Nos dias 19 e 20/10, o CRPRS promoveu o quarto seminário “Meu trabalho está me enlouquecendo”, em parceria com o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST/Serra), o Sindicato dos Servidores Municipais de Caxias do Sul (SINDISERV) e o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região. Desta vez, a discussão se deu em torno dos impactos da pandemia na saúde mental das/os trabalhadoras/es.
Realizado pelo Núcleo de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Subsede Serra do Conselho, o evento, que foi aberto ao público mediante inscrição prévia, atingiu o limite máximo do número de vagas disponíveis para participação, via Zoom. Foram, ao todo, 350 vagas preenchidas para a discussão do tema.
A atividade do dia 19/10, mediada pelas psicólogas Sarajane Lima de Oliveira (CRP 07/07213) e Mônica Pagnussat Klanovicz (CRP 07/17422), contou com as falas das/os convidadas/os Karine Perez, psicóloga, doutora em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), pós doutora na Université du Québec à Montréal (UQAM), integrante do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho (PPGPSI/UFRGS) e professora do Departamento de Psicologia e do Mestrado Profissional em Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), e de Thaís Zerbini, mestre e doutora em Psicologia pela UNB, professora associada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho da, fundadora e Coordenadora do Laboratório de Psicologia Organizacional e do Trabalho da USP e membro da Comissão Permanente dos Direitos ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social do Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH.
Para Karine, o seminário convidou a categoria a refletir acerca de algumas questões, atravessadas pelo contexto da Covid-19, que estão apresentadas, hoje, no mundo do trabalho. “Apesar de todas as mudanças impostas pela pandemia, dos impactos psicológicos e da necessidade de cuidar e oferecer suporte às pessoas em geral, as demandas, prazos e metas de trabalho não foram alteradas. Na prática, as/os trabalhadoras/es precisaram, mesmo vivenciando uma situação de desastre pandêmico, continuar trabalhando e entregando resultados como antes”, explicou a professora. Em relação ao trabalho remoto, mais especificamente, Karine relatou que muitas pessoas estão trabalhando mais, fazendo menos intervalos, cuidando menos da postura, interagindo menos com os colegas, realizando mais atividades fora do horário de trabalho e mais atividades domésticas.
A convidada apresentou, ainda, o ProjeThos Covid-19, lançado em maio de 2020 pela FEEVALE, com objetivo de dar visibilidade às vivências e sentimentos relativos ao trabalho no contexto da pandemia. “A partir dos resultados dessa escuta (dos depoimentos recebidos por áudio, texto e foto), conseguimos observar melhor as problemáticas dessas/es trabalhadoras/es, incluindo, também, as/os que estão na linha de frente. Estas/es expuseram seus sofrimentos relacionados ao contágio viral, à sobrecarga de trabalho e a angústia diante das dores das/os pacientes e usuárias/os atendidas/os.”
A psicóloga Thaís trouxe questões pertinentes sobre o digital e lembrou que muitas/os profissionais, com a pandemia, tiveram que se adaptar com ferramentas que nunca tinham tido contato. “Além de terem que equilibrar novas demandas que foram criadas, tiveram que conciliar, ainda, com a necessidade de dedicar mais tempo a atividades domésticas e cuidar dos filhos”, destacou.
Buscando amenizar esse impacto, Thaís apontou algumas orientações às empresas que ainda estão atuando de forma remota. “Elas precisam, neste momento, estar atentas à revisão da distribuição de tarefas e análise dos fluxos de trabalho para evitar a sobrecarga e o estresse. As/Os gestoras/es precisam aumentar a possibilidade de escolhas em relação a forma de realização do trabalho (autonomia), combinar horários para conversas com as/os trabalhadoras/es e evitar exigir encontros síncronos frequentes e a alta interdependência de tarefas.”
Contemplando a atual situação da pandemia no Brasil, com mais da metade da população vacinada completamente, o CRPRS propôs, no segundo dia do evento, em 20/10, uma reflexão sobre o tema “O Pós Covid-19: sequelas na saúde e no trabalho” para discutir acerca do que esperar do mundo do trabalho daqui para frente. Na ocasião, estiveram presentes as mediadoras Sarajane Lima de Oliveira (CRP 07/07213) e Débora Brandalise Bueno (CRP 07/22303) e as/os convidadas/os Elisete Soares Traesel (CRP 05/51057), graduada em Psicologia e em Educação Especial, mestre e doutora em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS na Linha "Políticas Públicas, Trabalho, Saúde e Produção de Subjetividade, com especialização em Saúde Pública e MBA em Gestão Empresarial, e docente da área de POT e Saúde do Trabalhador da UFF - Polo Universitário de Campos dos Goytacazes, e Marcelo Silva Porto, juiz titular da 6ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, especializada em demandas que versem sobre acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, e professor convidado em temas relacionados à responsabilidade civil.
Para Elisete, pensando em um futuro próximo, “agora, o mais importante do que ter todas as respostas é conseguir elaborar boas perguntas. Como ficarão as pessoas que perderam seus empregos ou tiveram seus salários reduzidos? Como vai ser o retorno do trabalho presencial? No trabalho remoto, mais do que nunca, as nossas técnicas psicológicas voltadas à integração, formação de vínculos, qualidade de vida, bem-estar, escuta do trabalho real e das demandas reais da/o trabalhadora/or e ao planejamento coletivo, durante esse retorno, serão fundamentais."
"Nós, enquanto profissionais da saúde mental, precisamos nos sentir convocados a pensar sobre, também, a ‘uberização’ do trabalho, que é um dos pontos principais do pós-pandemia”, alertou a convidada, ainda, sobre o aumento de pessoas autogerenciadas por plataformas digitais, como motoristas de aplicativos, motoboys de deliveries, entregadores de bicicleta e etc. ”Com toda a realidade da crise econômica e a vinda da pandemia, muitas pessoas se depararam com a necessidade de se conectar a uma plataforma para poder sobreviver, sem ter acesso a qualquer tipo de direito trabalhista. Isso é uma tendência, que leva o país a uma perda de direitos e a uma desregulamentação do trabalho. Só em 2019, antes da Covid-19, essas/es trabalhadoras/es correspondiam à 17 milhões de brasileiros.”
Para ela, as/os psicólogas/os precisam começar a pensar e avaliar os riscos psicossociais que essas pessoas estão expostas. “Precisamos achar maneiras, como, por exemplo, se aproximar das instituições de classe, para conseguir criar alguma resistência a esse processo que está sendo avassalador para o que chamamos de trabalho digno, do ponto de vista da Organização Internacional do Trabalho”, finalizou.
Por fim, o juiz Marcelo Silva Porto apresentou algumas considerações acerca da definição de Saúde Mental no Ambiente de Trabalho para fins de processos indenizatórios. Marcelo trouxe e contextualizou, também, os casos mais comuns de problemas de saúde mental no trabalho, como ansiedade, fobia social, alterações de humor, depressão e a Síndrome da Sexta-feira (sentir-se feliz quando o trabalho termina e estressado quando recomeça. “É importante destacar aqui que, isso tudo que falamos, todo esse sentimento de desgaste no mundo do trabalho atual, não gera prejuízos somente às/aos trabalhadoras/es, mas, sim, ao desempenho das organizações, perdas econômicas para os empregadores e custos com Seguridade Social”, conclui o juiz ao defender ações de prevenção à saúde mental nas empresas.
O seminário, durante os dois dias, proporcionou às/aos participantes um ambiente de troca, disponibilizando momentos para que todas/os pudessem interagir e tirar suas dúvidas com as/os convidadas/os.