O CRPRS, por meio da Subsede Serra, em Caxias do Sul, organizou, na noite de quarta-feira, 30/06, uma roda de conversa alusiva ao Dia Mundial do Orgulho LGBTQI+, comemorado em 28/06. A atividade aconteceu de forma on-line e teve como principal objetivo incluir o tema ao recorte da clínica psicológica e resgatar a Resolução do CFP nº 01/99, que impede a prática de terapias na linha da “cura gay”. A mediação da atividade foi feita por Jocélia da Cruz de Almeida (CRP 07/28766),coordenadora do Núcleo de Políticas Públicas da Subsede.
Na última segunda-feira, 28/06, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou uma nota técnica acerca do cuidado à população LGBTQI+, em que reforça que terapias de reversibilidade e quaisquer outros tratamentos com enfoque na anulação da "condição existencial de ser LGBTQI+" são vedadas, porque, para a Psicologia, não é essa condição que gera o sofrimento, mas sim, as vivências de exclusão e marginalização causadas pela discriminação e pelo preconceito.
Durante a roda de conversa, o convidado Héder Bello (CRP 05/51594), especialista em Psicanálise e Contemporaneidade, atuando, principalmente, com questões de gênero, sexualidade, violação dos direitos humanos e novas formas de sofrimento psíquico, explicou que a nova nota técnica atualiza a Resolução 01/99, publicada em 22/05/1999. “O Conselho Federal de Psicologia lançou, em 1999, a Resolução em resposta às denúncias que recebeu, no ano anterior, acerca de psicólogas/os ligadas/os à igreja evangélica que estariam propondo uma tentativa de reorientação da sexualidade e de uma adequação da identidade de gênero à uma lógica cisnormativa. A partir da publicação do texto base da resolução, que impede a categoria de tratar a homossexualidade como doença, defensoras/es do uso de terapias de reversão sexual começaram a realizar diversas ações legislativas e judiciárias a fim de suspendê-la. No entanto, só em 2017 que um desses ataques se tornou realmente efetivo, quando um juiz da Décima Quarta Vara do Distrito Federal acatou uma ação civil publica, suspendendo a proibição da prática de reorientação sexual.”.
Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) já extinguiu essa ação e, por isso, continuam válidas todas as disposições da Resolução CFP nº 01/99. Para Hélder, o período entre 2017 e a decisão final do STF, em 2020, foi marcado por muitas lutas e movimentações no país. “Foi nesse momento que a expressão ‘cura gay’ ficou popularmente conhecida e nós, do CFP, começamos a receber, novamente, vários relatos de pessoas LGBTQI+ que teriam passado por algum tipo dessa ‘terapia de reversão sexual’. Recebemos 34 histórias de muito sofrimento e violação de direitos humanos, que, na realidade, são o que esses procedimentos ‘terapêuticos’ produzem. Com esses relatos, em 2019, lançamos o livro Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTQIs.”. Clique aqui para acessar o livro do CFP. “O livro consegue nos trazer a tona que o movimento de cura gay não está ligado, único e exclusivamente, a núcleos ou igrejas: as tentativas de aniquilamento de subjetividades LGBTQIs estão espalhadas por todo o tecido social.”, completou Héder.
De acordo com o advogado convidado, Daniel Chies Baldasso, especialista em Direito e Processo Civil, pós-graduado em Direitos LGBTI e coordenador da Comissão Especial da Diversidade Sexual e de Gênero - OAB subseção Caxias do Sul, “assim como a Psicologia, o Direito é, infelizmente, constituído por muitas premissas preconceituosas, nós estamos inseridos em uma sociedade com esses pilares. Sempre vamos encontrar alguém, em uma posição de poder, que aceite um tipo de argumentação que, por exemplo, torne possível o tratamento de cura gay. Para mim, é inconcebível qualquer tipo de terapia nesse sentido.”, salientou.
“Então, onde eu tenho que entrar com a minha expertise enquanto psicólogo, por exemplo? Na tentativa de fazer com que aquela pessoa se compreenda e pare de sofrer. Mas, ela sofre por quê? Porque alguém disse que ser LGBTQI+ é errado, que o que ela sente é demoníaco. O profissional deve se pautar nesse sentido e não ao contrário. Não há como deixar de ser quem é.”, destacou o advogado.
Segundo a psicóloga Marianna Rodrigues Vitório (CRP 07/30799), mestre e doutoranda em Psicologia Social e Institucional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e conselheira do CRPRS, o primeiro passo para falar de uma clínica voltada para a diversidade sexual e de gênero é passar por um processo de sensibilização. “Embora se tenha construído, ao longo da história, uma ideia de que existe uma regra, que é da natureza humana. Hoje, nós já temos uma série de estudos no Brasil e no mundo que desconstroem bastante esse pensamento. A partir do momento que você começa a entender como se a sociedade constrói essas normatividades, será possível produzir uma escuta que esteja atenta às diferenças.”
Atualmente, Marianna trabalha na Clínica de Psicoterapia Aquarela, voltada a questões de gênero e diversidade sexual. Para ela, a criação do espaço tem o intuito de ampliar o horizonte do fazer psicológico. “Geralmente, na graduação, os livros de Psicologia são muitos pautados em técnicas de abordagem e intervenção com uma família bem tradicional (homem, mulher e seus filhos), é difícil de encontrar na formação curricular até exemplos de famílias com mães solteiras, para poder produzir, com um pouco mais de profundidade, uma escuta, intervenção e para onde guiar as sessões.”, questionou.
No decorrer da atividade, todas/os participantes tiveram a oportunidade de tirar suas dúvidas ou compartilhar seus comentários.
Assista a roda de conversa completa na íntegra: