A oferta de cursos de graduação na área da saúde na modalidade EaD (Educação à Distância) foi tema de diálogo em audiência pública realizada em 05/06/2023 pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) participou do debate representado pelo conselheiro Jefferson Bernardes – que reforçou a importância da presencialidade no ensino da Psicologia. O conselheiro federal pontuou que as especificidades no campo da Saúde, especialmente na formação em Psicologia, exigem contato presencial entre estudantes, docentes, comunidade e demais pessoas envolvidas no processo ensino-aprendizagem. Além disso, frisou, estudos indicam que a EaD não representa a democratização no acesso da oferta de ensino, pois impede a aprendizagem presencial de determinados corpos que não “podem ser vistos”, além de impedir a convivência participativa na diversidade e de homogeneizar as vivências – empobrecendo a experiência formativa, principalmente da juventude. “Regra básica da Pedagogia: só se aprende na diferença, por meio da criação de vínculos e de laços sociais”, reforçou.
O representante do Conselho Federal de Psicologia também pontuou o aumento significativo do número de vagas na modalidade EaD no campo da saúde, girando em torno de 603% somente entre os anos de 2017 e 2022, com cerca de 55% dessas vagas ociosas. Mencionou ainda a queda expressiva na qualidade do desempenho das/os estudantes em EaD no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), fator apontado também por outras/os debatedoras/es.
O diálogo também chamou a atenção para problemas sistêmicos relacionados à Educação a Distância. Entre eles, a falta de condições estruturais nos polos de ensino, o processo de precarização das/os profissionais e a ausência de fiscalização nesses lugares, fatores que propiciam uma série de impactos tanto na formação quanto na qualidade e segurança da assistência prestada à sociedade.
A esse respeito, o conselheiro federal destacou o Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) nº 658/2023, que durante processo de auditoria sobre o ensino EaD nos cursos de educação superior levantou necessidade da construção de uma política estruturada, com processos de regulação, supervisão e avaliação criteriosos e consistentes.
“Defendemos a formação de qualidade ética e técnica presencial, capaz de construir uma identidade profissional marcada pelo respeito às diferenças, pela compreensão das muitas vidas possíveis, pela empatia com o sofrimento e os dilemas da vida, pela capacidade de compreender e dialogar com as muitas formas de ser e viver. A EaD na Psicologia, assim como em outras profissões da saúde, agrava a já insuficiente qualidade do cuidado, expondo a população a crescentes riscos. Afirmar a presencialidade é defender os direitos da população”, afirmou o conselheiro.
Mercantilização do ensino
Durante a audiência pública, as/os especialistas apontaram que a crescente oferta de vagas em cursos à distância, sobretudo na área da saúde, acontece de forma desordenada e sem os critérios mínimos de qualidade, cenário agravado pela precarização profissional e pela falta de fiscalização por parte das autoridades competentes – condições que propiciam, na avaliação das/os debatedores, a mercantilização do ensino.
“Modalidade EaD difere de atividade remota. Ninguém aqui é contra a tecnologia. Nós somos contra a precarização do ensino, a substituição do docente pelo vídeo”, apontou Raphael Ferris, do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª Região (Crefito 3).
Fernanda Magano, da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi), representou o Conselho Nacional de Saúde (CNS) na condição de conselheira do colegiado. Ao defender a presencialidade no ensino da Psicologia, ressaltou questões como a integralidade no cuidado à saúde, a compreensão de que o objeto de estudo é o ser humano e a especificidade da formação em que o aprendiz necessita o tempo todo da supervisão docente e desta inter-relação. “A centralidade do percurso formativo tem que estar prevista no atendimento seguro. Estamos pensando nos processos de formação, mas para o cuidado da saúde da nossa população”, afirmou Magano.
“Se as evidências mostram que os cursos EaD não atendem critérios necessários de qualidade, por que ampliá-los? Por que trazer para a área da saúde? Por que disseminar a precariedade?”, questionou Ângela Soligo, da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP). Conforme destacou a especialista, a identidade profissional de Psicologia é estritamente relacional, na qual as competências profissionais impõem à/ao estudante conhecer e se relacionar com a pluralidade humana em diferentes espaços, com práticas e estágios ao longo do curso em nível crescente de complexidade, trabalho interdisciplinar e coletivo.
“Ampliar vagas em modelos precários não é democratizar, pois aprofunda desigualdades e vende desilusões. É enganoso e perverso. Saúde e educação não são mercadorias: são direitos humanos. EaD, não! Formação presencial na saúde e em Psicologia, sim!”, defendeu a representante da ABEP.
A íntegra do debate pode ser acessada no YouTube da Câmara dos Deputados.
Psicologia se faz com presença!
Em recente posicionamento, entidades nacionais da Psicologia defenderam a necessidade do ensino presencial na saúde. Em nota, apontam que o ensino EaD na área representa grave retrocesso na formação das/os profissionais da Psicologia e impacta de forma direta toda a sociedade, na medida em que o desenvolvimento de habilidades, valores, atitudes e inúmeras competências complexas extrapola a dimensão cognitiva e envolve experiências imprescindíveis a uma profissão de caráter intrinsecamente relacional. Para o CFP e esse amplo conjunto de entidades, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) devem ser utilizadas como complemento ao ensino presencial, mas de forma crítica, reflexiva e ética.
Fonte: Conselho Federal de Psicologia