As entidades abaixo relacionadas vêm a público manifestar sua contrariedade quanto ao Termo de Cooperação firmado entre a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre e o Hospital Psiquiátrico São Pedro.
A decisão representa financiamento público por parte da SMS em contratação de novos leitos psiquiátricos para a cidade de Porto Alegre, contrariando a legislação vigente e as normativas que regem as diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial através da Lei Estadual n° 9.716/1992. No Artigo 3º, a lei veda “a construção e ampliação de hospitais psiquiátricos, públicos ou privados e a contratação e financiamento, pelo setor público, de novos leitos nesses hospitais”.
A Lei Federal n° 10.216/2001, por outro lado, em seu artigo 4°, diz que “é vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares”, como é o caso de hospitais psiquiátricos.
O cuidado em saúde mental é, historicamente, um desafio para todas as sociedades – por séculos tivemos os hospitais psiquiátricos como o único espaço para onde encaminhar estes sujeitos.
Essa história, entretanto, está marcada por graves e sistemáticas denúncias de violação dos direitos e de agravos à saúde dos sujeitos. Nos últimos 30 anos, porém, foi sendo construída, a partir do SUS, uma diversidade de dispositivos e componentes para efetivar o cuidado territorial e substitutivo, no sentido de inversão do modelo tutelar para o modelo psicossocial.
Esse movimento culmina com a criação de uma rede temática prioritária, através da Portaria 3.088/2011 do Ministério da Saúde, que regulamenta a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) – no sentido de ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no SUS.
Segundo o Ministério da Saúde, através do Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil de 2017, a existência de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no município reduz em 14% os riscos de suicídio.
A RAPS é constituída pelos componentes da:
. Atenção Básica (UBS, NASF, Consultório na rua e Centro de Convivência);
. Atenção psicossocial especializada (CAPS tipo I, II, III, AD e i – crianças e adolescentes);
. Atenção de urgência e emergência SAMU, Sala de estabilização UPA, portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro;
. Unidades de Acolhimento e Serviços de Atenção em regime residencial transitório;
. Atenção Hospitalar – Enfermaria especializada em Hospital Geral e Serviço Hospitalar de Referência;
. Estratégias de Desinstitucionalização – Serviços residenciais terapêuticos e Programa Volta para Casa;
. Componente de Reabilitação Psicossocial da RAPS, composto por iniciativas de geração de trabalho e renda.
Nessa perspectiva, de acordo com a normativa vigente, o Hospital Psiquiátrico não compõe a Rede de Atenção Psicossocial.
Defendemos, portanto, o fortalecimento da RAPS em consonância com o acúmulo técnico-científico que orienta essa política, na garantia de proteção dos direitos das pessoas em sofrimento psíquico e/ou com transtorno mental. Nesse sentido, lutamos pelo respeito aos direitos humanos, com a garantia de autonomia e liberdade para as pessoas e o combate aos estigmas e preconceitos.
Também lutamos pela oferta de estratégias de cuidado diversificadas e interdisciplinares para a ampliação da rede de suporte e de apoio às pessoas e suas famílias, tendo como eixo central do cuidado a construção compartilhada de projetos terapêuticos singulares que atendam às suas necessidades em saúde de forma integral.
Dessa forma, exigimos urgência quanto ao redirecionamento do financiamento para o modelo territorial substitutivo, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde nas publicações sobre a Saúde Mental.
O desinvestimento na Saúde Mental da cidade, expresso através da insuficiência da RAPS, de acordo com os parâmetros populacionais estabelecidos nas normativas, tem criado barreiras de acesso ao cuidado em saúde mental, na medida em que os componentes de CAPS não seguem o critério de territorialização e da população conforme o georreferenciamento dos distritos de saúde da cidade.
As entidades que subscrevem este documento reivindicam a revogação imediata do Termo de Cooperação entre a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre e o Hospital Psiquiátrico São Pedro que versa sobre a contratação de leitos psiquiátricos – sendo 10 para adultos e 15 para crianças e adolescentes. Compreendemos que a medida fere legislações nacionais e estaduais e desrespeita as decisões do controle social na gestão do SUS expressas nos pareceres da Comissão de Saúde Mental/CMS e das deliberações das Conferências de Saúde e de Saúde Mental da Cidade.
Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul
Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande do Sul
Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul
Fórum em Defesa do Sistema Único de Saúde
Fórum Gaúcho de Saúde Mental
Fórum em Defesa do Sistema Único de Assistência Social
Coletivo Gaúcho de Residentes em Saúde