Com o objetivo de discutir os desafios atuais das Políticas Públicas de Saúde Mental em Porto Alegre, mapear o impacto dessas políticas no cotidiano da Rede de Atenção à Saúde e oportunizar um espaço de criação de ações de fortalecimento do cuidado antimanicomial, foi realizado o evento “Saúde Mental e Direitos Humanos: Encontro Autogestionário da Rede de Atenção Psicossocial de Porto Alegre nos dias 29 e 30/11. As atividades foram organizadas pela Comissão de Políticas Públicas do CRPR, UFRGS (PPGPsi/Grupo INTERVIRES e PPGArtes) e Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de POA (CMS/POA).
No final da tarde de sexta-feira, 29/11, o filósofo, professor do Núcleo de Subjetividade PUC-SP, Peter Pál Pelbart, realizou o ato-manifesto-palestra "Tempos de assombro e ruptura” na parte externa do Museu da UFRGS. No local, bandeiras bordadas pelo Grupo Bordadeiras do São Pedro, apresentam palavras ao que é intolerável nos tempos de hoje e as respostas bordadas. Na abertura do ato, o conselheiro José Ricardo Kretuz e a conselheira Vera Pasini, representando o CRPRS, destacaram a importância de se reforçar o conceito de cuidado em liberdade e unir esforços contra violações de direitos humanos. “Devemos estar atentos a práticas que não respeitem o outro como o outro. Para isso, precisamos unir forças contra grandes abalos principalmente aos direitos humanos”, afirmou Vera.
Dedicando sua fala à professora Tania Galli Fonseca, Peter falou sobre a necessidade de se reinventar formas de vida como uma estratégia de enfrentamento aos tempos atuais, de guerra e ruptura. “É preciso reconhecer, antes de tudo, que uma movimentação de placas tectônicas nos últimos anos colocou em xeque de modo irreversível hierarquias tradicionais de raça, gênero, espécies, saberes, culturas. Vivemos uma guerra contra minorias, contra a própria população, o que coloca em evidência um passado colonial do qual não nos livramos. O culto da força e da vitória, da hierarquia e do comando, da propriedade ou do Estado, implica na defesa de uma forma de vida exclusiva e excludente”. Para Peter, é preciso reinventar formas de vida, “usar todas as armas no combate ao neofascimo, recusar a lógica da guerra mas, ao mesmo tempo, intensificar lutas pela saúde mental, pelas artes, pelos direitos humanos”. Peter fez o lançamento do livro “Tempos do Assombro”, em que analisa as últimas reviravoltas políticas no país e suas implicações.
No sábado, pela manhã, na Cinemateca Capitólio, as/os participantes do evento assistiram ao documentário “Pastor Cláudio”, dirigido por Beth Formaggini. O filme mostra o encontro entre o psicólogo Eduardo Passos e o bispo evangélico Cláudio Guerra, ex-delegado que, durante a ditadura, assassinava e incinerava os opositores ao regime. Logo após a exibição do filme, Eduardo Passos e Danichi Mizoguchi, professores da Universidade Federal Fluminense (UFF), participaram de debate.
A abertura dos trabalhos, pela manhã, foi feita por Simone Paulon (UFRGS), Ana Paula Lima (Conselho Municipal da Saúde) e Vera Pasini (CRPRS). “Existe uma RAPS que existe e que resiste. Nesses tempos, precisamos reunir esforços e lembrar que existe uma sobrevivência coletiva”, afirmou Simone que lembrou que a arte utilizada na capa do livro "Saúde Mental na Atenção Básica: O Pesquisar como Cuidado" e para a divulgação do evento foi feita pelos integrantes do GERAPOA, oficina Saúde e Trabalho que integra a Rede de Atenção Psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
No debate, Eduardo Passos destacou a dimensão do Golpe de 1964 que foi militar, civil, de estado e também empresarial e há resquícios disso ainda nos tempos atuais. “Há uma elite que ainda insiste em financiar o regime de segurança pública, que é um regime de violação de direitos”. Para Eduardo, a violência é um vetor de subjetivação muito importante. “É uma prática social que compromete o tecido social, o que é um contrassenso. Esses efeitos se agravam quando a violência é praticada por agentes do Estado, aquele que está socialmente com mandato de proteção é agente de violação”.
Antifascismo Tropical
No evento também foi feito o lançamento do cordel “Antifascismo Tropical", de autoria de Eduardo Passos e Danichi Mizoguchi. "A partir da onda conservadora e a reativação do ideário fascista no Brasil e no mundo, é importante lembrarmos das estratégias que na cultura pop brasileira foram ativadas como insurgência antifascistas. O movimento do Tropicalismo dos anos 60 talvez possa ainda hoje nos ajudar a pensar formas de enfrentamento aos modos de existência triste aos quais temos sido impelidos a vivenciar - e é isso que gostaríamos de colocar em debate”, explicou Danichi.
Produzir Saúde, Resistir, Tecer Coletivos: como temos feito?
À tarde, no Centro Cultural da UFRGS, as/os participantes se dividiram em dois grupos para refletir sobre o tema “Produzir Saúde, Resistir, Tecer Coletivos: como temos feito?”.
Disparando o debate, Simone Paulon retomou a importância da união do coletivo.“Como viver e sobreviver com saúde mental? É a política de afetos que nos matem criativos e saudáveis para cuidar em liberdade. Como enfrentar tempos sombrios? O que está acontecendo com a Rede de Saúde de Porto Alegre?”.
Para Vera Pasini, a construção e a garantia de espaços que apostem no cuidado em liberdade, são importantes para gerar momentos de encontros como conectores para produzir estratégias de resistência e outras possibilidades de vida. “Precisamos inventar outros dispositivos de cuidado. É a diversidade que produz mais vida. Precisamos compartilhar dores para produzir algo que nos ajude a sair do sofrimento”.
Ana Paula Lima, que coordena a Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, destacou as mudanças estruturais nas políticas públicas ocorridas na cidade que geraram retrocessos significativos. Como exemplo, citou a inclusão dos hospitais psiquiátricos como componente da RAPS, a compra de leitos psiquiátricos, investimento em Comunidades Terapêuticas para o atendimento de adolescentes, perda de recursos da Atenção Básica. “Se rompe com os princípios básicos do SUS, com o conceito de base territorial, eixo estruturante”.
Os grupos de trabalho discutiram desafios e potências para construção de estratégias em saúde e direitos humanos no cuidado em saúde mental. A proposta é, a partir dessas discussões, gerar um documento em conjunto que materialize essas discussões.