante para os familiares de vítimas e sobreviventes, por representar o fechamento desse tempo, na espera de respostas sobre os culpados.
Durante o julgamento, equipes reunindo profissionais de diversas áreas da Saúde e da Assistência Social estão trabalhando em escalas e se colocando à disposição para uma escuta de forma livre. “Aqui na tenda de acolhimento, na parte externa, eles encontram um espaço seguro, onde podem falar livremente e estão longe de toda a pressão que há em torno do julgamento. Nos procuram quando alguma situação os incomoda, em momentos difíceis de suportar. São pessoas que não estão acostumadas com a dureza do Sistema de Justiça, que não dá margem para afetos ou falas mais livres e emotivas. Aqui é um espaço que se tem isso, um local em que podem expressar seus sentimentos de forma livre”, explica Pedro que também ressalta a riqueza da troca entre as/os profissionais que estão nessa frente de trabalho, muitos com longa trajetória na área da Saúde Mental.
Pedro, que era também conselheiro do CRPRS em 2013, lembra da importância do trabalho do Conselho naquele momento. “O desastre trouxe um caos absoluto. O CRPRS teve um importante papel ao organizar equipes e ajudar a definir uma linha de cuidado. Havia muitos profissionais atuando, a maioria sem experiência para lidar com aquela situação”
Desde 2013, o fio condutor de todo o planejamento no atendimento a familiares e vítimas é orientado pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Conforme carta divulgada pelo Coletivo de Apoio aos familiares de vítimas e sobreviventes do incêndio na Boate Kiss, o desgaste gerado pelo tempo de espera do desfecho legal, acrescido do estresse dos trâmites jurídicos, tornam o período do júri (e os momentos anteriores e posteriores a ele) um momento crítico e que exige, dos envolvidos, suportar a escuta dos depoimentos, e a retomada dessas memórias. Diante dessa necessidade, foi organizado esse trabalho de acolhimento, uma força-tarefa interinstitucional e multiprofissional.
“A articulação do coletivo é fomentada pela implicação social, e compromisso com o cuidado em saúde, laboração tão importante e que não pode ser tarefa de uma única instituição. São oferecidos acolhimentos, cuidados e acompanhamentos com base na Atenção Psicossocial. Em Porto Alegre, a atenção dentro do fórum é coordenada pelo Departamento Médico Judiciário em parceria com a equipe do Acolhe Saúde (SMS/PMSM). Nesse cenário, foi garantida a presença de trabalhadoras/es do coletivo na sala do júri, como também, foi criada uma sala de convivência no interior do prédio. Ao mesmo tempo, criou-se a Tenda do Cuidado no estacionamento da EPTC próximo ao foro central. Onde é oferecido apoio, Práticas Integrativas e Complementares (PICS), entre outras intervenções.
Em Santa Maria, as/os trabalhadoras/es do coletivo estão ofertando ações interativas com a população, como a construção de uma colcha com mensagens e inscrições afetivas, cerzida a várias mãos, e um painel onde todos podem registrar reflexões e palavras de apoio e que são compreendidas como testemunhos, contribuindo para a elaboração de uma memória coletiva na cidade. Essas ações estão ocorrendo junto à Tenda da Vigília, espaço mantido pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), na Praça Saldanha Marinho. Em um espaço reservado (cedido pelo Clube Comercial) são ofertadas Práticas Integrativas e Complementares e escuta/acolhimento por profissionais da saúde mental por livre demanda. Além disso, o serviço Acolhe-Saúde, passou a atender em três turnos durante o período do júri”, explica a carta divulgada pelo Coletivo.
Esse mesmo coletivo de trabalhadoras/es elaborou manual de Diretrizes Técnicas para o Acompanhamento Psicossocial aos/às familiares das vítimas e sobreviventes do incêndio, que reúne informações dirigidas a profissionais de saúde e demais setores que compõem a rede de atenção psicossocial para o acompanhamento durante o julgamento do caso Kiss.
O material orienta, por exemplo, a prática do Acompanhamento Terapêutico (AT) como uma ferramenta de aproximação. “Parece ser possível que o modo de se colocar na relação com o outro do AT tenha elementos a serem utilizados no período de acolhimento durante o julgamento. Posicionar-se com uma escuta e respeito aos tempos e desejos dos/as familiares das vítimas e sobreviventes, bem como estar disponível para auxiliar questões do cotidiano que possam a vir se apresentar durante a estada em Porto Alegre, pode ser uma ferramenta importante de atenção psicossocial”. As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) também são algumas das estratégias de cuidados sugeridas neste material.
O Departamento de Ações em Saúde da Secretaria Estadual da Saúde, que também integra esse trabalho durante o julgamento, reforça a necessidade de se pensar nesse acolhimento pela perspectiva da linha de cuidado, considerando fluxos assistenciais seguros e garantidos ao usuário, a fim de atender as suas necessidades de saúde, ou seja, promover saúde a partir da realidade, contexto e situação singular. “A linha de cuidado incorpora a ideia de integralidade na assistência à saúde, unificando ações para proporcionar o acesso aos recursos que o usuário necessita, a partir da construção de um Projeto Terapêutico. Acolhimento, vínculo e responsabilização são estruturantes de uma linha de cuidado integral. O cuidado integral depende do ato acolhedor diante problema trazido pelo usuário, da presença e disponibilidade do profissional ao vínculo a partir do que for possível para cada pessoa atendida e da responsabilização pelo acompanhamento contínuo ao longo do processo de cuidado dentro da rede”, conforme material divulgado pela SES.