Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que o Brasil registrou em 2022 o maior número de estupros da história: foram mais de 74,9 mil casos contra meninas e mulheres, sendo mais da metade praticados contra menores de 14 anos.
Embora a legislação brasileira estabeleça que a realização do aborto legal é assegurada nos casos de estupro – e também no risco de morte para gestantes e nos casos de anencefalia fetal -, estudos demonstram que mulheres e meninas evitam buscar os serviços de atendimento em razão do preconceito que ainda cerca o tema. A situação acaba levando à gravidez indesejada ou a abortos clandestinos, praticados de forma insegura e uma das principais causas de mortalidade materna no país.
Para enfrentar essa questão, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem intensificado sua participação na articulação e mobilização pela descriminalização do aborto. Nos dias 7 e 8 de outubro, o CFP esteve na 4ª Plenária Nacional da Frente Nacional pela Legalização do Aborto e Contra a Criminalização das Mulheres (FNPLA), em Recife/PE. A atividade teve como objetivo revisar a Plataforma da Frente, processo iniciado na última Plenária, em 2019, e que teve continuidade durante a realização do Ciclo de Debates Online, entre 2020 e 2021.
O CFP é integrante do FNPLA e se posiciona agindo sobre as situações de vulnerabilidade social e psicológica que provocam sofrimento psíquico, como é o caso da manutenção de uma gravidez indesejada.
Articulação do Sistema Conselhos
O papel da Psicologia no campo dos direitos sexuais e reprodutivos foi foco de reunião realizada em no início de outubro, reunindo representantes dos Conselhos Regionais de Psicologia de todo o país. O diálogo serviu como atividade preparatória para a participação do CFP na 4ª Plenária Nacional da Frente Nacional pela Legalização do Aborto e Contra a Criminalização das Mulheres.
Coordenaram a atividade a conselheira do CFP Alessandra Almeida e a integrante da Comissão de Direitos Humanos (CDH/CFP) Paula Gonzaga. O encontro reuniu representantes dos seguintes Conselhos Regionais: CRP 02 (PE), CRP 04 (MG), CRP 05 (RJ), CRP 06 (SP), CRP 07 (RS), CRP 08 (PR), CRP 11 (CE), CRP 13 (PB), CRP 14 (MS), CRP 18 (MT), CRP 19 (SE), CRP 21 (PI) e CRP 22 (MA).
Durante a reunião, a conselheira Alessandra Almeida fez uma contextualização das discussões acerca da Plenária Nacional da FNPLA, em que destacou a relevância das ações dos CRPs e dos movimentos feministas sobre a temática e convocou os participantes a compartilharem experiências e ações nos estados.
A representante da CDH do CFP, Paula Gonzaga, pesquisadora do fenômeno do abortamento, reforçou a importância do debate articulado e a necessidade de qualificação para tratar da demanda dos direitos sexuais e reprodutivos. Ela também destacou a articulação junto a instâncias jurídicas para respaldo legal das situações em que o aborto já é descriminalizado.
Descriminalização do aborto no STF
A descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação é tema de ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que conta com a participação do Conselho Federal de Psicologia como amicus curiae. O STF deu início ao julgamento em 22/09.
No posicionamento apresentado à Suprema Corte, o CFP reforçou que a criminalização do aborto viola princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal e que o tema é uma questão de saúde pública, visto que leva ao adoecimento e à morte milhares de mulheres e pessoas que gestam em todo o mundo.
“Como preceitos violados, destacam-se os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não discriminação, bem como os direitos fundamentais à inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar”, ressaltou a autarquia.
Na sustentação oral apresentada ao STF, o Conselho Federal de Psicologia destacou os resultados de pesquisa realizada em 2009 pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) com psicólogas/os que atuam com serviços de enfrentamento à violência contra a mulher. O levantamento sinaliza que a criminalização do aborto torna ainda mais vulnerável as populações já vulnerabilizadas, o que denota um problema de justiça social e de direitos humanos.
“O papel da Psicologia é se fazer presente nos lugares onde há opressão, violência que subjuga e que provoca sofrimento, para, inicialmente, compreender as forças que promovem esse sofrimento e, em seguida, intervir para minimizá-las”, apontou o CFP.
A então relatora da ação, ministra Rosa Weber, votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação. Um destaque feito pelo ministro Luís Barroso suspendeu o julgamento e a retomada ainda não tem data marcada.
*Em 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou a descriminalização da interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Por oito votos a dois, a Suprema Corte decidiu não haver necessidade de autorização judicial para a interrupção da gestação nesses casos. A ação foi proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. *
Pesquisa e ativismo sobre aborto
Nos dias 28 e 29 de setembro, a conselheira do CFP, Alessandra Almeida, participou do 4o Encontro Nacional de Pesquisa e Ativismo sobre Aborto (ENPAA), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. A atividade foi organizada pelo Grupo de Estudos sobre Psicologia e Aborto na América Latina (GEPSILA), sob a coordenação da Profa. Paula Gonzaga, que compõe a Comissão de Direitos Humanos do CFP.
O evento teve como objetivo fortalecer as movimentações do Dia Latino-americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto (28/9), em que foram apresentadas pesquisas no campo dos direitos reprodutivos e o papel da Psicologia nessa temática. O diálogo reuniu estudantes, trabalhadoras, pesquisadoras, ativistas e pessoas interessadas para discutir temáticas relacionadas aos direitos humanos e justiça reprodutiva.
Fonte: Conselho Federal de Psicologia