O CRPRS realizou, na terça-feira, 21/09, uma reunião alusiva ao Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, com o tema “Ser é poder estar: pessoas com deficiência no mundo do trabalho". A atividade foi transmitida pelo YouTube e está disponível para ser acessada no canal do Conselho.
O evento, organizado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) e Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho (CPOT) do CRPRS, contou com a fala de duas convidadas: a psicóloga Vitória Bernardes (CRP 07/17267), mulher com deficiência, feminista, militante de direitos humanos e conselheira do Conselho Nacional de Saúde, e a psicóloga Letícia Souza Mello (CRP 07/17409), servidora da Defensoria Pública do Estado, com atuação no Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) e na Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI).
Mediada pela presidenta do CDH, Cristina Schwarz, e pela presidenta da CPOT, Fabiane Machado, a reunião tinha como principal objetivo destacar a luta pela promoção de espaços de trabalho adequados às necessidades de todas/os e o papel da Psicologia no enfrentamento de desigualdades e opressões impostas às pessoas com deficiência. “Essas desigualdades e opressões são, cotidianamente, naturalizadas no nosso imaginário social e, por muito tempo, fizeram com que a Psicologia, também, operasse para a manutenção desse sistema de exclusão e violações de direitos”, introduziu Cristina.
Para a convidada Vitória Bernardes, antes de entrar no tema do trabalho, é sempre importante resgatar o que é ser uma pessoa com deficiência. "Geralmente, quando fazemos essa pergunta para alguém que não é deficiente, a resposta é ‘um problema, uma doença’, por isso, vale frisar que o Modelo Social da Deficiência, reconhecido pela nossa legislação, entende o conceito como resultado de, sim, condições individuais, de natureza física, mas, também, por interação com o meio, onde barreiras são construídas e impostas à nossa participação. Ou seja, não há como compreender a deficiência de forma isolada, porque ela só existe em relação ao outro. Para facilitar a compreensão, principalmente entre a categoria de psicólogas/os, vale o exemplo: da mesma forma que gênero é construção social, não está no corpo, mas nas relações sociais construídas a partir de determinadas características, a deficiência também é construção social, baseada na intolerância à diversidade funcional humana, que desconsidera as inúmeras formas e possibilidades que os seres humanos têm de viver, perceber o mundo e de se relacionar, estabelecendo uma única forma e regra para isso tudo acontecer, que é o considerado ‘normal’”.
“O 21/09 representa uma data em que nós podemos falar por nós mesmas/os, de diversas formas, precisamos estabelecer esse viés de protagonismo, de luta e existência sobre os nossos corpos”, destacou Vitória ao comentar sobre capacitismo, que é o ato de limitar a pessoa à sua deficiência, de achar que ela não é capaz de trabalhar, de ter uma vida adulta, construir uma família e ser independente. “Nós, enquanto psicólogas/os, precisamos entender o quanto a nossa prática profissional é utilizada para reforçar essas estruturas de discriminação. Precisamos ter consciência disso para que consigamos fazer um exercício mais ético e comprometido em não limitar, de maneira alguma, o sujeito com deficiência”, completou.
“Por mais que a gente defenda a deficiência como parte da diversidade humana, ela, hoje em dia, ainda está associada a trabalhos precarizados, a violências urbanas e de gênero e a uma série de outras violações de direitos. Atualmente, pessoas com deficiência são quase 24% da população total do país, mas, dessa porcentagem, somente 1% está empregada em trabalhos formais. A realidade é que somos invisibilizados nas mais diferentes relações e espaços da sociedade, porque, infelizmente, esse marcador do capacitismo, da imagem de que não somos capazes, é imposto aos nossos corpos diariamente”, reforçou Vitória ao questionar como a Psicologia Organizacional pode ouvir as colocações de pessoas com deficiências dentro das empresas e contribuir para mudar esse cenário de exclusão.
Diante disso, a psicóloga Letícia Souza Mello (CRP 07/17409), servidora da Defensoria Pública do Estado, trouxe alguns exemplos de experiências práticas para a Psicologia sobre o tema. “Desde 2018, começamos a desenvolver, na Defensoria, a Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI), em busca de promover, dentro da instituição, um olhar mais humanizado e singular com as/os colaboradoras/es que possuem alguma deficiência. Uma das primeiras ações realizadas foram os chamados ‘acolhimentos’, que eram entrevistas realizadas com cada sujeito com deficiência que acabava de ingressar na Defensoria, seja ele servidor, defensor ou estagiário. Era uma entrevista de acolhimento para conhecer quem era a pessoa que estava entrando, saber quais eram suas necessidades e, a partir disso, ter um entendimento, enquanto instituição, se ela precisava de uma tecnologia assistiva para poder desenvolver o seu trabalho ou de qualquer outra adaptação. Porque entendemos que de nada adianta a gente promover o ingresso dessas pessoas dentro da instituição, se não garantir a sua permanência”, relatou.
“Essas entrevistas fazem uma enorme diferença, porque quando nos inscrevemos no concurso, precisamos apresentar um laudo médico. Só que o atual modelo de entendimento da deficiência vai muito além daquela percepção médica e de você ser resumida à Classificação Internacional de Doenças (CID). A partir do acolhimento que fazemos, onde você percebe sua singularidade, que se consegue chegar em uma percepção de que de fato a pessoa está dentro daquela instituição e não somente preenchendo reserva de vagas para deficientes na empresa”, salientou.
Letícia, durante sua fala, apresentou, ainda, algumas outras ações realizadas dentro da Defensoria, como eventos de diversidade e inclusão social, publicação da cartilha “Nada sobre nós sem nós” e um banco de currículos de estagiárias/os com deficiência. “Este ano, também, colocamos em prática a inclusão do quesito ‘Deficiência’ no portal do nosso site, também, para que a pessoa que busca por um atendimento consiga sinalizar já no seu cadastro qual a melhor forma de comunicação (telefone, por escrito, ou com intérprete de LIBRAS)”.
“Como a comissão é composta por pessoas deficientes, parte da gente as pautas e a prática de iniciar este diálogo na instituição. Por isso, é interessante pensar na frase ‘Nada sobre nós sem nós’ em um âmbito geral, porque nós mesmos podemos falar e lutar contra o capacitismo e a exclusão, não somos limitados e nem precisamos que alguém fale por nós. O que precisamos é ser escutados e isso já seria o suficiente”, concluiu.
A atividade contou com a participação da categoria pelo chat e microfone, durante a videochamada.
Confira o debate completo na íntegra: