Foi uma celebração. Durante três dias, a Assembleia Legislativa e o Espaço Multipalco do Theatro São Pedro, em Porto Alegre, se transformaram em espaço livre para debates sobre ética, democracia, inclusão, lugares de fala, psicoterapia, saúde do trabalhador, transmasculinidades, cidadania, formação profissional, razão e subjetividade, além de apresentações artísticas, sessões de autógrafos e lançamento de livros durante a realização do Encontro Gaúcho de Psicologia – uma iniciativa do CRPRS que deverá entrar para o calendário oficial da Psicologia no Rio Grande do Sul.
Cerca de 800 participantes circularam pelos ambientes do Encontro, que iniciou na quinta-feira (16/08) com um espaço de orientação profissional sobre tecnologias de informação, um debate sobre democracia, segurança pública e mídia e um fórum reunindo usuários dos serviços. O Encontro contou também com a participação de 11 instituições em uma Feira e com a apresentação de 99 trabalhos no formato de pôsteres.
Na conferência de abertura, na noite de quinta-feira, a filósofa e psicanalista Viviane Mosé descreveu a crise atual como a prevalência de uma sociedade da narrativa sobre a objetividade que caracterizou a era pré-redes.
Antes disso, a presidente do CRPRS Silvana de Oliveira abriu oficialmente o Encontro Gaúcho da Psicologia destacando o “trabalho minucioso” de planejamento e gestão que resultou no programa do evento. “Vivemos tempos sociopolíticos tensos e complicados. E somos, a todo momento, interpelados a problematizar e estabelecer uma visão crítica acerca do mundo contemporâneo. Por isso é importante dar corpo e voz a essa rede tão potente que conseguimos reunir neste Encontro”, disse Silvana ao declarar aberto o Encontro.
A mesa de abertura foi completada pela presidente da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (SPRGS), Magda Mello, e pelo presidente do Conselho Federal de Psicologia, Rogério Giannini. Também prestigiaram a sessão de abertura a representante do CRP do Paraná, Carolina de Souza, e o representante do CRP de Goiás, Shouzo Abe.
Magda enfatizou que a SPRGS é a instituição mais antiga do Estado no campo da psicologia, tendo surgido em 1959 - antes da regulamentação profissional. "É com este encontro com os colegas às vésperas de completarmos 60 anos de atuação", disse. Rogério, por sua vez, destacou que a Psicologia muda histórias e faz diferença na vida a sociedade. "Este encontro vai cumprir esse papel de diálogo. A sociedade sabe que é uma atividade necessária", pontuou.
A conferência inicial lotou o Teatro Dante Barone da Assembleia para ouvir Viviane Mosé. A filósofa e psicanalista, cuja apresentação tinha como título “A exaustão da razão”, descreveu o quadro atual da sociedade em rede. Segundo ela, o tradicional “pensamento em linha” está sendo substituído velozmente pelo “pensamento em simultaneidade”, que substitui a materialidade da vida pela narrativa.
“A sociedade mudou num grau inacreditável. O que observamos agora é uma crescente terceirização da vida, substituída pelas narrativas públicas que tomam a realidade objetiva. A culpa, entretanto, não é da internet. Trata-se apenas de um retrato da nossa impotência diante de um mundo cada vez mais hostil: se não posso comigo mesmo, posto”, disse Viviane.
O primeiro dia de atividades teve também atividades à tarde. O Espaço de Orientação “Psicologia online: o uso de tecnologias da informação e comunicação pelas/os psicólogas/os” apresentou a Resolução CFP nº 11/2018, que atualiza a Resolução CFP nº 11/2012 sobre atendimento psicológico online e demais serviços realizados por meios tecnológicos de comunicação a distância. O conselheiro Cleon Cerezer, presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização, e a psicóloga fiscal Flávia Cardozo de Mattos esclareceram dúvidas das/os psicólogas/os sobre a nova norma. No Fórum de Usuários de Serviços, Cícero Adão Gomes, usuário dos serviços da Rede de Saúde e Assistência Social de Porto Alegre. Fora das ruas há dois anos, Cícero falou sobre sua trajetória de rua por 20 anos e sobre sua atuação como militante do Movimento Nacional de População de Rua e integrante da equipe do Jornal Boca de Rua. A atividade também contou com a participação da educadora social Veridiana Farias Machado, que atua há 18 anos com população em situação de rua, e da psicóloga Geórgia Lima, trabalhadora lotada na Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas da Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul, especialista em Segurança Cidadã pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A conselheira Fernanda Facchin Fioravanzo coordenou o Fórum.
Simultaneamente foi foi realizada a mesa temática sobre Democracia, Segurança Pública e Mídia, com a participação da psicóloga Inês Hennigen e da conselheira do CRPRS Fernanda Fachin Fioravanzo. A mediação foi do jornalista do CRPRS Flávio Ilha. O debate girou em torno das percepções simplistas difundidas pelos meios de comunicação sobre a segurança pública, especialmente a ineficiência do sistema prisional e a defasagem do código penal. Inês destacou a falta de diversidade da imprensa em relação às soluções para a criminalidade, frequentemente relacionada a preconceitos raciais e de classe. Fernanda, por sua vez, revelou as atrocidades praticada no sistema prisional do Estado - ela é servidora da Superintendência dos Serivos Penitenciários do Rio Grande do Sul (Susepe).
Segundo dia
Se as atividades de abertura já prometiam um Encontro promissor em termos de debates teóricos, a programação da sexta-feira (17/08) consolidou esse compromisso. A convidada especial foi a ativista Djamila Ribeiro, autora do livro “O que é lugar de fala?”, da coleção Feminismos Plurais. Na sua conferência, “Lugar de Fala”, Djamila ressaltou os danos físicos e psíquicos causados pelo racismo e pela escravidão e destacou a brutalidade do colonialismo em relação às identidades negras.
“O colonialismo reifica identidades como estratégia de poder. Então, o negro passa a ser uma coisa só, uma mesma cultura, uma mesma identidade, todos são iguais, somos homogeneizados de forma a favorecer o sistema de opressão do racismo. Essa estratégia aniquila com a nossa humanidade”, denunciou.
Djamila fez uma apresentação centrada em teóricas feministas, como a antropóloga e ativista brasileira Lélia Gonzales, pesquisadora das relações entre gênero e etnia, e a panamenha Linda Martín Alcoff, especialista em epistemologia e raça e que reflete sobre a colonização do próprio pensamento. “É necessário disputar as epistemologias, conhecer outros mundos e duvidar que um pensamento dê conta de tudo. Essa tática colonialista de apagamento, esse pacto narcísico da branquitude, deixa a todos presos no mundo branco. É preciso restituir as humanidades negadas aos negros”, defendeu.
A sexta-feira também reservou outras revelações, como mesas temáticas sobre formação e ética profissional, supervisão em formação psicológica, cultura da inclusão, ética no contemporâneo, cidadania e acessibilidade, medicalização da vida, alienação parental, assédio moral e judicialização da vida, além do fórum de psicólogas/os trabalhadoras/es do SUAS, da encenação das peças teatrais “Aos Sãos” e “Verdades Inventadas”.
No Teatro Dante Barone, o Encontro reuniu um grupo de especialistas para falar sobre superação de limites e cultura da inclusão. Mediado pela conselheira Mariane Rodrigues, o debate reuniu o psicólogo e atleta paraolímpico Gabriel Feiten, o psicólogo e especialista em psicodrama Leonardo Couto Rodriges, a neurocientista Luciana Alves Tisser, a especialista em Psicologia do esporte Rafaela Bertoldi e a especialista em Psicologia escolar Regina Sordi.
Rafaela apresentou sua trajetória como psicóloga na modalidade do esporte de alto rendimento, ressaltando que essa área é de grande potencial mas ainda pouco ocupada pela Psicologia. Regina, por sua vez, discorreu sobre a transdisciplinariedade da psicopedagogia e sua relação com os processos de aprendizagem dos sujeitos.
Gabriel contou o acidente que o levou à condição de pessoa com tetraplegia e a procurar a formação de Psicologia: “Eu era uma mente inquieta em um corpo sem movimentos”, provocou. Também questionou o uso da palavra inclusão dizendo que, na sua perspectiva, as pessoas já nascem incluídas. "O que deveríamos pensar é como não excluí-las”, disse. O psicólogo relatou sua experiência de atleta paraolímpico de ciclismo e de natação e afirmou que a compreensão da Psicologia do Esporte tranversaliza com outros conceitos, como por exemplo de adicção.
Leonardo descreveu seu trabalho com esporte junto a jovens infratores e as fundamentações teóricas que embasam sua atuação. Luciana finalizou as apresentações valorizando o viés da neurociência, que segundo ela hoje é fundamental para a compreensão de diferentes situações, tanto nas aprendizagens quanto nas reabilitações de pessoas com deficiências.
Na mesa temática sobre formação, exercício e ética profissional, o professor Jefferson de Souza Bernardes relatou sua experiência junto ao curso de Psicologia de Palmeira dos Índios - cidade de 30 mil habitantes no sertão alagoano. "A estrutura de poder em Alagoas é a mesma há 150 anos. Então, a formação de psicólogas e psicólogos nesse contexto deve valorizar a resistência às formas de autoritarismo, conservadorismo e totalitarismo presentes no contexto dessas comunidades. Temas como gênero, sexualidade, trabalho escravo e descriminalização do aborto são essenciais", disse o pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (UFA).
O debate, mediado pelo conselheiro Sílvio A. Lopes Iensen, teve também a participação da professora Carolina Falcão, que salientou a importância da supervisão nos serviços-escola das faculdades de Psicologia. "Nossos estudantes têm uma enorme demanda por saber. Nesse sentido,a transferência de conhecimento facilitada pela supervisão é fundamental na formação ética", afirmou.
O Fórum de Psicólogas/os Trabalhadoras/es do SUAS tratou principalmente dos desafios extramuros enfrentados por essas/es profissionais. Compartilhando experiências vivenciadas em seus locais de trabalhado, as/os trabalhadoras/es debateram questões como a relação com judiciário, articulação de redes, carência de recursos para execução do trabalho. A troca entre as/os profissionais foi coordenada pela conselheira Manuele Araldi e pelo conselheiro Augusto Fassina.
A mesa “Estar vivo e estar morto na clínica, na escola e nas organizações”, mediada pelo conselheiro Cleon Cerezer, contou com a participação da psicóloga Luciane Slomka, especialista em psico-oncologia (PUCRS); da pedagoga Tânia Fortuna, doutora em Educação (UFRGS); e do psicólogo Bruno Chapadeiro Ribeiro, mestre em Ciências Sociais (UNESP) e doutor em Educação (UNICAMP). Os convidados refletiram sobre o adoecimento profissional em diferentes contextos. Bruno destacou a saúde mental no trabalho, Tânia enfocou no esgotamento de professores e Luciane ressaltou a importância da clínica como um espaço de troca, principalmente diante de perdas.
As demandas que a Psicologia recebe do Judiciário foi tema da mesa “Judicialização e criminalização da vida: Psicologia e relações com a Justiça”, que contou com a participação de Fabio Dal Molin, psicólogo e coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Psicanálise e Arte; Shouzo Abe, psicólogo conselheiro do CRP de Goiás, especialista em Psicologia Jurídica e Docência Superior e da psicóloga Cristina Schwarz, servidora da Defensoria Pública do Estado do RS. A atividade foi mediada pela conselheira Fernanda Facchin Fioravanzo. Esse mesmo tema também foi abordado no Espaço de Orientação “A prática profissional e a interface com judiciário”, o conselheiro Silvio A. Lopes Iensen e o coordenador da Área Técnica Lucio Fernando Garcia esclareceram dúvidas das/os psicólogas/os sobre o tema. A Área Técnica também orientou sobre avaliação psicológica em contextos específicos, como trânsito, porte de arma, concurso público e saúde, em espaço com a conselheira Michele Pens, o coordenador da Área Técnica Lucio Fernando Garcia e a psicóloga fiscal Adriana Dal Orsoletta Gastal, e sobre a produção de documentos na prática profissional, considerando a avaliação para as NRs, processo transexualizador e psicoterapia, com a participação da conselheira Luciara Itaqui, do conselheiro Ângelo Brandelli Costa e da psicóloga fiscal Letícia Giannechini.
Diversidade sexual e de gênero, feminismos, machismos e outros “ismos”: ampliar o debate faz a diferença foi o tema abordado por Martha Narvaz, psicóloga, especialista na área da violência doméstica, líder do grupo de Pesquisa CNPq Gênero e Diversidades, e pelo psicólogo Ângelo Brandelli Costa, psicólogo conselheiro do CRPRS, coordenador do Grupo de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais da PUCRS. A mesa foi mediada pela conselheira Priscila Pavan Detoni e prestigiada por João W. Nery, que em sua fala destacou a importância de se considerar todas as identidades de gênero possíveis, como os não-binários, e criticou a luta do feminismo quando esse não considera a existência de homens feministas. Em sua apresentação, Martha Narvaz abordou as produções da Psicologia dos últimos 30 anos no campo dos estudos feministas, e dos diferentes feminismos existentes. Contudo, destacou que ainda existem poucos estudos, e que a Psicologia precisa explorar esse campo para ampliar as possibilidades de existência. Logo após, Ângelo Brandelli Costa trouxe uma discussão atual sobre avaliação psicológica e estereótipos de gênero os resquícios de uma Psicologia que ainda não superaram os machismos, em especial nas escalas de avaliação psicológica, e a importância da ética na atuação profissional.
Nessa mesa, como conselheiro do CRPRS, Angelo Brandelli Costa pediu desculpas ao escritor João W. Nery, em nome do Sistema Conselhos, pelo episódio que resultou na cassação do seu registro profissional de psicólogo – Nery é considerado o primeiro transgênero masculino operado do Brasil. “É uma dívida que o Sistema tem com a trajetória do ativista, que nos indicou que é preciso ser sempre sensível a grupos marginalizados socialmente”, disse o conselheiro. João Nery, que iria fazer a conferência de encerramento no sábado, aproveitou o evento do dia anterior para antecipar suas causas: a luta contra o machismo – ele se define com um transgênero masculino feminista – e pelas identidades trans. “A transgeneralidade não é uma identidade, é apenas um adjetivo”, ironizou.
A manhã da sexta-feira teve também um debate sobre supervisão e formação permanente em Psicologia, mediado pela conselheira Maytê Amazarray. Estiveram na mesa a psicanalista Bárbara Conte, que falou sobre supervisão como mu espaço de ética e desenvolvimento pessoal da/o psicóloga/o, especialmente no campo da clínica; a psicóloga Branca Chedid, especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho, e a psicóloga especialista em Saúde Pública Marta Conte, que apresentaram suas experiencias de supervisão clínico-institucional para equipes de trabalho no campo da saúde pública, destacando a importância desse olhar externo para auxiliar a equipe na gestão de seus conflitos e, assim, favorecendo um trabalho assistencial de cuidado com o usuário.
À tarde, a peça Aos Sãos emocionou a todos ao retratar a história de cinco pacientes psiquiátricos internados no Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais, o maior sanatório do Brasil. Ao contar essas histórias, a peça mostra a realidade das milhares de pessoas internadas no lugar pelas mais diversas causas, a maioria sem nunca ter tido um diagnóstico de doença mental. Logo após, o consultor na área de Direitos Humanos Domiciano Siqueira e a psicóloga Carmen Oliveira trouxeram considerações sobre a relação que a sociedade estabelece com álcool e outras drogas, as políticas de saúde mental e a história da luta antimanicomial. O debate foi mediado pela conselheira Manuele Araldi.
A mesa “Cidadania, acessibilidade e inclusão: ações da Psicologia que fazem diferença”, mediada pela conselheira Andrielli Bastos contou com a participação do psicólogo Daniel Araújo dos Santos, falando filosófica e historicamente sobre os direitos humanos e como essa perspectiva se dá em sua prática profissional, no consultório de rua e CAPS AD. A relação entre Psicologia e povos indígenas foi abordada pela psicóloga Priscila Góre Emilio. Para ela, a atenção psicossocial indígena trabalha de forma especifica e diferenciada, de acordo com as especificidades de cada povo e território. Finalizando a mesa, a psicóloga Eva Loreni de Castilhos, servidora da FADERS, fez um breve apanhado histórico sobre o direito da pessoa com deficiência, explicando a diferença entre exclusão, segregação, integração e inclusão e contextualizando a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência, salientando as diversas áreas de atuação da/o psicóloga/o nesse campo e a importância de as Instituições de Ensino Superior incluírem a temática da inclusão em seus currículos de formação.
O tema da medicalização da vida foi abordado na mesa “Sentimos diferente, sofremos diferente: adoecimentos e medicalização da vida”, que contou com a participação da psicóloga Bárbara Andrada, mestre e doutora em Saúde Coletiva e participante do Despatologiza - Movimento pela Despatologização da Vida e da psicóloga Laura Gonçalves, que falou sobre sua experiência com o tema da Gestão Autônoma da Medicação (GAM). O debate foi mediado pelo conselheiro Nauro Mittmann.
Tradição clássica e ética foram os temas do debate sobre Ética no contemporâneo, com as presenças do filósofo, professor e tradutor Donaldo Schüller e o professor William Barbosa Gomes e mediação da conselheira Geisa Felippi.
Último dia
O sábado (18/08) incluiu o Espaço Multipalco do Theatro São Pedro na programação, com sessões de autógrafos e lançamento de livros. O dia ensolarado e quente ajudou na circulação do público, que prestigiou os autores que participaram do Encontro. Também houve apresentações artísticas – a performance da atriz Tefa Polidoro com sua Ternurinha e show do grupo Os Jardineiros – e duas conferências, além de mesas temáticas sobre rede de serviços em saúde, assistência e educação, saúde do trabalhador, juventude e racismo institucional e de Estado.
O psicanalista Luis Cláudio Figueiredo fez a primeira conferência do sábado sobre o tema “Subjetividade, contemporaneidade, psicoterapia”. Analisando os desafios da psicanálise em um mundo em transformação, disse que o século XX apresentou um predomínio do eixo liberal, calcado no indivíduo, em boa parte da população. “O problema não é mais obedecer, ter controle e disciplina, mas realizar um desempenho perfeito, maravilhoso, indiscutível, que consiga corresponder plenamente ao supereu tomado completamente ou quase do conceito de eu ideal. Vivemos em uma sociedade em que boa parte das pessoas sofre por não conseguir corresponder, mas ter que corresponder, a uma idealização de si mesma”, afirmou.
Diante dessa realidade, cada um acaba sendo obrigado a travar uma luta contínua e incessante para desempenhar-se da melhor maneira e exibir esse desempenho da forma mais disseminada possível – e para isso usam as redes sociais. “Como decorrência inevitável dessa luta, temos o cansaço e o esgotamento e a prevalência de um fundo depressivo. A luta incessante pelo desempenho perfeito, coincidência total com a imagem idealizada de si, é mortífera”, completou.
O encerramento coube ao escritor João W. Nery, que relatou sua experiência como primeiro transgênero masculino do Brasil. Autor do livro “Viagem Solitária”, Nery se formou em Psicologia mas teve o registro cassado depois que trocou de identidade numa época (final dos anos de 1970) em que a identidade de gênero não era sequer debatida. O ativista deu uma verdadeira aula sobre gêneros: disse que o grau de masculinidade e feminilidade varia de pessoa para pessoa, criticou a falta de políticas públicas para transgêneros masculinos, que considerou o movimento mais invisível que existe, elogiou os valores femininos e afirmou que o machismo oprime também os homens. “É um poder podre”, comparou.
A conferência foi marcada pela emoção. Nery fala e anda com dificuldade, o que não o impediu de expor suas ideias em pé, e com um humor refinado, para uma plateia sempre atenta e interessada – ele foi aplaudido quatro vezes durante a apresentação e, no final, chorou com a recepção do público que lotou o Teatro Dante Barone. Sobre a postura de psicólogas/os em relação a transgêneros, foi taxativo: “psicólogas/os têm de ter flexibilidade de valores e de conceitos, além de ter um grande ouvido para escutar, escutar sem preconceitos”, disse.
Pela manhã, as psicólogas Cristiane Sastre, Fernanda Amador e Fabiane Machado debateram o tema saúde do trabalhador, psicologia organizacional, clínica do trabalho, análise institucional e gestão de pessoas. A mesa “Saúde do trabalhador e Psicologia Organizacional e do Trabalho: para a Psicologia faz diferença?” foi mediada por Maria da Graça Correa Jacques.
Temas relacionados à vida urbana e a relação dessas questões com a Psicologia foi abordado pelos psicólogos Rafael Wolski de Oliveira e João Luís Almeida Weber, pela psicóloga Patrícia Sandri e pelo arquiteto Adriano Falcão na mesa “Psicologia e cidade: fazendo as diferenças”. O debate foi mediado pela conselheira Michele Pens.
O grupo Nau da Liberdade – com usuários, estudantes e trabalhadores que navegam pelas águas da saúde mental através do fazer teatral – se apresentou no palco do teatro Dante Barone na tarde de sábado.
As/os convidadas/os da mesa “Diferentes psicologias para diferentes juventudes?” se propuseram a debater sobre os jovens na sociedade atual, considerando a perspectiva da clínica, educação, gênero sexualidade. A mesa, que foi mediada pela conselheira Elisângela Mara Zanelatto, contou com a participação de Anie Stürmer, psicóloga, psicoterapeuta e especialista em Psicologia Clínica; Graziela Pereira Lopes, psicóloga, especialista em Terapia Sistêmica de Casal e Família e coordenadora Educacional do Colégio Israelita Brasileiro; e Fernando Pocahy, psicólogo, coordenador do Grupo de Estudos em Gênero, Sexualidade e(m) Interseccionalidades na Educação e(m) Saúde.
No encerramento, o Encontro Gaúcho de Psicologia reuniu diferentes gerações de profissionais em um debate memorialístico sobre o movimento estudantil nos cursos de graduação. Depois, ao som da banda de egressos de cursos de Psicologia “Os Sublimantes”, o evento foi terminado em clima de festa e confraternização.
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