A conselheira presidente do CRPRS, Alexandra Ximendes, participou do “Ciclo de Debates Direito e Política”, em 27 de maio, em Porto Alegre, com o tema Internação Compulsória. O evento foi promovido pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) em parceria com a Escola Superior de Advocacia Pública da Associação dos Procuradores do Estado do RS (Esapergs). A atividade contou com a presença do procurador-geral do estado, Carlos Henrique Kaipper, e teve mediação da procuradora Fernanda Tonetto.
O evento iniciou com palestra sobre o tema, realizada por Rogério Garcia, advogado, mestre em Ciências Criminais e especialista em Direito Penal pela PUCRS, que destacou que “O Direito ainda tem muito a aprender com a Psicologia e a Psiquiatria sobre o assunto”. Segundo ele, a Lei da Reforma Psiquiátrica admite a internação compulsória, mas é fundamental diferenciar as três modalidades de internação: a voluntária, por vontade do paciente; a involuntária, muitas vezes por pedido de familiares e com verificação de necessidade por médico; e a compulsória, normalmente por via judicial. Ele afirmou que esta deve ser utilizada quando os procedimentos hospitalares, após os demais níveis de atendimento, não forem suficientes, considerando que Lei da Reforma Psiquiátrica prevê a assistência integral do paciente, com acompanhamento em relação a seu contexto, sendo vedado o uso de instituições asilares.
Para Garcia, parece um retrocesso a forma como se pretende tratar a internação compulsória no Projeto de Lei 7663/2010, do deputado Osmar Terra, por apresentar o mesmo tratamento a usuários e dependentes químicos. Também é necessário considerar que a efetividade da internação compulsória como tratamento é uma questão complexa, visto que o modelo de tratamento contra a vontade do paciente tem uma taxa de insucesso muito alta, afirmando que há estudos internacionais indicando maior efetividade do tratamento quando há colaboração do paciente. Além disso, a rede de atenção não teria como receber todos os possíveis internos. Mencionou também a 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos, realizada pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia e Comissões de Direitos Humanos dos Conselhos Regionais de Psicologia em 2011 em comunidades terapêuticas, que demonstrou que estas não apresentam condições mínimas de tratamento.
O debate teve início com a fala da conselheira presidente do CRPRS, Alexandra Ximendes, questionando os interesses que o PL 7663/2010 vem trazer, considerando que a necessidade da internação compulsória nos casos não aparece no debate. Conforme a psicóloga, trata-se de uma inversão de prioridades, sem pensar o dano que este tipo de internação pode causar no sujeito, para além do dano que o uso de drogas traz em sua vida. Segundo ela, a atuação do Sistema Conselhos em relação ao projeto de lei é de acompanhamento, pois “Não se trabalha com o conceito de permanência ou não do item da internação compulsória, mas sim dentro de um movimento maior, pois a medida representa uma lógica proibicionista e de endurecimento da relação com quem usa drogas”. O projeto colocava as comunidades terapêuticas como serviços de saúde, item que foi modificado, porém estas agora estão definidas como espaços de acolhimento. Alexandra lembra que estes locais seguem como o que foi apontado na 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos, consistindo em espaços de violação de direitos humanos e insalubres. A conselheira presidente também comentou a interferência de religiões no legislativo, pois “A questão das comunidades terapêuticas é um item colocado pelas bancadas religiosas no Congresso, com argumentos de defesa da vida e dos direitos humanos, que terminam por banalizar-se”.
Alexandra destacou que se fosse ser considerado de forma ampla o uso de drogas, não haveria instituições suficientes que comportassem a internação compulsória de todos os usuários. Em relação a isso, ela salienta a possibilidade do uso da medida como prática higienista, pois incidiria em quem usa drogas em público, como por exemplo pessoas em situação de vulnerabilidade social, e não aqueles que o fazem em privacidade. Ela finalizou sua fala lembrando que, se houve avanço com o ato legislativo pela descriminalização do usuário, por outro lado a questão foi retirada do âmbito do Direito Penal e foi colocada na internação compulsória, o que acaba constituindo em menos garantia de direitos, indo contra o que a Psicologia pretende, que é aproximar o usuário da rede de cuidado.
O debate teve continuidade com a apresentação sobre crack e internação compulsória realizada por Félix Kessler, psiquiatra e vice-diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS. Ele destacou que o assunto é bastante complexo e existe o risco do reducionismo. Assim, é necessário verificar para quem é utilizada a medida, para onde se destina e em que situação está sendo tomada. O psiquiatra também salientou que uma série de questões estão envolvidas, como o risco de guerra ideológica, quando existe o uso da internação compulsória como política, além de outros, relacionados a princípios éticos, possibilidade de falta de empatia com o paciente, a colisão entre direito individual e direito coletivo e ainda o risco de preconceito ou higienização, assim como o grau de coerção. Conforme ele, “É preciso considerar a capacidade de decisão ou de autodeterminação do indivíduo”, assim como a questão da presença de transtornos de personalidade em usuários de drogas. De acordo com Kessler, na literatura há poucos estudos sobre o uso da internação compulsória, com resultados conflitantes. Ele se coloca contra a medida, a menos que haja risco de vida iminente do usuário, afirmando, porém, que “O tratamento não precisa ser voluntário para ser efetivo”.
Após, foi aberto o debate aos demais presentes ao evento. Conforme a PGE, os próximos temas a serem abordados no “Ciclo de Debates Direito e Política” serão a descriminalização das drogas e a democratização da comunicação.