Fátima Nassif
Natércia Magaldi
Ricardo Moretzsohn
No Brasil, as rádios e tevês consideradas abertas são regidas pelo regime de concessão. Isso significa que o governo concede a uma determinada empresa a exploração de um serviço considerado público, porque o sinal que ela necessita para funcionar faz parte do chamado espectro eletromagnético que vem a ser propriedade da sociedade brasileira.
A minoria da população sabe que essas emissoras de rádio e tevê do país não são donas dos canais nos quais veiculam suas respectivas programações. Os representantes das emissoras são concessionários que receberam do Estado o direito de, em nome do povo, fazer uso do meio de comunicação. E por isso devem, de acordo com a Constituição Federal, prestar contas e cumprir determinadas orientações. Em seu Capitulo v, artigo 223, a CF reza que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização de radiodifusão”, mas cabe ao Congresso Nacional a palavra final. As concessões têm duração de 15 anos para a televisão e de 10 anos para rádio.
A rigor, os critérios para as renovações das concessões são técnicos, ou seja, a qualidade dos sinais de vídeo e áudio e se a concessionária terá condição financeira de manter a emissora, além de não ter débitos com o INSS e a Receita Federal. Mas, nem isso tem sido verificado! Em função da enorme lentidão (intencional?) que leva anos para que o parlamento faça a sua apreciação e porque enquanto isso não ocorrer a emissora pode continuar em funcionamento, na prática a renovação se dá de forma automática. Temos que considerar ainda que um percentual considerável de parlamentares é de donos de emissoras ou se utilizam de “laranjas” para tal fim. É uma verdadeira caixa-preta!
Para o professor Laurindo Leal Filho, da USP e apresentador do programa VerTv, enquanto a sociedade brasileira não reconhecer que as emissoras não são donas, mas sim concessionárias, o debate não vai evoluir. Segundo ele, “A televisão não diz que é uma concessão pública e, muito menos, que essas concessões são renováveis, que não são propriedades das empresas. Ao não ter acesso a essa informação, a população acaba criando no seu imaginário a idéia de que as empresas são proprietárias desses canais, quando, na verdade, esses canais são bens públicos, outorgados pelo Estado em nome da sociedade para que os concessionários prestem esse serviço por um período limitado de tempo. Então, enquanto não tivermos esse debate na sociedade brasileira ficará muito difícil que se cobre das autoridades, do governo e do Legislativo uma ação mais enérgica e mais eficiente para controlar a concessão e fazer o acompanhamento da renovação das mesmas.”
No dia 5 de outubro, vencem as concessões de 153 emissoras de rádio e 28 emissoras de TV. Entre elas, estão as concessões da Rede Record, da Bandeirantes, da TV Gazeta e da Rede Globo, esta última em cinco cidades: Rio, São Paulo, Brasília, Recife e Belo Horizonte. Nesse dia, movimentos sociais e organizações de todo Brasil, dentre elas o Conselho Federal de Psicologia, lançam campanha por democracia e transparência nas concessões de rádio e televisão do país com a realização de atos públicos nas principais cidades do país para reivindicar o cumprimento dos princípios constitucionais para a exploração das concessões de rádio e TV, e a instituição de mecanismos de participação social no momento de outorga e renovação dessas concessões.
As reivindicações da campanha são as seguintes:
- ações imediatas contra as irregularidades no uso das concessões, tais como excesso de publicidade, outorgas vencidas e emissoras nas mãos de deputados e senadores.
- fim da renovação automática: por critérios transparentes e democráticos para renovação, com base no que estabelece a Constituição.
- instalação de uma comissão de acompanhamento das renovações, com participação efetiva da sociedade civil organizada.
- convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação ampla e democrática, para a construção de políticas públicas e de um novo marco regulatório para as comunicações.
Nós, psicólogos, já temos manifestado nossa preocupação com relação aos conteúdos veiculados na mídia, em pesquisas, congressos, atuação profissional e política. Sabemos que na contemporaneidade os conteúdos veiculados pelas tvs têm produzido fortes impactos sobre a produção das subjetividades e identidades culturais. Eles se apresentam como mediadores de cultura, ofertando modos para a apresentação da subjetividade nas relações sociais, transmitindo um discurso sobre a realidade e impondo valores e ideais às pessoas.
A Psicologia pode ter papel fundamental na compreensão dos fenômenos implicados nesses impactos, na identificação de sua influência sobre a produção e organização das subjetividades e das identidades culturais. Especialmente em relação às nossas crianças e adolescentes se impõe a necessidade da Psicologia oferecer seu olhar crítico sobre a maior parte dos conteúdos televisivos que são oferecidos a elas.
A questão dos conteúdos não pode ser desvinculada da luta pela democratização das comunicações, na qual se insere a revisão do modelo de concessões e a criação de mecanismos de intervenção da sociedade. A construção de uma sociedade mais justa e democrática, que reconheça e respeite a enorme diversidade social e cultural de nosso país, exige uma mídia plural, em que os diferentes grupos tenham voz e expressão e em que os Direitos Humanos sejam promovidos.
No processo de renovação das concessões, um dos critérios que temos que defender deve ser a análise dos conteúdos de acordo com o que estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 221: que os programas e programações tenham finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; que promovam a cultura nacional e regional; que estimulem a produção independente e a regionalização da produção cultural, artística e jornalística; e que respeitem os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Temos que exigir uma programação que respeite os Direitos Humanos nas tvs!!!