Os desafios e as estratégias possíveis no enfrentamento à Covid-19 no espaço prisional foi o tema do webinário “Panorama Atual e Perspectivas de Atuação no Sistema Prisional” realizado nesta terça-feira, 03/11. A atividade foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Núcleos do Sistema Prisional Sede, Centro-Oeste e Norte do CRPRS.
A mediação foi da conselheira Maynar Vorga (CRP 07/18812), coordenadora do Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS - Sede, que em sua fala lembrou de Notas publicadas pelo CRPRS de orientação nesse contexto como a “Nota do CFP sobre a atuação de psicólogas/os no Sistema Prisional em relação à pandemia do novo coronavírus”, Diretriz Externa e Nota Técnica do CRPRS orientam sobre a aplicação de teste rápido para detecção de Covid-19 por psicólogas/os que atuam no Sistema Prisional e Orientações sobre o processo de avaliação psicológica realizada no Sistema Prisional do RS.
Iniciando as falas, Marden Marques Soares Filho (CRP 01/9424), coordenador de Saúde dos Privados de Liberdade na Secretaria Estadual de Saúde RJ, contextualizou histórica e politicamente a saúde no sistema prisional brasileiro, apresentando repertório teórico e dispositivos do SUS. “Essa contextualização nos mostra como demoramos para levar a saúde prisional para dentro das unidades prisionais. Quanto mais políticas públicas forem levadas para dentro do sistema prisional, melhor”. O Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário foi constituído somente em 2003, o Decreto 7580 e a Rede Temática do SUS, em 2011 e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), somente em 2014; Marden atuava no Ministério da Saúde à época e participou ativamente da construção dessa política. Marden apresentou também o perfil demográfico da população no Brasil, que revela a “exclusão da exclusão”.
A superlotação penitenciária, as estruturas antigas dos presídios e a complexidade na formação das equipes também foram marcadores importantes citados por Marden nessa análise sobre o panorama da Covid no Sistema Penitenciário brasileiro. “Desde a declaração da pandemia pela Organização Mundial da Saúde até a publicação de decretos estaduais, precisamos entender como o Sistema Penitenciário Brasileiro foi se organizando nesse enfrentamento”. Marden ressalta que o Estado brasileiro não adotou realização de exames em larga escala (testagem em massa) como estratégia de combate ao novo coronavírus, gerando extrema subnotificação. “Foram adotados procedimentos operacionais padrões, por recomendação do Ministério da Saúde, adaptados ao sistema prisional, tais como utilização correta de equipamentos de proteção individual, higienização constante das mãos, sanitização de celas e espaços de convivência, imunização dos presos e profissionais para influenza, testagem rápida dos profissionais, sanitização de veículos de transporte, criação de celas de isolamento por 14 dias para casos de sintomáticos respiratórios ou gripais e casos de novo ingresso no sistema, com fluxos para a rede SUS em caso de agravamento do quadro clínico”, explicou. Algumas medidas, porém, parecem impossíveis de serem cumpridas com a realidade da superlotação, ressaltou Marden. Além disso, o impedimento de visitas ampliou a possibilidade de violação dos direitos humanos.
A apresentação completa de Marden, incluindo dados oficiais sobre esse panorama, pode ser acessada clicando aqui.
Na sequencia da atividade, Rosane Wojciechowska Lucena (CRP 07/18654), TSP Psicóloga na Penitenciária Modulada Estadual de Montenegro, falou sobre seu trabalho na linha de frente com os desafios de “sobreviver numa forma de potência e, a partir dos desafios, aprender a evoluir”. Diante da pandemia da Cvid-19, como a única psicóloga na penitenciária, com mais de 1.700 presos, Rosane se viu com o desafio de trabalhar da forma mais preventiva e técnica possível para tentar “administrar o caos”. “Se antes já trabalhávamos na urgência diante de todas as demandas, com a pandemia tentei me organizar para reduzir impacto. Precisava tentar entender o que estava acontecendo e traduzir informações”. Instrumentalizando-se com notas técnicas, foi construindo um protocolo de ações conjuntas em Saúde Mental, para lidar com o impacto que o encarceramento causa nas pessoas recolhidas, nas famílias e nos servidores e como isso foi agravado com a pandemia. “A preservação da subjetividade é minha principal tarefa. Poder estar lá e dizer que é o processo de humanização que vai proporcionar a saúde é uma tarefa difícil, mas grandiosa”, declarou Rosane.
Gustavo Hamann de Freitas (CRP 07/16623), TSP Psicólogo no Presídio Regional de Santa Cruz, também trouxe sua experiência e destacou a importância do trabalho em equipe e do senso de responsabilidade com o outro diante dessa nova realidade. “Tive que me cercar de informações sólidas, aprender a me proteger para proteger o outro. Mais do que em outro momento, entendia que meu papel não era de ficar em casa, eu tinha que estar ali. Também não posso ficar dentro de uma sala, esperando as pessoas pedirem ajuda. Isso não vai acontecer no Sistema Prisional”. Relatou que buscou conhecer a situação para ajudar as pessoas a passar por essa situação da melhor forma possível, e que um dos seus focos de atuação foi a prevenção da ansiedade. Para ele, o trabalho do psicólogo vem sendo fundamental dentro do Sistema Prisional por gerar confiança e, dessa forma, poder traduzir o que está acontecendo no mundo. “A Covid trouxe mais essa responsabilidade, além do nosso fazer cotidiano”.
No encerramento do evento, a conselheira Maynar Vorga informou que há uma tentativa do Ministério da Saúde para retirar profissionais de Psicologia, dentre outros, das Equipes de Atenção Básica Prisional, mas que o Sistema Conselhos está construindo um posicionamento contrário a essa possibilidade, buscando evitar esse grave retrocesso.
►Confira como foi o primeiro dia da atividade realizada em 27/10.