A edição nº 57 do EntreLinhas destaca a atuação do psicólogo no Sistema Único de Assistência Social. Nos últimos anos, a Assistência Social se fortaleceu como política pública, com os objetivos de proteção social, vigilância socioassistencial e defesa de direitos. É nesse contexto que essa profissão une-se à Psicologia. A atuação de psicólogos na política de Assistência Social, especialmente, no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), se caracteriza pelo pluralismo e respeito aos princípios e valores estabelecidos nos Códigos de Ética de cada profissão. Nessa edição do EntreLinhas queremos estimular os debates acerca dessas relações, integrar o conhecimento produzido e as práticas vivenciadas entre a Psicologia e o SUAS.
A Psicologia e o Controle Social
Confira as entrevistas na íntegra de psicólogos atuantes em espaços do Controle Social:
- Anna Luiza Trein (São Leopoldo)
Formação: Estudei Psicologia na Unisinos (2003-2009); durante esse período, fiz estágios principalmente na área social, tais como estágio curricular básico no CREAS, no qual trabalhei com um grupo de mães de adolescentes que estavam cumprindo medidas socioeducativas; estágio curricular profissional na Clínica Tiago Würth (Canoas), no PIM (Programa Primeira Infância Melhor, Canoas) e no Centro de Especialização em Saúde (Canoas); estágio extracurricular na AMENCAR, que é uma ONG em São Leopoldo que desenvolve projetos sociais por editais de fomento; e também no PEI (Programa Esporte Integral) na Unisinos, que é um programa com crianças e adolescentes em contraturno escolar com atividades de recreação educativa. Também atuei brevemente em uma pesquisa no PPG de Educação da Unisinos sobre o tema "Conflitos escolares e práticas pedagógicas emancipatórias", com apoio do CNPq. Após a graduação, fiz um curso à distância em "Controle Social e Cidadania", oferecido pela Controladoria Geral da União. Atualmente, estou finalizando Mestrado em Psicologia Social e Institucional na UFRGS. Em final de março deste ano defenderei dissertação sobre o tema Política de Assistência Social, Trabalho e Autonomia, que são meus campos de interesse.
Atuação profissional: Após a graduação, trabalhei em dois CRAS de São Leopoldo; primeiro no CRAS Leste, depois no CRAS Nordeste, ambos na modalidade de contrato emergencial. Foi a partir dessa experiência que surgiu tema e problema de pesquisa, assim como também minha participação em redes socioassistenciais locais e no CMAS, representando o CRP no segmento profissionais/trabalhadores da assistência desde dezembro de 2010. Nas últimas eleições para conselheiro no CMAS, fui eleita presidente do conselho, que tem sido um novo desafio para mim.
Importância da psicologia no controle social: A psicologia no SUAS como parte necessária das equipes da proteção social básica e especial, regulamentada pelo documento NOB-RH/SUAS de dezembro de 2006, tem levantado questões, dúvidas acerca da sua atuação dentro das políticas de Assistência Social. O CREPOP, a partir de debates da categoria, criou então diretrizes para a atuação do profissional de psicologia na proteção social básica (CRAS) em 2007. Estas diretrizes têm como preceito a Psicologia Institucional e Comunitária, principalmente. O trabalho do psicólogo deve auxiliar na criação de condições de autonomia das famílias atendidas, promovendo potencialidades, fortalecendo laços familiares e comunitários, reconhecendo o sujeito como produtor de sua história em seu território, sujeito de direitos (não só direito à assistência, mas também à diversidade na sua historicidade). Outra diretriz que o documento do CREPOP aponta para a atuação do psicólogo é justamente estar atento e apoiar movimentos do controle social. Estes são fazeres de um compromisso ético-político do psicólogo, não só dentro do SUAS, mas nas políticas públicas em geral. Eis a importância talvez não da psicologia no controle social, mas do controle social para a psicologia como um exercício ético-político junto de outras categorias e outros segmentos com determinados interesses dentro das políticas públicas. Em São Leopoldo, a participação de psicólogos nos conselhos municipais das diversas políticas públicas - como instâncias de controle social legitimadas - tem sido escassa, mas tem gradativamente aumentado nos últimos meses, apontando a importância de se pensar este espaço de debate a nível municipal.
Avaliação deste espaço de atuação nos dias de hoje: Eu diria que mais importante que a participação em geral da psicologia nos espaços de controle social é estar atento ao tipo e ao lugar de participação do profissional no controle social. Por exemplo: o psicólogo pode representar o governo, se está atuando em um CRAS, por exemplo; pode também representar a sociedade civil, como uma entidade prestadora de serviço ou então profissionais da área (como é o meu caso, que represento o CRP no conselho municipal). Estes são lugares totalmente diferentes e que, por isso, possibilitam e demandam participações diferentes, mesmo que a formação tenha sido "comum" a todos, a graduação em psicologia, e a inscrição em órgão representante da categoria também (CRP). No entanto, temos que ter muito cuidado com a forma como essas participações diferentes se dão, pois, desde Foucault, sabemos que as práticas emergem da maneira como as relações de poder estão constituídas, são modificadas, atualizadas na ação. Os diálogos, sejam entre governo e sociedade civil, entre entidade prestadora de serviço e usuário (raramente presente nos conselhos!), são sempre balizados pela forma como as relações de poder, instáveis e dinâmicas, se atualizam nas práticas. Por exemplo, um psicólogo que estiver no lugar de profissional da área no conselho e que, por isso, independe de conveniamentos financeiros firmados entre entidades prestadoras de serviço e governo, dialogará de forma diferente com o gestor (governo) se comparado ao psicólogo de uma entidade prestadora de serviço. Este é um ponto que considero importante na avaliação dos usos ético-políticos deste espaço de controle social por parte da psicologia.
O que pode/deve ser feito para ampliar esta participação? A participação já está sendo gradativamente ampliada, pois muitos profissionais da psicologia parecem estar enxergando o espaço do controle social como potente para fazer discussões sobre as políticas públicas. No entanto, penso que é fundamental incluir esta discussão na graduação de psicologia, em disciplinas que problematizem o surgimento, o desenrolar e os desafios das políticas públicas. Ao meu ver, não adianta, como vemos muito acontecer nos encontros com professores e outros atores e colegas importantes neste percurso, só ter uma postura militante sobre as políticas públicas; afinal, essa postura, sabemos, foi muito importante quando a luta pelo espaço das políticas era instituinte. Mesmo que atualmente ainda ocupe um pouco o lugar de instituinte (enquanto movimento), já é outro lugar. E por isso, é preciso que se pergunte o que as políticas podem e devem no cenário brasileiro, no lugar do que estão entrando e atuando, ao que pretendem responder, etc. Trata-se de perguntas genealógicas e éticas importantes para constituirmos um entendimento crítico acerca do assunto. Também os estágios e outros espaços de formação dentro e fora das universidades. Penso que aqui talvez o diálogo com as organizações de ensino seja importante para firmar parcerias com espaços de estágio ainda não ofertados nessa área. Assim como foi para mim, muitos outros profissionais psi acharam-se despreparados para atuar no SUAS a partir da formação oficial que tivemos.
Principais desafios: Penso que um dos principais desafios no controle social é fortalecer o diálogo com outras categorias que representam segmentos profissionais da área, como por exemplo assistentes sociais (educadores sociais ainda não têm órgão representativo que participe desses espaços). Em São Leopoldo, só há dois representantes de profissionais da área: um colega assistente social pelo NUCRESS (do município) e eu pelo CRP, com respectivos suplentes. E no CMAS há justamente 2 vagas para conselheiros profissionais da área. Ou seja, acaba não acontecendo uma discussão qualificada da ocupação dessas vagas, penso que nisto deve haver um avanço. Também acho que se deva estreitar a relação dos profissionais da psicologia presentes nas três esferas de controle social (municipal, estadual e federal). Atualmente, esta relação inexiste, pelo menos no caso do meu município. Isto vai para além dos momentos de conferência, que ocorrem somente a cada 2 anos. Deveria constituir um espaço constante até para visualizarmos a complexidade da política e das possibilidades de controle em diferentes esferas.
Como seu trabalho pode contribuir na construção das políticas públicas? Penso que apontando para questões éticas: problematizar as práticas a partir das leis e as leis a partir das práticas; é nesse interjogo que efetivamente se constroem as políticas. Talvez começando com os efeitos das ações, serviços, programas, projetos do SUAS a nível local: no seu CRAS, na sua entidade de atuação. Que efeitos, e aí talvez nos interessem aqueles subjetivos a nível individual e de coletivos de determinadas territorialidades, a política está produzindo? Como a política pública de assistência social opera determinadas estratégias no processo de autonomia das famílias? E de que maneira a política problematiza a autonomia para além do viés financeiro, que também é básico? Estas são algumas das questões com as quais tenho me deparado e sentido a necessidade de discussão. Muitas vezes, isto gera um pouco de medo, ansiedade de não dar conta, pois a política de assistência social para a discussão da psicologia ainda é incipiente. Mas, ao mesmo tempo, justamente isso também provoca vontade de entender e ajudar a construir este espaço de um modo mais ativo.
- Bruna Osório (Santa Maria)
Psicóloga (UNIFRA), Mestranda em Psicologia (UFSM). Professora do Sistema Educacional Galileu/Santa Maria/RS. Colaboradora do GT Centro-Oeste e Conselheira do Conselho Municipal de Assistência Social/Santa Maria.
O interesse em conhecer tais questões surgiu em decorrência de experiências na Graduação com estágios na ênfase da Psicologia Comunitária e da Saúde e Psicologia e Processos Clínicos, participação em Projeto de Pesquisa sobre Violência e Políticas Públicas e assembleias do Conselho Municipal de Saúde (CMS). Além disso, ter tido a oportunidade de ser colaborada do Grupo de Trabalho (GT) Centro-Oeste do Conselho Regional de Psicologia (CRP-07) desde a graduação e participante do Diretório Acadêmico (DA) de Psicologia fizeram aguçar a importância de agir como Profissional Militante, com compromisso social.
Nos últimos anos tem crescido gradativamente o número de psicólogos no campo das Políticas Sociais Públicas, contudo, ainda é insuficiente as discussões sobre o tema. Nesse sentido, torna-se fundamental nos atermos a Assistência Social com o intuito de contribuir com o fortalecimento de práticas e saberes. Assim, reconhecer a trajetória percorrida pela Assistência Social, nas últimas décadas, nos instrumentaliza para entender como a Assistência se constitui enquanto Política Social Pública, adaptando-se aos contextos político-ideológicos do país. Pereira (2008) refere que o termo Política Social é relacionado ao Estado, governos, políticas e aos movimentos sociais. Essas políticas são praticadas, concomitantemente, por vários indivíduos, contemplando todos os agentes sociais, na qual requerem a participação ativa do Estado, sob o controle da sociedade, no planejamento e execução de procedimentos e metas voltadas para a satisfação de necessidades sociais. A Política Social, portanto, representa, e é uma espécie do gênero Política Pública, na qual expressa a conversão de demandas e necessidades privadas e estatais em decisões e ações públicas que afetam e comprometem a todos.
Nesse sentido, é importante mencionar a Constituição Federal (CF) de 1988 que foi e é um exemplo da junção de vários movimentos políticos e sociais em prol das necessidades e demandas da sociedade. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (CFP) (2009), a CF foi um marco na luta e na conquista dos Direitos Humanos e das Políticas Públicas, em que privilegiou a participação da sociedade brasileira e apontou uma nova concepção para a Assistência Social. Em que, instituiu-se o início da transformação da caridade, benesse e ajuda para a noção de direitos e cidadania da Assistência Social, apontando para seu caráter de Política Pública de Proteção Social articulada a outras políticas voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida (Cruz & Guareschi, 2009).
Portanto, a Assistência Social, Política Pública não contributiva, é dever do Estado e direito de todo cidadão de que dela necessitar. A CF dá as diretrizes para a gestão das Políticas Públicas e juntamente com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993, estabelece os objetivos, princípios e diretrizes das ações, constituindo os principais pilares da Assistência Social no Brasil. A LOAS determina que a Assistência Social seja organizada em um sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e pela sociedade civil (Brasil, 2010). Assim, a Assistência Social é uma política que garante direitos, afirmados no processo de participação, do controle social, da construção de canais, da consolidação de instâncias democráticas e paritárias denominadas Conselhos de Assistência Social (CFP, 2009).
A IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003, deliberou a implantação do SUAS. Em 2004, foi criado o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). E no mesmo ano foi editada e aprovada através do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Com base nas novas orientações da PNAS, em 2005 foi aprovado o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que passou a articular meios e recursos para a execução dos programas, serviços e benefícios socioassistenciais (Brasil, 2010; CFP, 2010). E no dia 17 de maio de 2011, foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o Projeto de Lei da Câmara (PLC 189/2010) que transforma em Lei, o SUAS. O CFP coloca que apoia essa proposta, além de acreditar ser uma conquista para as Políticas Públicas (CFP, 2011).
O CNAS foi criado como um instrumento de Controle Social, em que é a capacidade que tem a sociedade de intervir nas políticas públicas, interagindo com o Estado para o estabelecimento de suas necessidades e interesses na definição das propriedades e metas dos planos de assistência. O Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) é composto por 24 (vinte e quatro) membros titulares e seus respectivos suplentes, paritariamente entre governo e sociedade civil. Como conselheira e representante da categoria de Psicólogos de Santa Maria no CMAS, acredito que a atuação do psicólogo como trabalhador da área de Assistência Social, tem como finalidade básica o fortalecimento dos usuários como sujeitos de direitos e o fortalecimento das Políticas Públicas. Tendo em vista que são atribuições dos conselheiros participar das reuniões, comissões de trabalhos e deliberações da Assembleia Geral; apresentar proposições, requerimentos, noções ou questões de ordem; desempenhar as funções para as quais forem designados; apresentar à apreciação do Conselho e quaisquer assuntos pertinentes às suas finalidades. Porém, o descaso com a ocupação da representação parece ser rotineiro em alguns Conselhos por alguns profissionais, na qual, os mesmos não procuram se informar sobre suas atribuições e não têm a devida noção sobre o poder de seu voto. Com isso, o desenvolvimento do trabalho tem alguns percalços, e faz-se necessário que esse conselheiro se aproprie da posição.
Nesse sentido, tendo em vista uma Psicologia comprometida com a transformação social, que trabalhe as necessidades, potencialidades, objetivos e experiências dos indivíduos, a categoria pode contribuir para a elaboração e execução de Políticas Públicas de Assistência Social, preocupadas em promover a emancipação social das famílias e fortalecer a cidadania junto a cada um de seus membros. Acredito que o Psicólogo tem grande responsabilidade social, e a inserção do mesmo nas Políticas Públicas foi acompanhada pela construção de um compromisso social. Segundo Freire (1998), o compromisso social implica necessariamente em uma tomada de posição, portanto, ocorre no plano das ações, na qual, se o sujeito é capaz de agir e refletir, e está realizando a primeira condição para que possa ter um ato comprometido. E esse compromisso pode ser realizado pelas participações em Conselhos Municipais, podendo estar mais perto das ações de Políticas para a população. Além disso, ter uma representação da categoria é uma conquista, pois articula-se aos compromissos éticos e políticos da profissão com a construção de atuação profissional que contribua para assegurar direitos às pessoas e à coletividade. Portanto, considero que existem várias formas de contribuir para o processo de emancipação social, superação das situações de risco e vulnerabilidade social, porém para isso as discussões sobre a práxis do psicólogo no contexto de Assistência Social devem ser contínuas.
- Ana Maria Porto (Pelotas)
Formação e breve descrição de sua atuação profissional: Bacharel em Psicologia pela Universidade Católica de Pelotas. Conselheira do Conselho Municipal de Assistência Social, do Conselho do Idoso e representante do CRP no Conselho Municipal de Assistência Social. Psicóloga da Associação AMAR - Criança e Família e da OSC-GESTO. Coordenadora do Grupo de Fortalecimento de vínculos - Idosos na ONG/OSC GESTO. Faz parte do comitê do Bolsa Família e do PETI - Programa de Radicação do Trabalho Infantil. Cursos de Especialização em andamento: Especialização em Gestão Social, Políticas Públicas, Redes e Defesas de Direitos - UNOPAR e Especialização em Atenção Psicossocial no Âmbito do Sistema Único de Saúde – UFPel.
Na sua opinião, qual a importância da atuação da psicologia no controle social? A atuação da psicologia nesse campo ultrapassa o aspecto clínico. Desde a década de 80, vêm sendo realizadas inúmeras ações pelos psicólogos e entidades da psicologia, objetivando a construção de práticas comprometidas com a sociedade. Penso que nós, psicólogos, somos uma categoria com amplo espectro de atuação e com possibilidades de contribuir nos diferentes níveis de complexidade da proteção social. Buscamos a construção de práticas comprometidas com a transformação social, em direção a uma ética voltada para a emancipação humana. Atuamos no controle social, buscando corroborar com a promoção da qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuir para a eliminação de quaisquer formas de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Como você avalia esse espaço de atuação nos dias de hoje? Apesar das iniciativas do SUAS para a promoção do direito à seguridade social, infelizmente a rede de assistência não é tão sólida e não consegue atingir a todas as localidades com a mesma eficiência. Procuramos uma atuação pautada na reflexão constante do trabalho realizado, para se evitar práticas alienadas e alienantes. Buscamos na interdisciplinaridade, quando possível, uma política de negociação entre diferentes pontos de vista, que envolva tanto profissionais quanto o público participante. Enfrentamos muitas dificuldades: o diálogo entre as políticas públicas, gestor, sociedade civil e até mesmo entre as equipes interdisciplinares é precário. Um trabalho em equipe não pode negligenciar as responsabilidades individuais e competências, e deve buscar identificar papéis, atribuições, de modo a estabelecer objetivamente quem, dentro da equipe interdisciplinar, encarrega-se de determinadas tarefas. Assim, a intervenção comunitária tem o papel de viabilizar que os próprios membros da comunidade desenvolvam mecanismos de ajuda, não permanecendo dependentes da intervenção efetuada.
O que você acredita que ainda pode/precisa ser feito para ampliar essa participação? Em virtude dos desafios impostos na atuação interdisciplinar na política de Assistência Social, considero importante a criação de espaços que possibilitem a discussão, reflexão, planejamentos e debates conjuntos, objetivando estabelecer as particularidades da intervenção profissional. No entanto, é importante a conscientização de que interdisciplinaridade não significa polivalência. De forma alguma o trabalho profissional de uma área deve ser confundido ou substituído pelo trabalho de outra. O que deve ser feito é um trabalho entre áreas que, através do diálogo e interação, possibilite a construção e aperfeiçoamento de ideias. A atuação interdisciplinar requer uma prática que dialogue sobre pontos de vista diferentes, aceite confrontos de diferentes abordagens, tome decisões que decorram de posturas éticas e políticas pautadas nos princípios e valores estabelecidos nos Códigos de Ética Profissional.
Quais os principais desafios enfrentados no seu dia a dia? Um dos maiores desafios é levar o indivíduo a uma reflexão crítica da sua história. Temos que contribuir para que aquelas pessoas não sintam que estão, simplesmente, participando de reuniões para apenas conversar sobre alguma coisa. O psicólogo que atua junto ao SUAS deve estar pronto para ouvir mas, ao mesmo tempo, precisa trazer outros conhecimentos e outras abordagens para tornar esse processo mais participativo. Outro desafio é a articulação com rede socioassistencial, que embora seja regulamentada pela política do CRAS, e das políticas públicas em geral, ainda não se sustenta no cotidiano, mantendo a desarticulação dos trabalhos desenvolvidos nos diversos setores. Além disso, há uma deficiência na rede de serviços, como por exemplo nas creches, abrigos, entidades filantrópicas, postos de saúde, associações comunitárias, entre outros. Para o crescimento de ações, é preciso desenvolver a intersetorialidade, que pressupõe a articulação de setores sociais diversos, de saberes e poderes para enfrentar os problemas da realidade social.
Como você acredita que seu trabalho pode contribuir na construção das políticas públicas? Acredito que uma das principais contribuições do trabalho do psicólogo no SUAS é permitir, juntamente com a assistência social, que as políticas públicas cheguem de fato na população. É nosso papel informar e elucidar sobre os direitos de cada cidadão, e fazer valê-los. Além disso, esse trabalho permite que possamos lutar para que as políticas públicas sejam revisadas e adaptadas à realidade das comunidades.
Deixo para reflexão uma pequena citação do psicólogo social Ignacio Martin-Baró: “O saber mais importante do ponto de vista psicológico não é o conhecimento explícito e formalizado, mas esse saber inserido na práxis cotidiana, na maioria das vezes implícito, estruturalmente inconsciente, e ideologicamente naturalizado, enquanto adequado ou não a realidade objetiva, enquanto humaniza ou não as pessoas, e enquanto permite ou impede os grupos e povos de manter o controle de sua própria existência”. Martin-Baró (1996)
Maria Fernanda Caldasso (Caxias do Sul)
Formação: Licenciada em Psicologia, em julho de 1984, e Psicóloga, em julho de 1985, pela Universidade Católica de Pelotas, especialista em Psicologia do Trabalho, em 1994, pela Universidade Católica de Pelotas, especialista em Atenção Psicossocial no Âmbito do SUS, em 2008, pela Universidade Federal de Pelotas.
Breve descrição de sua atuação profissional: Psicoterapeuta, em clínica particular, de 1985 a 2008, em Pelotas. Professora e Supervisora de Estágio, na UCPEL, de 1988 a 2003. Psicóloga (CAPS) e Coordenadora do Serviço de Saúde Mental de Piratini, de 2005 a 2008. Psicóloga, da Casa Abrigo Recanto Amigo – FAS – Caxias do Sul, desde agosto de 2008.
Na sua opinião, qual a importância da atuação da psicologia no controle social? É importante o olhar psicológico sobre a vida em sociedade para defender, criar e fiscalizar as políticas públicas. A importância está na possibilidade de transformar o sujeito na sua comunidade através das intervenções, da capacitação dos atores sociais, de processos de mediação entre os polos do igual e do diferente e conscientização de direitos.
Como você avalia esse espaço de atuação nos dias de hoje? O exercício da cidadania, no Brasil, é novo e feito muitas vezes de maneira indevida, por causa dos percalços de nossa fragmentação histórica, devido à falta de conhecimento dos direitos adquiridos e ao crescimento das desigualdades e injustiças sociais e também devido a condição socioeconômica da população. Ser cidadão ainda não é natural. Ser cidadão dá um trabalho! Participar do controle social é um direito/dever cidadão. Antes de ser psicóloga, sou cidadã. O espaço existe, precisa ser ocupado. A atuação é ainda tímida, mas extremamente importante. Se não ocuparmos o espaço, outros ocupam por nós e decidem por e para nós.
O que você acredita que ainda pode/precisa ser feito para ampliar essa participação? Acredito que a mobilização dos colegas se dê por meio da troca de experiências, do compartilhar desse fazer. É preciso reconhecer que nós temos o que dizer. E que isso é importante.
Quais os principais desafios enfrentados no seu dia a dia? A administração do tempo. Como foi a dificuldade de achar uma brecha para dizer o que penso nessa entrevista. Muitas vezes, sinto-me soterrada por 1001 atividades. A dificuldade e falta de entendimento que as pessoas ainda tem de trabalhar em rede; Lidar com a impotência. Não dá para resolver tudo, atender tudo, etc.
Como você acredita que seu trabalho pode contribuir na construção das políticas públicas? Em primeiro lugar, me apropriando das políticas já existentes e de suas interfaces. Depois, apontando os “nós” e deixando-me tomar pelas inquietações que eles trazem; buscando auxílio com colegas, em livros, construindo algo adequado ao contexto, sei lá, olhando os problemas como “nós” a serem desatados. Denunciando o que não funciona, o que não é suficiente ou não é adequado. E sugerindo, experimentando novas práticas, práticas construídas, ouvindo os destinatários, sem desprezar o saber deles.