O Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul vem a público manifestar seu repúdio à aprovação, no dia 14 de dezembro de 2017, pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) no âmbito do Ministério da Saúde, do documento que estabelece as Diretrizes para o Fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e inclui os hospitais psiquiátricos entre os pontos para atendimento de pessoas em sofrimento psíquico. O CRPRS se manifesta veementemente contrário à inclusão dos hospitais psiquiátricos na RAPS, pois esses espaços não representam a base comunitária e territorializada que compõe a rede.
A RAPS é a rede construída para atendimento a pessoas em sofrimento psíquico, formada por diversos serviços de saúde, territorializada, de base comunitária e construída de forma ascendente e com a participação direta do Controle Social em todas as suas instâncias. O sujeito usuário da política de saúde mental recebe atendimento próximo de sua família e inserido na comunidade, respeitando, assim, os princípios do SUS da integralidade, universalidade e equidade.
A inclusão dos hospitais psiquiátricos na RAPS contraria a Lei Federal n° 10216/2001, que redireciona a prática assistencial em saúde mental do modelo hospitalocêntrico, no qual o hospital psiquiátrico era o centro do cuidado, para o modelo de atenção psicossocial, onde a rede comunitária passa a ser central no sistema.
O documento, proposto pelo Ministro da Saúde Ricardo Barros e pelo Coordenador Nacional de Saúde Mental Quirino Cordeiro, determina também o aumento do financiamento para leitos em hospitais psiquiátricos o que, segundo nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, “contraria frontalmente o dever do Estado brasileiro de garantir a ampliação da rede extra-hospitalar e o tratamento em convívio com a comunidade, sem o qual não é garantida a inclusão da pessoa com deficiência. A proposta é ainda mais grave ao propor o aumento de custeio indistintamente para hospitais que descumprem frontalmente a Lei nº 10.216/2001, ao manter pacientes moradores e institucionalizados sem a necessária reinserção psicossocial dos pacientes”.
Cabe ressaltar que apenas no ano de 2006 se conseguiu que a rede substitutiva recebesse mais de 50% da destinação financeira em relação aos hospitais psiquiátricos, sendo que em 2017 chegou-se a 75% deste financiamento para a RAPS e 25% para os leitos em hospitais psiquiátricos. Esses fatos demonstram que há um longo caminho a percorrer na concretização das diretrizes do modelo de saúde mental preconizado pela política de saúde mental e indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
É necessário salientar, igualmente, o risco de inserir as comunidades terapêuticas na RAPS, já que esses espaços não se configuram como serviços de saúde e, nos últimos anos, têm sido alvo de consistentes denúncias sobre graves violações de direitos, incluindo maus tratos, trabalho análogo ao escravo, violações de correspondências e impedimento de visitas.
A nova diretriz, portanto, vai na contramão das atuais legislações vigentes em nosso país e de toda a política nacional de saúde mental, além também das recomendações da OMS. O CRPRS salienta que a modificação na RAPS não foi discutida e nem aprovada pelas instâncias do controle social, como o Conselho Nacional de Saúde, e nem com a sociedade que há 30 anos clama por um novo modelo de cuidado em saúde mental.
A carta de Bauru de 1987 e a Carta de Bauru de 2017, dois documentos essenciais no cuidado em saúde mental redigidos em encontros nacionais de trabalhadores, gestores, familiares, usuários e pesquisadores da área são claras em afirmar a defesa do cuidado em liberdade, com o sujeito próximo de sua família e inserido na sua comunidade.